A celeridade do dia a dia, por vezes, nos impede de perceber como estamos nos relacionando com as pessoas, e principalmente, com nós mesmos. Acostumados em uma rotina de constante agitação, raros são os momentos onde o cidadão reflete sobre o que ele tem para oferecer e o que realmente tem entregue às pessoas ao seu redor.
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Esse foi um dos assuntos tratados pela líder espiritual Gita Patel durante sua passagem por Fortaleza, no início de julho. Na capital cearense, a coordenadora do Centro de Meditação Brahma Kumaris no Sul da Califórnia (EUA) afirmou a importância de cada um ser uma mensagem de paz em um mundo cada vez mais tomado por guerras, conflitos de interesses e isolamento entre povos.
Entre os caminhos para conseguir essa paz está a boa relação com o “eu interior”, onde cada um tem a oportunidade conhecer suas melhores qualidades e controlar os vícios que o prejudicam. Segundo Patel, esse estado pode ser alcançado através da raja ioga, estilo de meditação voltado para a mente e tema de palestra ministrada por ela na Terra do Sol.
O POVO - O que é a raja ioga e qual a diferença dela para outros tipos de ioga já populares aqui no Brasil?
Gital Patel - Primeiro de tudo, nós dizemos “om shanti”. “Om” significa “eu” e “shanti” significa “paz”. Tudo o que nós iniciamos, nós iniciamos com paz na mente. Esse ioga que nós ensinamos é conhecido como o raja ioga fácil ou natural. “Raja” significa “rei” ou “soberania” e “ioga” significa a conexão da alma com o ser supremo. Ele é chamado de raja ioga fácil porque onde quer que você esteja, com quem quer que você esteja, ele pode ser praticado por qualquer pessoa.
É também chamado de karma ioga porque, enquanto desempenha ações, você pode estar nesse estado de ioga. Ele também é chamado de buddhi ioga que significa “ioga do intelecto” porque você pode usar o seu intelecto para se conectar com o supremo. Para iniciar esse tipo de meditação, nós focamos no centro da testa, onde acreditamos estar a alma, o ser. Se eu conheço a mim mesmo, então eu saberei como me conectar com ele.
E o que saber sobre o ser? Quando eu acesso essas minhas qualidades e especialidades, é aí que posso dizer que conheço a mim mesmo. Quando entendo a mim mesmo eu entendo o que tenho que fazer e como tenho que fazer.
OP - Vivemos em uma rotina de trabalho onde as pessoas têm sempre metas a cumprir e vivem rotinas aceleradas. Como equilibrar a produtividade e dedicação ao trabalho sem prejudicar a mente e o eu interior?
Patel - Quando começo a me olhar internamente, começo a ter acesso às virtudes inatas do ser. Temos virtudes inatas do ser: paz, pureza, felicidade, amor, poder, conhecimento. Então, quando vou para dentro consigo sentir isso, e quando sinto isso, consigo expressar isso através das minhas vibrações que alcançam o externo.
Isso é o que é a verdade sobre o eu, e quando a gente olha para o mundo lá fora, o mundo está um caos porque o mundo está preenchido com os vícios. Se me conecto com isso, não consigo ter controle do meu potencial original. Os principais vícios são: luxúria, raiva, arrogância, ego e apego. E depois a “família” desses vícios, que são mais sutis: a irritação, o ódio… são negatividades filhos desses vícios. Isso é mais qualificado com o mundo externo. E quando eu fico muito influenciado pelo mundo externo, esses vícios me atacam. Quando eu vou para o meu mundo interno, começo a sentir passo a passo o que eu realmente sou.
Dessa forma consigo manter meu estado consciente de que eu sou paz, e em vez de raiva, eu uso a paz. Em vez de ego eu consigo me manter mais humilde. Essa consciência vem na medida em que eu pratico. Vou manter isso na consciência e isso emerge na minha vida prática. Então, nós temos uma escolha: agora eu quero experimentar raiva ou experimentar paz? Eu quero ser egoísta ou quero desempenhar meu papel com humildade?
Este entendimento me torna alguém que é soberano, um rei de si. Esse aspecto de eu, a alma, se torna a forma de eu ter o controle sobre os sentidos físicos. Não importa o quanto você esteja raivoso comigo, eu posso escolher se eu quero permanecer em paz. E é assim que você consegue manter seu mundo interno e não ser afetado pelo mundo externo. Quanto mais você consegue manter uma conexão com o supremo, mais você consegue manter essa dignidade internamente.
Essa experiência do fortalecimento interior gera uma vibração que se espalha para o mundo e a minha influência de paz irá para o mundo, não aquele mundo de falta de paz que irá me influenciar. Qualquer papel que você esteja desempenhando você desempenha a partir de como está a sua mente. É por isso que essa meditação é muito importante para que você crie mais pensamentos positivos. Cada pensamento tem muita energia e é assim que nós conseguimos espalhar vibrações para o mundo.
OP - O tempo todo somos abordados por notícias ruins. Violência, disputas políticas e financeiras, guerras que têm despontado no mundo… Seria a meditação uma forma de não se deixar abalar por essas notícias e se manter conectado com o ser interior em meio a esse caos?
Patel - Nós temos uma escolha a praticar todos os dias: ao que dar importância e ao que não dar importância. Agora sabemos que o mundo precisa da nossa paz, porque aqueles que não têm essa experiência só vão mostrar esse lado distrativo. Por não estarmos praticando esse estado, facilmente nos tornamos suscetíveis às influências externas e por isso precisamos de disciplina interna, disciplina da mente.
A primeira coisa que nós temos que fazer ao acordar de manhã é ter essa experiência de paz na mente, experimentar o ser interior e deixar essas vibrações fluírem. Na Brahma Kumaris temos uma prática que é acordar às 3h30min da manhã e das 4h às 5h, fazer uma meditação. Os primeiros 15 minutos são uma prática de consciência de alma, nos 15 minutos seguintes uma consciência de Deus e nos próximos 15 minutos nós enviamos nossas vibrações amorosas ao mundo, porque tudo o que você doa, você recebe. Se, da minha parte, eu estiver constantemente doando essas vibrações pacíficas, é isso o que o mundo vai ter que me devolver.
Estamos em mais de 100 países e temos mais de 9 mil filiais fazendo esse serviço de mandar boas vibrações para o mundo. Às vezes esses lugares estão em conflito e, ainda assim, continuamos enviando essas vibrações pacíficas. Por isso que é importante praticar o ver, mas não ver, ouvir, mas não ouvir. Depois disso você vai saber o que ver e o que não ver, o que ouvir e o que não ouvir.
Dessa forma você vai conseguir economizar sua energia. Igualmente, o que falar e o que não falar, em que se envolver e no que não se envolver. Ao fortalecer o ser você vai conseguir tomar ajuda do supremo. Por isso que haverá esse poder de fato e você não será influenciado pelo mundo. Porque ele sabe a verdade.
OP - As últimas décadas têm sido de grandes avanços tecnológicos, e nesses avanços cito principalmente a inteligência artificial. Alguns estudos indicam que uma dependência muito grande dessa ferramenta pode trazer prejuízos para o cérebro. Essa dependência pode trazer prejuízos para a mente e a nossa conexão com o que é interno e o que é externo?
Patel - Se a gente conseguir acessar nossa cultura antiga, naquele período não tinha nenhuma tecnologia, não tinha telefone, mas com o poder do pensamento eles se alcançavam. Existiu esse tempo antigo quando as pessoas conseguiam se conectar através do pensamento e com a pureza do pensamento eu alcançava de um lugar para outro outra pessoa. Mesmo agora, se a gente quiser praticar isso, eu posso me conectar internamente com a minha alma, lembrar de você e mandar uma mensagem sutil para você. Isso pode alcançar a outra pessoa.
Às vezes, a gente sente isso, mas cria dúvidas na nossa mente “será que era a minha imaginação?”. Se você tiver essa clareza interior, você vai sentir claramente “é isso que eu tenho que fazer” e você vai seguir nessa direção. Por isso, é muito importante manter a fé em si, fé no supremo, fé nas coisas que estão acontecendo no drama da vida e fé na família.
Qual é a fé? A fé de que eu sou a alma tomando suporte desse corpo, desempenhando meu papel neste palco ilimitado e, depois de desempenhar o meu papel, eu tenho que desapegar. Depois disso eu consigo me conectar e ter essa energia espiritual. Isso ajuda a haver essa comunicação.
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