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O Projeto Fortaleza e o combate ao crime organizado
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

O Projeto Fortaleza e o combate ao crime organizado

Tipo Análise

A atuação cada vez mais ousada de organizações criminosas na América Latina vem chamando a atenção de autoridades no mundo todo. Como forma de dar uma resposta à diversificação das atividades criminais na região, desde 2013 a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) desenvolve o Projeto Fortaleza (o nome não tem relação com a capital cearense), cujo objetivo central é prover às forças policiais uma plataforma global para detectar, rastrear e combater práticas criminais.

Os países membros do Projeto Fortaleza têm como missão formular estratégias comuns e ajudar-se mutuamente em ações transnacionais de investigação criminal. Em contrapartida, a Interpol assume o compromisso de reforçar a capacidade das polícias de detectar e restringir rotas de tráfico entre as fronteiras dos estados membros, além de contribuir em operações e reforçar a segurança nas fronteiras. O "pacote" da Interpol é composto de listas de vigilância de gangues, redes de profissionais de inteligência, operações policiais coordenadas regionalmente e acesso a amplo banco de dados criminal.

Mais recentemente, a União Europeia criou o Projeto CRIMJUST em conjunto com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Interpol e a Transparência Internacional, visando disponibilizar recursos financeiros para reforçar a investigação criminal e ampliar a cooperação na área de justiça criminal na rota do tráfico de cocaína abrangendo países da América do Sul (Argentina, Brasil, Colômbia, Equador e Peru), América Central (República Dominicana e Panamá) e África Ocidental (Cabo Verde, Gana, Guiné-Bissau e Nigéria).

As ações tiveram início em 2016 e estão previstas para ocorrer até o ano que vem. O intercâmbio de conhecimentos é um dos pilares em ambos projetos. Para tanto, delegados e especialistas em combate ao crime organizado reúnem-se periodicamente para troca de informações e capacitações. Em outubro do ano passado, por exemplo, a importância da cooperação regional foi tema de um evento do UNODC realizado em Viena, na Áustria, que contou com a participação de policiais brasileiros.

A atividade mais vistosa do Projeto CRIMJUST foi a Operação Lionfish III, que apreendeu 55 toneladas de narcóticos na América Latina e na África Ocidental. A ação contou com cinco mil policiais de 13 países, incluindo o Brasil. A medida faz parte de um esforço em inibir o envio de drogas para a Europa a partir da repressão qualificada à rota dos entorpecentes. A participação do Ceará nesses fluxos de circulação vem trazendo uma série de problemas ao Estado, entre eles a escalada dos índices de homicídios nesta década.

A maior apreensão de drogas ocorrida nos portos cearenses - quando a Receita Federal descobriu 330 quilos de cocaína em um carregamento de mel no Porto do Pecém, na última sexta-feira, dia 16 - só demonstram a importância do Ceará na geografia do crime organizado internacional e o quanto o mercado se encontra aquecido.

A Bélgica, país que receberia a carga ilegal, é apontada pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) como um destino cada vez mais relevante para o crime organizado. Segundo o relatório mais recente da OEDT sobre drogas, mais da metade das apreensões de cocaína na Europa, em 2017, ocorreram naquele país. Na mesma semana da apreensão recorde no Ceará, a Receita Federal encontrou 866 quilos de cocaína em uma carga de compensados de madeira no Porto de Paranaguá, no Paraná. O destino do material era o mesmo: o Porto de Antuérpia, no litoral belga.

A Europa passa por um momento de elevada disponibilidade de cocaína, cujo nível de pureza é o maior da década. É preciso ter em mente que a demanda pela droga permanecerá elevada por mais algum tempo, ou seja, o caminho entre quem produz e quem consome não se fechará tão cedo.

O modo como os governos devem encarar essa questão, contudo, faz toda a diferença. A escolha mais simples e mais desastrosa tem sido o modelo da "guerra às drogas". A militarização das políticas de segurança pública só tem resultado em mortes e desperdício de recursos, passando longe de atingir as causas estruturais do que move a comercialização de drogas ilícitas.

Atuar a partir do uso intensivo de ferramentas de inteligência, desmantelando o poderio das organizações criminosas, parece ser uma forma mais eficaz de lidar com o problema, embora ainda seja paliativa. O que está mesmo em jogo é a relação que nós, como sociedade, mantemos com os entorpecentes. Enquanto o consumo for visto apenas como caso de polícia de pouco adiantará os esforços para sua erradicação. A descriminalização precisa estar na pauta quando pensamos em soluções duradouras à questão das drogas.

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