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Comunidade registra expulsão de jovens em meio a conflito entre facções
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Comunidade registra expulsão de jovens em meio a conflito entre facções

Rosalina é mais uma afetada no processo de expansão do Comando Vermelho registrado em várias localidades. SSPDS diz investigar movimentação
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Movimentação no bairro Messejana, que teve briga entre facções na comunidade Pôr do Sol.  Dados do Anuário abarcam 84% da população brasileira, distribuída em 20 estados. (Foto: Aurelio Alves/ O POVO)
Foto: Aurelio Alves/ O POVO Movimentação no bairro Messejana, que teve briga entre facções na comunidade Pôr do Sol. Dados do Anuário abarcam 84% da população brasileira, distribuída em 20 estados.

A segurança pública no Estado vive um momento delicado. Maio foi o quinto mês seguido de aumento no número de assassinatos e junho segue a mesma tendência. Este ano já tem quase o dobro de assassinatos se comparado com 2019. A própria Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) admite que esse crescimento se deve à retomada do conflito entre facções. O mais recente capítulo dessa disputa vem transcorrendo nas últimas semanas, quando intensas queimas de fogos em algumas regiões passaram a ser praticamente diárias. Seriam comemorações de uma facção criminosa pela "tomada" de áreas consideradas "neutras".

Uma dessas movimentações foi registrada na comunidade de Rosalina, no bairro Parque Dois Irmãos, na madrugada da última terça-feira, 16. O POVO apurou com um morador da região que diversos jovens ligados à facção criminosa Guardiões do Estado (GDE) foram expulsos ou fugiram da comunidade após a facção Comando Vermelho (CV) se autoproclamar como "dona" da comunidade. Vídeos que circularam em redes sociais registraram homens soltando fogos de artifício em comemoração ao "domínio" da facção. As imagens eram acompanhadas de gritos em apologia à organização. "É tudo 2, porra, passa, nada (sic)", diz um homem não identificado.

Conforme O POVO já havia mostrado em 9 de junho último, o CV "obrigou" criminosos de comunidades consideradas neutras a aderirem à facção, apuraram órgãos de inteligência. O primeiro território com registro dessa ação foi o Pôr do Sol, em Messejana. Em seguida, a mesma celebração foi registrada no bairro Paupina. Outro local em que o CV teria estendido seus domínios foi a Comunidade das Quadras, no bairro Aldeota, onde chegou a ser preso um homem que estaria soltando fogos e atirando na celebração. Foguetórios ainda foram registrados em bairros como Praia de Iracema, Conjunto Ceará, Barra do Ceará e Bom Jardim, entre outros.

Na Rosalina, O POVO apurou que integrantes de serviços de inteligência tiveram acesso a um "salve" da GDE sobre a situação no local. Conforme a mensagem, atribuída à "hierarquia maior" da facção, houve a quebra do "regime de 'paz'" que viveria a Rosalina gerada pelo fato de os autoproclamados chefes de CV e GDE na comunidade serem irmãos e dividirem o poder. A mensagem prossegue afirmando que o chefe do CV disse à GDE estar sendo "pressionado" para "tomar" o local. O salve ainda diz que a hierarquia maior ofereceu "apoio" para rechaçar a ofensiva, mas o chefe do CV teria decidido por expulsar a GDE. "Na noite do dia 15 de junho o (Trator) decidiu assim trair seu irmão de sangue vindo a tomar sua área na tora onde o mesmo decidiu que lá virasse todo CV vindo a oprimir os irmãos GDE a ponto de manda todos rasgarem suas camisas". O salve termina com uma ameaça: "está situação não ficará assim, nós iremos retomar a área do nosso irmão Macumbeiro (H2o) (SIC)".

Questionado através de assessoria de imprensa sobre o avanço do CV, o secretário André Costa limitou-se a dizer que "detalhes dessas ações são apuradas e tratadas no âmbito da inteligência das forças de segurança". Em nota, a SSPDS afirmou que a Polícia Civil investiga o caso.

 

Saiba quem são os protagonistas do conflito na Rosalina

Daniel (Trator) e Macumbeiro (H2o), também conhecido como Pai, são, respectivamente, os irmãos Daniel (37 anos) e Zaqueu Oliveira da Silva (38 anos). Este último já foi apontado pela Polícia CIvil como "conselheiro final" da Guardiões do Estado (GDE). Entre os crimes de que é acusado está a Chacina do Forró do Gago, em 2018, que deixou 14 mortos. Conforme a investigação policial, Zaqueu teria enviado homens e organizado a logística do crime, oferecendo arma e ponto de encontro para os executores.

"Zaqueu é extremamente temido na comunidade da Rosalina e adjacências, se impondo pelo terror", consta no relatório final do inquérito da chacina.Já na época do crime, a Rosalina era "dividida" entre os irmãos e, consequentemente, pelas facções Comando Vermelho (CV) e GDE, conforme depoimento de um inspetor no inquérito. Zaqueu teria dezenas de casas na comunidade, algumas delas que ele teria se apoderado criminosamente, informou ainda o policial. Condenado a 13 anos de prisão por tráfico de drogas, atualmente, ele cumpre pena na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS). Durante esse processo, ele negou ser integrante da GDE, assim como participação na chacina. Zaqueu ainda disse trabalhar vendendo e comprando carros na Feira da Parangaba.

Já Daniel atua no tráfico de drogas na Rosalina, conforme investigações policiais, desde, pelo menos, 2009, quando foi preso com 21 quilos de maconha na comunidade. À época, conforme denúncia, ele seria um "tentáculo" do então chefe do tráfico no local, identificado como "Vinícius Bola", que estava preso. (Lucas Barbosa)

 

Raio-x

Duas maiores organizações criminosas do Estado em número de membros, Comando Vermelho e Guardiões do Estado são peças-chave no aumento no número de homicídios em 2020.

Guardiões do Estado

Fundada em 1º de janeiro de 2016 por internos do sistema prisional com o intuito de frear o avanço das facções Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital no Estado.

Conforme relatos de chefes da facção à Polícia Civil, a GDE teria entre 20 e 30 mil membros.

Na operação Reino de Aragão, a Polícia Federal afirmou que a facção tinha presença em 47 bairros de Fortaleza e 56 municípios do Estado.

Ainda segundo a PF, são sete os seus líderes, integrantes da chamado Sétima Coluna.

Conforme a SSPDS, apenas um desses chefes está solto: Francinélio Oliveira e Silva, o Geleia.

Em sentença de maio de 2019, a Vara de Delitos de Organizações Criminosas citava que a GDE tinha faturamento mensal estimado em R$ 5 milhões.

Comando Vermelho

Criada em 1979, no Instituto Penal Cândido Mendes (Rio de Janeiro) por presos comuns, a partir da experiência apreendida no cárcere com presos políticos.

Tem registro de presença no Ceará desde os anos 1990. Uma de suas principais lideranças no período, Francisco Viriato de Oliveira, o Japonês, era cearense radicado no Rio.

Passou a aumentar os batismos no Ceará em 2015, no contexto de disputa nacional com o PCC.

"Estatuto" da facção, peça apócrifa já apreendida diversas vezes pela Polícia em celulares de integrantes da facção, diz que o CV tem 13 "conselheiros" responsáveis pela organização no Estado.

Em relatório da então Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), em 2018, era considerada a maior facção dentro dos presídios cearenses, com 9.056 integrantes, contra 5.718 presos da GDE.

Em 2018, dos 124 presos por assassinato pelo DHPP em que foi possível determinar a facção que pertencia, 58,87% eram da GDE, contra 31,45% do CV e 9,68% do PCC.

 

Adesão

Conforme O POVO já havia mostrado em 9 de junho último, o CV "obrigou" criminosos de comunidades consideradas neutras a aderirem à facção.

 

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