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Da Guerra Fria ao 11 de Setembro: João Paulo II mudou o mapa geopolítico
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Da Guerra Fria ao 11 de Setembro: João Paulo II mudou o mapa geopolítico

Karol Wojtyla foi o primeiro papa da era das comunicações de massa. Usou a popularidade como instrumentos políticos e religiosos. Ao mesmo tempo, conduziu a Igreja num reencontro com a tradição
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Em 21 de janeiro de 1998, João Paulo II beijou a terra cubana no aeroporto internacional José Martí, onde foi recebido pelo comandante-em-chefe Fidel Castro
 (Foto: Ahmed Velázquez/Granma)
Foto: Ahmed Velázquez/Granma Em 21 de janeiro de 1998, João Paulo II beijou a terra cubana no aeroporto internacional José Martí, onde foi recebido pelo comandante-em-chefe Fidel Castro

A eleição de Karol Jozef Wojtyla foi o início do fim de revoluções, na Igreja e na política. Foi o primeiro papa não italiano em 456 anos. Não era casual que, em 1978, o catolicismo passasse a ser comandado por um cardeal do Leste Europeu, do bloco socialista. O polonês foi o último papa da Guerra Fria. Responsável por encerrar o ciclo reformista do Concílio Vaticano II e por redefinir o papel geopolítico e teológico do Vaticano no mundo atual.

Papas desempenham papel político há milênios. Coroaram reis, orientaram guerras. Por mais de mil anos, tiveram sob sua jurisdição os Estados Pontifícios. Desde 1929, o Vaticano ganhou status de Cidade-Estado. Monarquia absoluta, eletiva e teocrática que tem o papa como soberano. João Paulo II deu nova dimensão ao papel.

Cursava teatro em Cracóvia quando a Polônia foi invadida e repartida entre a Alemanha nazista e a União Soviética, no marco inicial da Segunda Guerra Mundial. Os alemães fecharam a universidade e, na Polônia ocupada pelos nazistas, Wojtyla iniciou os estudos eclesiásticos em 1942, na clandestinidade. Fez-se padre em 1946 sob a ocupação soviética. O ateísmo era política do regime e havia tentativas graduais de controlar a religião. A Igreja era uma força de oposição.

O embate com o comunismo atravessou a vida sacerdotal e seria traço definidor do pontificado. Em mais de um quarto de século de comando do catolicismo, fez a transição da Igreja do século XX para o século XXI e foi um marco não só da reorganização da Igreja como da política mundial. Fez isso usando como instrumentos a popularidade, a capacidade de arrastar multidões, a força que os meios de comunicação passavam a ter. Fez do papado um fenômeno de massas. "O papa é pop", cantaram os Engenheiros do Havaii.

Para isso contribuiu o carisma. João Paulo II era bem-humorado, fazia piadas e cantava. Diferentemente da debilitada saúde de João Paulo I, ele era jovial, praticava esportes: esquiava, levantava pesos, praticava natação e gostava de futebol. Ao chegar aos países que visitava, agachava-se agilmente e de joelhos beijava o solo, numa poderosa imagem ao longo dos anos 1980 e 1990.

Viagens apostólicas

Até a década de 1950, era raridade o papa deixar o Vaticano. Foi um frisson quando João XXIII cruzou de trem os 200 quilômetros até Assis. Paulo VI foi o primeiro pontífice a viajar de avião e o primeiro a deixar a Itália desde 1809. João Paulo II visitou 132 países.

As viagens, os eventos de massa, o uso da comunicação e o carisma se tornaram ferramentas de evangelização e difusão de sua visão para o catolicismo. Mobilizou esse aparato simbólico para mudar o mundo, a começar pela terra natal.

Wojtyla era nacionalista e sua eleição para papa foi recebida como um golpe em Moscou. João Paulo II combateu o comunismo desde sua primeira encíclica, em 1979. Com uma novidade: a crítica não era religiosa, do ponto de vista do ateísmo, mas antropológica. Acusava o sistema de alienar o ser humano. Nesse ativismo, manteve correspondência diplomática com líderes mundiais, inclusive Ronald Reagan (Estados Unidos) e Leonid Brejnev (União Soviética).

Deu apoio decisivo ao Sindicato Solidariedade, que se tornou a maior força de oposição na Polônia, liderado por seu amigo Lech Walesa. O apoio de Wojtyla fez com que o sindicato crescesse enormemente ao longo dos anos 1980. Foi declarado ilegal e líderes foram presos.

Em 1989, o Solidariedade foi legalizado. Naquele ano houve eleições para o Senado, as primeiras em quase meio século. O resultado foi arrasador: o Solidariedade ficou com 261 das 262 cadeiras. O governo comunista caiu dois meses depois, de forma pacífica. Foi o primeiro de um efeito dominó que se alastrou rapidamente pelo Leste Europeu. Logo vieram Hungria, Tchecoslováquia, Bulgária e Romênia. Em 9 de novembro, o Muro de Berlim foi derrubado. Em dezembro, João Paulo II recebeu Mikhail Gorbachev, último líder soviético. O Vaticano restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética, que deixaria de existir em 1991.

Era globalizada

João Paulo II consolidou o papel político pós-Guerra Fria. No mundo de fronteiras abertas e fluxos intensificados de pessoas, mercadorias e dinheiro, criticou o consumismo, a ostentação e a voracidade do capitalismo.

Em 1998, visitou Cuba, a convite de Fidel Castro. O dirigente comunista havia sido excomungado por João XXIII. Estava na primeira fila quando João Paulo II celebrou a missa na Praça da Revolução.

O papa que teve protagonismo no fim da Guerra Fria e na queda do bloco comunista assistiu ainda a uma outra reviravolta planetária, com a escalada das tensões no Oriente Médio e o ataque terrorista às Torres Gêmeas.

Opôs-se às operações militares no Golfo Pérsico, fez apelos públicos, dirigiu-se ao governante iraquiano Saddam Hussein. Mobilizou a diplomacia do Vaticano. Enviou o cardeal Pio Laghi para que se encontrasse com George W. Bush, presidente dos Estados Unidos. Levava uma mensagem do pontífice para que não atacasse o Iraque. As empreitadas de Karol Wojtyla para evitar a guerra no Oriente Médio não foram tão bem-sucedidas quanto para encerrar a Guerra Fria.

 

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