Dentre as 51 mortes declaradas como decorrentes de oposição à intervenção policial em 2019 em Fortaleza, O POVO localizou 29 inquéritos e nenhuma denúncia. São 18 procedimentos ainda em andamento e 11 arquivados. Mesmo casos ondem recaem suspeita de abuso policial seguem em investigação. Em todo o Estado, no ano passado, foram 136 casos.
As mortes em intervenção policial são consideradas excluídas de ilicitude. O entendimento é de que os atos ocorrem no exercício da profissão ou em legítima defesa, circunstâncias em que não há crime, conforme o Código Penal. Apesar disso, por lei, todos os casos devem ter inquérito policial (IP) instaurado. Procedimentos administrativos também são abertos.
Entre as ocorrências em que a investigação comprovou não ter havido crime está a morte de Francisco Gleisson do Nascimento da Silva, em 23 de fevereiro, no José Walter. O caso ocorreu no momento em que um PM estava de folga, em uma loja e presenciou anúncio de assalto. Conforme parecer do Ministério Público (MPCE), o policial avistou um indivíduo armado rendendo os funcionários e ordenando que fossem para os fundos da loja. O militar, então, tentou se esconder, mas foi percebido e perseguido pelo assaltante, que passou a atirar. O PM chegou a cair, mas revidou os tiros, atingido Gleisson, que não resistiu. Os demais assaltantes fugiram. "Não há, nos autos, indicativos de excesso no exercício da legítima defesa", entendeu o MPCE.
O POVO, porém, localizou casos em que, apesar de não haver denúncia, a investigação encontrou elementos que dão a entender a existência de abusos. É o caso de uma morte ocorrida na Parquelândia, em fevereiro. Francisco Daniel Souza da Costa foi morto após policiais serem acionados para uma confusão envolvendo dois homens e duas mulheres. Os PMs contaram ter se deparado com uma briga, em que uma das mulheres gritava "solte minha bolsa". Apesar de terem dado voz de parada, a luta continuou. Em dado momento, Daniel teria virado-se de forma "brusca" em direção aos policiais, com um objeto nas mãos. Por isso, diz o relato, houve o disparo, já que o PM achou que se tratava de uma arma — o que não se confirmou. Testemunhas afirmaram não ter havido ordem de parada e que os PMs chegaram atirando. Os policiais chegaram a ser afastados na época do crime, mas o IP ainda não foi concluído.
Outro caso com alegação de abuso foi o que vitimou Francisco Lucas Sousa da Silva em 20 de dezembro, na Granja Portugal. Conforme a PM, policiais receberam a informação de tráfico de drogas na casa onde o fato ocorreu. Ao fazerem buscas, foram alvo de disparos, feitos por um homem refugiado em um cômodo. Reagiram e, cessado o tiroteio, constataram que Lucas havia sido ferido. Ele chegou a ser levado a um hospital, mas morreu. A operação resultou em um preso, suspeito de posse ilegal de arma e tráfico.
Porém, o IP cita que a Ciops recebeu "mais de uma" ligação dando conta de que no local estaria havendo tortura durante a ação policial. Também consta na peça a versão de que o episódio seria, na verdade, uma retaliação dos PMs pelo fato de o suspeito preso ter denunciado os militares por tortura em abordagem ocorrida dias antes. Os policiais teriam, então, arrombado a casa e passado a torturar não só o suspeito como também seus familiares, utilizando munição menos letal. Por fim, teriam matado Lucas, que era parente do homem preso. Fotos anexadas ao processo mostrariam o resultado da sessão de tortura. "Há a necessidade de prosseguimento das investigações", entendeu o MPCE, solicitando envio do IP para a Delegacia de Assuntos Internos (DAI), especializada em crimes de agentes de segurança.
Apuração
O POVO solicitou, através da Lei de Acesso à Informação, os números de todos os inquéritos instaurados para apurar mortes em intervenção policial em 2019. Foi informado, porém, que a "a SSPDS não divulga o número do procedimento policial".