O relógio marcava 17 horas e poucos minutos quando Manuel Pinheiro recebeu a equipe do O POVO no gabinete que, a partir de amanhã, será oficialmente dele pelos próximos dois anos. Indicado pelo governador Camilo Santana (PT) para a Procuradoria-Geral de Justiça do Ceará, Pinheiro foi quem obteve mais votos, 262, em lista tríplice também figurada por Vanja Fontenele e Nestor Cabral. Ele ressalta que, para o órgão, os últimos trinta anos foram de dificuldades estruturais e de pessoal, o que ainda se reflete nos dias presentes, mesmo que depois da gestão de Plácido Rios - a qual considera boa. É em função deste cenário interno que o novo chefe do MP do Ceará projeta dificuldades no processo de fiscalização das eleições municipais deste ano, sobretudo no Interior. Também julga que o pacote anticrime é componente a mais na fila de obstáculos, já que vigora a partir do próximo dia 23, sem tempo necessário para planejar a melhor readequação da estrutura. Apesar disso, Pinheiro revelou planos para a gestão, como a criação de uma sede para todas as promotorias, no Cambeba, que pretende dar início. Confira os principais trechos da conversa:
O POVO : O senhor assume amanhã a PGJ do Ceará, sucedendo gestão bem avaliada. Como podemos projetar os próximos dois anos sob sua gestão? Que desafios se impõem?
Manuel Pinheiro - O Ministério Público tem atribuições muito amplas. Atua no processo penal, promovendo responsabilidade penal nos autores de crimes, atua na defesa do meio ambiente, na defesa do interesse do consumidor, das crianças, adolescentes, idosos, todo tipo de vulneráveis e o Ministério Público tem desafio de ser cada vez mais eficiente no cumprimento dessas funções. Continuar fazendo a diferença na vida dessas pessoas. Então, o trabalho da administração superior é dar condições para que os procuradores e promotores atuem de maneira cada vez mais eficiente nessas áreas todas. Como você falou, nos últimos quatro anos tivemos avanços significativos em termos de infraestrutura, em termos de pessoal, e o desafio é continuar resgatando um déficit que se acumulou durante décadas. O Ministério Público ainda não dispõe de instalações físicas adequadas, de recursos tecnológicos de última geração, de servidores em quantidade suficiente para prestar o serviço que ele desejava prestar à sociedade. Então, assim, nosso desafio, com as restrições que a gente tem, orçamentárias, de limitações de despesa com pessoal, é criar essas condições, seja na segurança pública, em que ele tem um protagonismo como órgão investigador, como órgão propulsor da jurisdição criminal, e também nessa tarefa de promoção de direitos fundamentais.
OP: Esses desafios de estrutura e de pessoal citados podem ser eleitos como os primeiros obstáculos internos?
Manuel Pinheiro - O Ministério Público passou talvez 30 anos sem recursos suficientes para investir na requalificação dos espaços físicos, também sem número considerável de servidores, de assessores, de estagiários e isso afetava a quantidade e a qualidade do serviço prestado à sociedade. Então, durante os últimos quatro anos, especialmente depois que a Assembleia aprovou (em 2016) o repasse de parte das custas judiciais e emolumentos cartorários para o Fundo de Modernização do Ministério Público (FRMMP-CE), nós tivemos um salto de qualidade, principalmente na Capital, que na gestão do doutor Plácido conseguimos instalar a sede das Promotorias Criminais, a sede das Promotorias Cíveis e Especializadas, os órgãos de investigação, o Gaeco, a Procap, o Nuinc e o Gaesf num prédio na Antônio Sales. Então, isso gera uma dificuldade muito grande. Os promotores criminais que trabalhavam no Fórum, alguns deles não tinham nem sequer lugar pra sentar. O promotor chegava a dizer assim, "a minha promotoria é um pendrive", porque, por incrível que pareça, um servidor público com as responsabilidades de um promotor de Justiça, até quatro anos atrás, não tinham sequer lugar para abrir um computador para colocar um processo ou ter um assessor, um estagiário ao seu lado. Então, pelo menos isso nós conseguimos resgatar com Plácido e nosso desafio é fazer com que esses avanços continuem, vamos lutar pra ter uma sede própria das promotorias de Justiça na Capital, que abrigue todos os órgãos do Ministério Público, e também dar grandes condições de trabalho aos colegas promotores que estão no Interior e na Região Metropolitana.
OP: Hoje são duas sedes de Promotoria na Capital, esta e a da Antônio Sales.
Manuel Pinheiro - É, como sede de promotorias. Temos outros órgãos, como o Decon, que não está em boas condições também, a gente quer conseguir…. Uma das nossas metas é conseguir uma sede das promotorias que, nela, possamos juntar os promotores criminais, os promotores cíveis, promotores de família, de meio ambiente, do consumidor, para que ela seja, até do ponto de vista da identidade visual e simbolicamente, uma sede de todos os promotores. A gente vai ter uma sede da administração superior instalada no Cambeba, que será, talvez, inaugurada em março, abril do próximo ano. Mas, a sede onde trabalham os promotores de Justiça da Capital ainda não existem definitivamente.
OP - Esta sede será inaugurada na gestão do senhor?
Manuel Pinheiro - Eu pretendo começar, porque nós nem dispomos de recursos suficientes, nesse momento, para iniciar e concluir uma obra desse tamanho. Em várias capitais do Brasil o Ministério Público já possui uma sede, mas nos últimos 30 anos o Ministério Público não teve recursos para investir.
OP: O Ministério Público fará concurso para 30 vagas de servidores neste ano. Essa melhora de infraestrutura descrita pelo senhor pode fazer a gente prever mais concursos?
Manuel Pinheiro - A situação de pessoal é um pouco mais complicada, porque nós temos o limite de despesa pessoal que deve corresponder ao máximo de 2% da Receita Corrente Líquida do Estado. E nós já estamos em torno de 1,69%. Nós tivemos agora algum acréscimo, porque o Ministério Público admitiu 165 assessores. Nós teremos que dar posse, no próximo ano, a esses 30 servidores, isso vai gradativamente aumentando o comprometimento da despesa de pessoal em correspondência com esse limite (2%), e teremos que nomear, também, 44 promotores possivelmente em meados de 2021. Até lá, há essa dificuldade.
OP: Em meio aos vários campos de atuação do Ministério Público, o senhor elegeu recentemente, ao O POVO, a asfixia financeira das facções como agenda prioritária. O cenário do Ceará preocupa neste aspecto?
Manuel Pinheiro - O Brasil todo vive esse desafio, de enfrentar forças criminosas de diferentes tipos, forças criminosas armadas, forças criminosas que atuam no "colarinho branco" e, assim, é quase que um mantra para quem trabalha nessa área a frase "siga o dinheiro". A maneira mais eficiente que se tem de combater o crime organizado é retirando o proveito econômico que essas organizações obtêm. Às vezes as pessoas pensam que as prisões e as apreensões de armas, de drogas vão resolver o problema. Nós temos que discutir isso com os outros órgãos que compõem o sistema, com Polícia Militar, com Polícia Civil, Polícia Federal, uma articulação de esforços com vários tipos de medidas que não cabe detalhar aqui para tentar combater de forma mais eficiente. O que quis salientar na entrevista é que não adianta fazer esforço só por mais prisões e apreensões de drogas. Se nós fizermos isso, estamos quase enxugando gelo.
OP: Estamos no rumo dessa lógica ou não?
Manuel Pinheiro - No próprio âmbito da Secretaria de Segurança Pública, da Polícia Civil, teve um ganho de eficiência nessa área, a quantidade de bens apreendidos e tornados indisponíveis foi maior em relação aos anos anteriores. Isso é fundamental que aconteça. Uma das tônicas do pacote anticrime recentemente aprovado pelo Congresso também é essa, doravante todas as investigações terão que essa linha relacionada aos ganhos ilícitos do crime. O que o projeto requer da Polícia, do Ministério Público é esse esforço de apurar qual foi o ganho indevido e postular logo de partida, na denúncia, que a pessoa acusada, caso condenada, perca esses bens. É o caminho que a lei nos aponta. Esse pacote traz muitas mudanças, que as instituições, Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Judiciária e a própria advocacia vão ter de se adaptar com novo modelo. É um desafio também que a gente tem pela frente, de se adaptar com acordo de não persecução penal (válido para infrações sem violência, exceto crimes de improbidade administrativa, e com pena mínima de quatro anos), exige mudança de cultura, exige também fiscalização efetiva do cumprimento de sanções alternativas à prisão. É uma mudança radical que, no meu ponto de vista, exigiria um prazo de vacância da lei maior. Trinta dias para uma mudança dessa envergadura, criação de juízes de garantias, criação do acordo de não persecução penal, não persecução cível, tudo isso afeta 13 leis penais e processuais penais. Exigiria prazo de adaptação maior. Conversei com alguns colegas procuradores e promotores da América Latina, perguntando sobre a mudança, eles disseram que no mínimo seis meses, no máximo cinco anos.
OP: Quais são as consequências que se pode vislumbrar?
Manuel Pinheiro - O Tribunal, a Procuradoria e a Defensoria vão se esforçar para cumprir essas funções que o pacote anticrime colocou para as instituições sem ter aumento muito significativo da despesa com pessoal. Como isso vai ser feito? É algo muito difícil de se lidar. Imagino como os gestores destas instituições estão passando por dificuldades.
OP: Mesmo aqui no Ceará, onde a situação é de equilíbrio nas contas?
Manuel Pinheiro - Mesmo aqui no Ceará. Nós não temos como contratar, recrutar novos servidores, fazer concurso para novos promotores e extrapolar esse limite (de 2% da Receita Corrente Líquida). Então, nós vamos tentar nos adaptar com os humanos que nós dispomos e isso é muito difícil.
OP: Como o senhor observou a resistência empreendida por alguns setores contra a instituição do juiz de garantias?
Manuel Pinheiro - A principal resistência que existe é uma resistência baseada na dificuldade que as instituições vão ter para que o Judiciário possa ter um juiz de garantias e para que o Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Judiciária, possam ter mais agentes cumprindo as funções perante este juiz de garantias. Se nós tivéssemos uma condição em que a demanda de casos de investigação e processo de julgamento não fosse tão grande, como é, acho que a resistência seria bem menor. O que está se colocando aqui é uma dificuldade mais prática do que uma resistência à figura do juiz de garantias, que existe em várias jurisdições, mas cada país tem sua realidade.
OP: Neste ano, o principal evento é o processo eleitoral. Como o Ministério Público articula sua atuação?
Manuel Pinheiro - Nas eleições municipais, o Ministério Público, digamos assim, tem uma atuação maior em comparação com as eleições gerais de dois anos atrás. A função não é apenas fiscalizadora, mas, como autor das ações que combatem corrupção eleitoral, abuso do poder econômico, do poder político. Temos uma equipe de promotores experientes, que já trabalharam em outras eleições. Infelizmente, o quadro de membros no Interior está bastante desfalcado. Nós temos promotores trabalhando em três, quatro comarcas, isso vai dificultar a fiscalização no macro período eleitoral. No micro período eleitoral nós vamos nos organizar para que tenhamos deslocamento de promotores da Capital para ajudar na fiscalização no Interior. Mas não podemos fazer isso com antecipação muito grande para não deixarmos desassistidas promotorias criminais, de meio ambiente, consumidor, infância, todas da Capital. Então, assim, a fiscalização no macro processo eleitoral vai ser um pouco prejudicada, mas vamos contar com a participação da cidadania, que ajuda o Ministério Público a fiscalizar, que nos informe dos ilícitos. O Ministério Público tem que ter muita maturidade para entender que a notícia de crime muitas vezes não são verdadeiras, são até armadilhas eleitorais. Então, é um enorme desafio que temos pela frente, nós estamos ai até outubro com esse desafio de, junto com a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE), dar as condições para que promotores que já estão no Interior e aqueles que irão mais próximo da eleição possam fiscalizar de forma mais efetiva também os recursos eleitorais para que sejam aplicados de forma correta, isso vai ser verificado na prestação de contas, e também para coibir financiamento eleitoral clandestino, das fontes que são proibidas, como o financiamento empresarial e também, em muitos casos, até o financiamento pelo crime organizado.
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POSSE
Manuel Pinheiro toma posse nesta segunda-feira, 18 horas, no auditório da nova sede da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) do Ceará.