Com um cronograma de 30 anos, a Ambiental Ceará, empresa do Grupo Aegea Saneamento, tem como foco a ampliação e a operação do esgotamento sanitário em 24 municípios do Ceará. A abrangência, porém, tem de estar em 90% até 2033 nestas localidades, e 95% até 2040.
Por conta disso, cada município que compõe a PPP terá o seu cronograma próprio. Em fevereiro, um contrato que abrange 17 municípios, chamado de bloco 1, foi assinado e a operação foi iniciada.
Nestes, a depender da realidade, já tem equipes na rua, fazendo levantamento e monitoramento da rede, há os que já estão recebendo algumas pequenas obras e em outros casos, as obras vão demorar um pouco mais a acontecer.
Já o contrato de início do bloco 2 foi assinado recentemente, no início de junho, e a empresa possui, então, 180 dias para começar a operar. Como curiosidade, vale dizer que Fortaleza está neste segundo bloco.
São 4,3 milhões de habitantes no Ceará e quase 45% deste montante está concentrado nestes 24 municípios em que a Aegea irá atuar. Segundo a empresa, uma das maiores preocupações dos prefeitos e outros representantes dos municípios é sobre a mão de obra e aquecimento das economias locais.
Ao todo, a previsão é de se ter 10 mil postos de trabalho, no período de 30 anos e, nesta primeira fase, já foram abertas 245 vagas. Anteriormente já havia sido 2 mil posto para atender o bloco 1.
Para falar mais desses pontos de contrato e modificações que o saneamento pode operar na vida das pessoas, que veio ao Ceará o presidente do Instituto Aegea e diretor de sustentabilidade do grupo Aegea, e ex-presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, que conversou com exclusividade com O POVO.
O POVO - Como o senhor tem notado o tema ESG, não apenas na área de saneamento, que é tão importante, mas nas ações como um todo?
Édison Carlos - O ESG veio com uma força muito grande, justamente porque chegou através do mercado financeiro. Então, hoje, quem cobra as ações ambientais, sociais e de governança é o mercado financeiro, principalmente os bancos e os grandes fundos de investimento.
Eles tratam esses temas como risco na hora de decidir para quem vão entregar o dinheiro ou financiar um projeto. Então, isso chegou com uma força muito grande e foi muito positivo, porque quando a gente falava de sustentabilidade a gente olhava muitos só os temas ambientais, e hoje os temas sociais e de governança tomaram também uma relevância muito grande.
Assim, o que a gente tem visto é que está todo mundo se estruturando para cumprir com todos esses novos desafios, porque são desafios globais. Nós estamos falando aqui de clima, de água, de direitos humanos.
São todos temas muito importantes e que não há uma solução única. Cada vez mais a gente vai ter que trabalhar em conjunto porque os problemas são muito grandes.
O POVO - E, então, qual o impacto destes três pilares quando se fala de saneamento?
Édison - O saneamento tem um ponto positivo além do normal, quando falamos de ESG, porque quando a gente leva o serviço de água potável, coleta e tratamento de esgoto para uma família que não tinha, isso por si só já causa uma transformação muito grande do ponto de vista social.
É muito comum que onde o saneamento chega se tenha uma queda muito grande de várias doenças, principalmente verminoses, diarreias, parasitoses, leptospirose e doenças de pele, por exemplo.
Com isso, se diminui muitos custos das prefeituras com saúde, assim como as internações diminuem. Assim, há uma transformação positiva para a família e também para toda a cidade. Isso do lado social.
Mas, também, se a gente olhar o lado ambiental, esse esgoto que não vai parar mais no córrego ou não mais é lançado a céu aberto, ou seja, quando ele é coletado e tratado, você tem uma grande melhoria ambiental.
Aqui no Ceará, por exemplo, o esgoto que não é coletado e tratado vai parar, de algum jeito, no mar, em alguma praia. Por ser um estado belíssimo, com uma capacidade turística muito grande, todo esgoto que a gente conseguir coletar e tratar vai refletir na melhor balneabilidade das praias e, por consequência, se tornará mais atração turística.
Então, o saneamento por si só já traz muitos benefícios sociais e ambientais inerentes ao próprio serviço.
O POVO - O Brasil, e principalmente a região Nordeste, possui grandes desafios nesta área de esgotamento sanitário. Como o senhor avalia essa realidade?
Édison - A Aegea, por ser a maior empresa privada de saneamento, até o final do ano estaremos atendendo cerca de 30 milhões de brasileiros com água e esgoto. Assim, temos uma responsabilidade grande junto às outras empresas de saneamento, aos municípios e estados, de mudar uma situação vergonhosa.
O Brasil ainda tem mais de 35 milhões de pessoas que não têm água potável. Isso equivale à população inteira do Canadá. Imagina que isso é o serviço que mais avançou, que é o de água potável.
A gente ainda tem uma população enorme que não conseguiu nem se higienizar na pandemia. Essas foram as pessoas que mais sofreram durante esse período. E se a gente olhar o lado do esgoto, quase metade do País não tem coleta e tratamento de esgoto ainda. Isso significa mais de 5 mil piscinas olímpicas de esgoto não coletado e não tratado, que a gente joga nos rios, nos cursos de água, todos os dias.
O Brasil tem um desafio enorme com o Marco Legal do Saneamento, que foi promulgado pelo Congresso Nacional em 2020 e estamos tendo um avanço significativo, por conta da maior entrada do setor privado, em parceria com o setor público. O que precisa é isso mesmo, é juntar esforços porque o desafio é muito grande.
O POVO - O senhor falou das parcerias entre os setores público e privado, as chamadas PPPs, que na área do saneamento tiveram os seus melhores desempenhos até agora. Essa é, atualmente, a melhor forma de se ter saneamento?
Édison - Sim. Para a Aegea, que é uma empresa muito nova, tem 13 anos, essa sempre foi a visão: complementar o serviço público, trabalhar junto com o serviço público. Isso é um diferencial da Aegea. Como é o caso aqui do Ceará, que estamos chegando em 24 municípios em uma parceria público privada com a Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará), onde a gente assume o esgoto e eles ficam com a água.
Esse é um modelo muito importante para o Brasil, porque a gente junta esforços. Nós estamos falando de uma necessidade de mais de R$ 800 bilhões para universalizar água e esgoto. Ninguém tem esse recurso sozinho, nem estados, nem municípios e nem o próprio setor privado.
Então, as PPPs, na minha visão, na visão da diretoria da Aegea, é um dos grandes mecanismos para tirar o Brasil dessa situação muito ruim de falta de saneamento.
O POVO - Um estudo do Instituto Trata Brasil mostrou que o Brasil desperdiça mais de 40% da água potável captada por causa de vazamentos, erros de medição e ligações clandestinas. Essa situação é pior do que a de países como Camarões, Tanzânia, Etiópia e China. O que é preciso para reverter esses índices?
Édison - Um dos maiores desafios do setor de saneamento é reduzir as perdas e esse número vem piorando nos últimos anos. Quando presidi o Trata Brasil, acompanhamos isso todo ano e, infelizmente, o número que chegou a ser de 36%, hoje voltou à casa dos 40%.
É um desafio, porque essa é uma água que tiramos da natureza, tratamos, colocamos produto químico, usamos energia elétrica e mão de obra de funcionários para tornar esse produto potável e 40% acaba não chegando de maneira formal aos consumidores.
Por isso, na Aegea temos um trabalho muito forte, uma área de engenharia toda desenvolvida para revisão de perdas, onde se investe milhões por ano. Se estamos falando de crise hídrica, mudança climática, insegurança de onde vai chover, onde não vai, precisamos atacar muito a questão da perda porque será decisiva.
Cada litro que não se perde é um litro a menos que a gente tem que tirar da natureza. No Brasil, as regiões Norte e Nordeste têm desafios ainda muito grandes. Então, precisamos atacar isso de forma contínua.
O POVO - As ligações clandestinas são o maior fator destas perdas? Essas ações também têm relação com a cultura e a educação da população?
Édison - Cada lugar que a gente vai encontramos um cenário diferente. Há lugares onde a maior parte do problema de perdas são os vazamentos. E na média brasileira, 70% do volume de perdas vem de vazamentos.
São redes antigas, com falta de manutenção histórica. Materiais inadequados que foram instalados há 50, 60 anos, que hoje devem ser substituídos por outros materiais.
Porém, tem uma quantidade enorme, também, que é de fraudes, que são os furtos da rede oficial, os chamados “gatos”, ou até mesmo roubo de água, quando temos empresas, grandes comércios, que tentam conseguir uma conta de água menor, fazendo um gato, para poder não pagar a conta real.
Isso tudo é muito ruim porque esse investimento se usa, justamente, para construir mais redes e levar água para outras famílias. Então, tem um trabalho que é interno das empresas, que é de fazer sistemas inteligentes para poder fazer com que vaze o menos possível de água.
A Aegea investe muito em medição de pressão nas tubulações e em sistemas inteligentes porque, por exemplo, de manhã e de tarde todo mundo consome mais água porque toma banho, faz alimento, lava roupa, então as bombas trabalham com uma pressão muito grande para não faltar água.
Só que depois, de madrugada, a pressão precisa ser reduzida para não vazar, por isso os sistemas inteligentes de pressão são importantes, mas ainda tem muito lugar no Brasil que falta o mínimo nesse quesito de perdas.
O POVO - Como o saneamento impacta na economia dos locais?
Édison - O saneamento em si, além do impacto na educação e na saúde, que é inerente, quando você tem uma família com água e esgoto ela é mais saudável, as crianças faltam menos na escola, os adultos faltam menos no trabalho e isso é qualidade de vida.
Em Manaus, no Rio de Janeiro, estamos entregando a conta de água pela primeira vez para milhares de famílias. Isso, às vezes, a família valoriza até mais do que a água que chegou, porque aí ela passa a fazer parte da cidade, ela pode fazer um crediário, ela pode mandar um currículo, ela pode fazer um empréstimo no banco, as pessoas passam a ser cidadãos.
A gente escuta muito depoimento e esse ganho social é muito importante. Tem a valorização dos imóveis. O Brasil é um país onde a maior parte das famílias têm como único patrimônio a moradia, então quando aquela moradia passa a ter um serviço de água e esgoto ela passa a valer mais. Tem lugares que chegam a aumentar em 20% o valor do imóvel, aumentando o patrimônio da família.
Você tem uma produtividade maior do trabalho, já que muitas dessas famílias mais pobres que a gente atende são trabalhadores autônomos, diaristas, domésticas, catadores, ou tem um comerciozinho informal, e quando alguém fica doente se tem perda de renda.
Além disso, na Aegea gostamos de fazer projetos sociais, projetos ambientais, que gerem desenvolvimento, que treine os jovens em alguma atividade, que ele possa fazer um trabalho e ser remunerado.
O setor de saneamento pode fazer muito mais do que vem fazendo. É assim que a gente pensa e sabemos que precisamos ir além do que o contrato exige.
O POVO - A Aegea chega no Estado, por meio da Ambiental Ceará, em uma PPP de saneamento para 24 municípios e com um cronograma de 30 anos. O que esperar?
Édison - Primeiro chegamos no Crato, com uma PPP com a Prefeitura e, agora, demos a sorte de vencer os leilões dos blocos um e dois e vamos trabalhar o esgoto junto com a Cagece, que é uma boa empresa de saneamento.
Isso também nos dá segurança e tranquilidade por estarmos com um parceiro também comprometido com o desenvolvimento do Ceará e, tenho certeza, que a gente vai ter melhorias rápidas nos cursos d' água que hoje recebem esgoto.
E isso vai refletir em um desenvolvimento muito grande para o Estado do Ceará, para o cearense. Nós temos um conjunto de projetos em todas as cidades onde estamos. Como por exemplo, estimulamos muito a parceria com os líderes comunitários, no nosso projeto chamado Afluentes.
Nele, estabelecemos uma relação direta com esses líderes comunitários, principalmente das localidades mais pobres, e criamos grupos de WhatsApp. Assim, criamos uma rede, conseguimos realizar serviços mais rapidamente, porque eles podem avisar uma falta de água, um extravasamento de esgoto, e ainda criamos uma relação de confiança e credibilidade.
Temos também projetos de educação em escolas e de geração de renda, para esse em específico estamos conversando com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), que é muito desenvolvida.
Enfim, nós estamos agora no planejamento, mas certamente em vários desses projetos chegarão aqui também, porque para nós faz todo o sentido e para o cearense, também.
E ainda, com relação a parceria com a Fiec, um dos temas que queremos discutir, por sabermos que a entidade tem uma base de dados muito desenvolvida, é uma forma de se fazer um acompanhamento ao longo do tempo, para que se tenha números para poder mostrar todo o desenvolvimento que temos certeza que vai chegar, com o saneamento.
Esgoto
Quase metade do País não tem coleta e tratamento de esgoto ainda. Isso significa mais de 5 mil piscinas olímpicas de esgoto não coletado e não tratado jogados nos rios, nos cursos de água, todos
os dias.
Municípios
Nos 17 municípios já iniciados, a depender da realidade, já tem equipes na rua, fazendo levantamento e monitoramento da rede, há os que já estão recebendo algumas pequenas obras e em outros casos, as obras vão demorar um pouco mais a acontecer.
Bloco 2
O contrato de início do bloco 2 foi assinado recentemente, no começo de junho, e a empresa possui, então, 180 dias para começar a operar. Como curiosidade, vale dizer que Fortaleza está neste segundo bloco.
Água
A Aegea, até o fim do ano, atenderá cerca de 30 milhões de brasileiros com água e esgoto, numa realidade no Brasil que hoje tem mais de 35 milhões de pessoas que não têm água potável. Isso equivale à população inteira do Canadá.