Quais as transformações no Parque do Cocó em mais de 50 dias de quarentena e com a suspensão da visita humana na maior unidade de conservação, cravada em área urbana, do Norte e Nordeste? De Maracanaú à Fortaleza, municípios onde se desenham os 1.571,29 hectares do ecossistema protegido, na Região Metropolitana da capital cearense, quais benefícios e problemas experimentaram a fauna e a flora sem visitantes na área das trilhas quase sempre lotadas antes da pandemia?
Eu, o biólogo Gabriel Aguiar e os repórteres fotográficos Fco Fontenele e Júlio Caesar, iniciamos uma busca por sinais e interrogações na área da avenida Sebastião de Abreu. Foi o início de um desafio proposto pelo gestor do Parque, Paulo Lira, para a anotar sobre uma floresta cercada de prédios, asfalto e Cidade por todos os lados.
"50 dias sem a presença humana no Parque do Cocó": leia a reportagem completa no OP+
Gabriel Aguiar, 25, mestrando em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), delimitou. A visita às trilhas focaria na parte comportamental do bioma desenhado entre o manguezal, as dunas e a mata de tabuleiro.
Nem uma semana inteira daria conta, por exemplo, de traçar observações sobre aspectos populacionais. Então fomos "sozinhos" pelo que resta de floresta numa das áreas mais cobiçadas pelo mercado imobiliário em Fortaleza.
Iniciamos o roteiro na madrugada do último dia 7 de maio. Chegar cedinho, pegar a hora mais ativa dos pássaros e a virada da jornada noturna, quando o Parque assume outra escrita com seres que vivem no breu da noite cercado pelo urbano.
O comportamento mais visível está no inventário do chão. Como não há pisada humana constante, no meio da trilha do Túnel uma brotação de mudas de mangue-preto reassumiu um trecho bem no meio do caminho.
"É o que chamamos de sucessão ecológica. A vegetação, os organismos tomando conta do espaço que uma vez foi deles. Então, a gente vai ver plantas crescendo na trilha, sob a água, em locais que passaram a ser delimitados pela trilha aberta para visitação (desde 2003)", observa o biólogo.
O mangue-preto (Avicennia schaurina) também conhecido como árvore canoé ou siriúba é uma espécie abundante nos manguezais do Brasil e da América do Sul. Na época de sua refazenda espalham sementes na lama ou na borda das trilhas do Cocó.
Além das pequenas mudas, também se observou o deslocamento dos pneumatóforos depois do limite da beirada da trilha. Pneumatóforos são estruturas de respiração, raízes que crescem num sistema radicular e que depois sobem, ficando acima do solo.
A espécie, descreve a literatura botânica e Gabriel Aguiar, tem estruturas especiais chamadas popularmente de "galhas" (não confundir com galhos), umas bolinhas encontradas na superfície das folhas que servem para excretar o sal que é absorvido pela planta no mangue. O Cocó já foi uma grande salina nos anos 1970, pertencentes à família de Antônio Diogo Siqueira Filho.
Na trilha do Rio, foi onde as sementes do mangue-preto mais se sentiram à vontade para reocupar o território. Os 50 e poucos dias sem pés de tênis, sem pneus de bicicletas e o peso das motocicletas do policiamento permitiram o crescimento de um pouco mais de dez centímetros embaixo das matrizes. Árvores que podem chegar a 20 metros no rés da lama.
Sem fiscalização, Sabiaguaba sofre com crimes ambientais
Fortaleza tem sob sua responsabilidade cerca de 1,6 mil hectares de riquezas ambientais e arqueológicas. Para muitos, entretanto, o espaço é local para construções com vista bonita ou para passeios radicais nas dunas. Onde o Rio Cocó deságua no mar começam o Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba e a Área de Proteção Ambiental (APA) de Sabiaguaba.
Criadas há 14 anos, as unidades de conservação objetivam, respectivamente, a proteção integral e o uso sustentável da área. "Fortaleza está em uma área de tabuleiros, planícies e campos de dunas, mas a maior parte destes últimos está ocupada e descaracterizada, como é o caso no Pirambu e na Praia do Futuro. Os únicos campos de dunas realmente preservados são os da Sabiaguaba", explica Frederico de Holanda, coordenador do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará (Uece). "Além disso, essas formações são naturalmente frágeis. Daí a importância do Parque."
Gabriel Aguiar, biólogo e mestrando em Ecologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), completa que 83% da cobertura de dunas da Capital já foi destruída, o que faz da área último cordão de dunas móveis fortalezense. "Ambientalmente falando, a área da Sabiaguaba é a mais rica de Fortaleza. A areia está ali há cerca de 4.600 anos e estão sob ela artefatos arqueológicos dessa época", adiciona. As dunas abrigam sete locais arqueológicos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os sítios SA I e SA II foram identificados em 2002 durante execução de obras da ponte da região. Em 2010, uma pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco identificou os sítios SA III, IV e V. Quatro anos mais tarde, foi a vez dos sítios Gereberaba I e II.
O Parque é também um refúgio da biodiversidade nativa. "Lá temos centenas de espécies de animais e plantas com diversos níveis de risco de extinção. Gato do mato, tatu, guaxinim, raposa, gambá, cassaco, capivara, pelo menos 14 espécies de morcego, diversas serpentes, mais de 100 espécies de pássaros", enumera Aguiar. Algumas aves vêm do hemisfério norte e dependem de que o ecossistema da Sabiaguaba esteja preservado. É o caso do falcão peregrino, a ave mais rápida do planeta, proveniente do norte do Canadá.
Não bastasse tamanha exuberância, as unidades são importantes para o equilíbrio urbano. As dunas funcionam como um receptor e filtro de águas das chuvas, reduzindo alagamentos e abastecendo o lençol freático - e, por consequência, rios, lagos e lagoas. As formações são ainda entrada dos ventos que amenizam a temperatura na Capital e área importante para o turismo ecológico, os esportes de baixo impacto, a pesquisa científica.
Em resposta ao O POVO, a Seuma informou que "está trabalhando no planejamento de ações mais amplas de educação ambiental, que abordem o uso adequado da área pública". A pasta, no entanto, não indica quais seriam as atividades e as datas de realização.
De acordo com a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), são realizados monitoramentos semanais e operações especiais programadas. Na tarde do último domingo, 31, o órgão flagrou e autuou sete veículos trafegando nas dunas do Parque. Durante a operação, também houve retirada de ambulantes. Desde o início do ano, foram realizadas 13 fiscalizações.
Embora seu Plano de Manejo tenha sido publicado em 2010, ambientalistas afirmam que "a unidade nunca foi devidamente assumida pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma)", como coloca o biólogo. "Desde sempre, é pautada a questão da fiscalização, sobretudo no Parque de Dunas. Ali os principais problemas são crimes ambientais como despejo de resíduos sólidos, desmatamento e queimadas, construções irregulares e constante circulação de carros 4X4 e quadriciclos", aponta Yara Oliveira, estudante de Direito e voluntária do Instituto Verdeluz. Outro problema recorrente são as retiradas de areia nos arredores da rodovia CE-010, construída em meio a polêmicas e cortando o Parque.
Desde o ano passado, Yara é representante da organização no Conselho Gestor das Unidades de Conservação da Sabiaguaba, presidido pela Seuma e composto por membros da sociedade civil. "Sempre pautamos a questão da fiscalização e todas essas irregularidades, mas nunca foi dada a devida atenção". A jovem lamenta e se indigna com a não efetividade do Plano de Manejo. "Já faz 10 anos de sua existência e nele existem mais de 100 ações. Se duas foram colocadas em práticas, desconheço."
Em resposta ao O POVO, a Seuma informou que o Conselho Gestor das Unidades de Conservação da Sabiaguaba "está trabalhando no planejamento de ações mais amplas de educação ambiental, que abordem o uso adequado da área pública, voltadas para a comunidade residente no entorno como também para os visitantes e frequentadores". A pasta, no entanto, não indica quais seriam as atividades e as datas de realização. A Secretaria afirma ainda que realiza "ações periódicas de educação ambiental e fiscalização nas Dunas da Sabiaguaba".
De acordo com a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), são realizados monitoramentos semanais e operações especiais programadas. Na tarde do último domingo, 31, o órgão flagrou e autuou sete veículos trafegando nas dunas do Parque. A prática é considerada degradação ambiental pelo o Plano de Manejo da Sabiaguaba e tipificada como infração gravíssima pelo Código da Cidade. Durante a operação, também houve retirada de ambulantes. Desde o início do ano, foram realizadas 13 fiscalizações, que resultaram em remoções de construções e ocupações irregulares. "Novas operações já foram programadas, a partir de demandas identificadas pelas equipes de monitoramento", finaliza em nota.
As unidades de conservação ambiental de Fortaleza
São áreas criadas pelo poder público com o objetivo de proteger seus recursos naturais. Para tanto, elas estão submetidas a regras de ocupação e exploração distintas do restante do território e são divididas de acordo com o nível de preservação. Em Fortaleza, existem 12 áreas públicas protegidas legalmente; na prática, poucas têm ações efetivas.
Unidades de uso sustentável
1.Área de Proteção Ambiental (APA) do Estuário do Rio Ceará - Rio Maranguapinho
Abrange os municípios de Fortaleza, Maracanaú e Maranguape
Criada pelo decreto estadual nº 25.413 de 1999; expandida pelo decreto estadual nº 32.761 de 2018
2.APA do Rio Pacoti
Abrange os municípios de Aquiraz, Eusébio e Fortaleza
Criada pelo decreto estadual nº 25.778 de 2000
3.APA Dunas da Sabiaguaba
Criada pelo decreto municipal nº 11.987 de 2006
4.Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) do Sítio Curió
Criada pelo decreto estadual nº 28.333 de 2006
5.Arie das Dunas do Cocó
Criada pela lei municipal nº 9.502 de 2009
6.Arie da Matinha do Pici
Criada pela lei municipal nº 10.463 de 2016
7.Arie Prof. Abreu Matos
Criada pela lei municipal nº 10.537 de 2016
8.Arie do Cambeba
Criada pelo decreto estadual nº 32.843 de 2018
9.APA Lagoa da Maraponga
Criada pelo decreto municipal nº 14.389 de 2019
Áreas de proteção integral
10.Parque Estadual Marinho Pedra da Risca do Meio
Criado pela lei estadual nº 12.717 de 1997
11.Parque Natural Municipal das Dunas da Sabiaguaba
Criado pelo decreto municipal nº 11.986 de 2006
12.Parque Estadual do Cocó
Abrange os municípios de Fortaleza, Maracanaú, Itaitinga e Pacatuba
Criado pelo decreto estadual nº 32.248 de 2017