A superintendência no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Ceará emitiu ontem, 10, nota técnica em que determina o imediato embargo de "qualquer atividade que venha a ser desenvolvida" para a instalação do Loteamento Vert Fortaleza. O empreendimento imobiliário planeja ser construído em terreno particular localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) da Sabiaguaba. Aprovado em reunião do Conselho Gestor unidade ambiental na última quarta-feira, 8, o projeto vem sendo contestado por organizações da sociedade civil, ambientalistas e órgãos representativos.
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O loteamento está em desenvolvimento pela BLD Desenvolvimento Imobiliário Ltda em parceria com a Cipasa e a Construtora Etevaldo Nogueira. Informações sobre o projeto estão disponíveis no site da empresa responsável e dão conta de que a área será dividida em 571 lotes de 300m², entre o novo Anel Viário e Dunas da Sabiaguaba. A nota técnica 19/2020 do Iphan-CE explica que a BLD protocolou ao Instituto com relação ao loteamento em janeiro deste ano. "Na ocasião, se verificou que a sua área diretamente afetada-ADA e área de influência direta-AID se sobrepunha às áreas da APA de Sabiaguaba, margeando o Parque Estadual do Cocó e o Parque Natural das Dunas de Sabiaguaba", afirma o documento.
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Os órgãos gestores dessas áreas foram consultados sobre a viabilidade. Ao mesmo tempo os trâmites seguiram no Iphan e foi definida como requisito a realização de estudo arqueológico. Isso porque a área abriga, além de riquezas de fauna e flora, sítios arqueológicos. "Até a presente data, o referido projeto não nos foi encaminhado e não houve manifestação sobre a viabilidade do empreendimento, por parte dos órgãos gestores das áreas de proteção ambiental mencionadas", continua. Diante disso, a construtora não possui anuência para Licença Prévia, tampouco para Licença de Instalação - o que resultou no embargo do projeto. O POVO tentou contato com a BLD, mas não teve retorno até o fechamento dessa matéria.
Para Gabriel Aguiar, integrante do movimento Fortaleza pelas Dunas, a APA da Sabiaguaba é "uma das áreas mais preservadas de Fortaleza". "Ela é bem preservada e rica por ter espécies ameaçadas de extinção, como por exemplo o gato do mato e a planta Bacopa cochlearia, que só ocorre aqui no Ceará", pontua. O biólogo aponta ainda que, de acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, o espaço é considerado "área de restinga arbórea", o que equivalente a território Mata Atlântica, e portanto não pode ser desmatado.
Entretanto o território parece não ser reconhecido dessa maneira pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma). Em nota, a pasta afirma que o Plano de Manejo da Unidade de Conservação Sabiaguaba "está sendo cumprido na íntegra". "O terreno não ocupa área de dunas preservadas e não está inserido no Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba e nem no Parque do Cocó", expõe. A Secretaria diz ainda que o empreendimento não ocupa qualquer área de preservação ambiental, zona de proteção ambiental ou terreno de marinha, nem homologado nem presumido. (Com Matheus Facundo)
Conselheira critica reunião que aprovou o empreendimento
O projeto foi aprovado em reunião do Conselho Gestor da Sabiaguaba na última quarta-feira, 8. Yara Oliveira, representante do Instituto Verdeluz no Conselho, conta que o encontro aconteceu por meio da plataforma Microsoft Teams e "com muitos absurdos". Ela relata que, desde o início da pandemia, representantes da comunidade da Sabiaguaba não conseguem participar das reuniões por não terem celular ou rede de internet que suporte aplicativos para encontros online. Com isso, a maioria dos conselheiros presentes e que votaram a favor do projeto são "de órgãos do governo".
"Nunca tinha visto um quórum tão grande como o dessa reunião", nota Yara que participa há um ano do Conselho. Estavam presentes 17 das 20 entidades que compõem o conselho. Dos 14 votos favoráveis, oito vieram de representantes de órgãos da Prefeitura ou do Estado. Votaram a favor a Seuma, a Secretaria Regional VI, a Secretaria Municipal de Turismo de Fortaleza, a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, a Coordenadoria Especial de Articulação Política, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza, a Coordenadoria de Biodiversidade, a Câmara Municipal de Fortaleza, a Procuradoria Geral do Município, a Associação dos Moradores e Amigos da Gereberaba, a Associação dos Comerciantes e Moradores da Praia da Abreulândia, a Universidade Estadual da Ceará, a Imobiliária M. Tadeu Ltda. e o Instituto dos Arquitetos do Brasil.
Além do Instituto Verdeluz, apenas a Associação Náutica Desportiva da Abreulândia (Anda) votou contra o projeto. Sem acesso prévio a detalhes da proposta do empreendimento, os conselheiros assistiram a cerca de 1h30min de apresentação. "E quando terminou, não teve tempo para debater porque foi dito que a gente tinha que deliberar até as 16h, que era o horário limite da reunião", lembra Vinicius Mentges, membro da Anda. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), também conselheiro da Sabiaguaba, se absteve na votação.
"A gente votou contra pelo fato de não ter sido debatido com mais ênfase os reais danos causados pelo empreendimento e por acreditar que os danos que o empreendimento irá causar ao meio ambiente são bem maiores do que os 'benefícios' apresentados por eles", afirma Vinicius. Yara lembra ainda de outro ponto controverso do encontro. "Os conselheiros não ligaram a câmera no momento de votar, de modo que não temos como saber quem realmente estava votando ou questionando algo", afirma. "Isso há de ser averiguado." Segundo ela, o Instituto Verdeluz e outras organizações já solicitaram a gravação da reunião para a Seuma.
Comunidade acadêmica e OAB-CE se manifestam contra projeto
A comunidade acadêmica da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/CE) se manifestaram contra a construção do projeto imobiliário. Buscando barrar o empreendimento, integrantes da instituição de ensino realizaram um abaixo-assinado e representantes da entidade jurídica acionaram o Ministério Público do Ceará (MPCE).
O documento criado por servidores, professores e estudantes da Uece pede pela anulação do voto do conselheiro que representou a instituição no encontro. “A universidade não pode ficar ao lado de grupos que destroem a biodiversidade, a natureza, a vida para salvaguardar o lucro.”, repudia organizadores no abaixo-assinado. O texto pede ainda que sejam revistas as portarias de representação da Uece junto às Secretarias do Meio Ambiente Municipal e Estadual.
Já o presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Ceará (CDA/OAB/CE), João Alfredo Telles, entrou com uma representação judicial no MPCE, pedindo para que o órgão tomasse as “providências administrativas e judiciais cabíveis” e garantisse a “proteção do patrimônio ambiental ameaçado”. (Gabriela Almeida)
Abaixo-assinado e redes sociais
Organizações sociais e ambientalistas promoveram mobilizações online contra a aprovação do empreendimento. Em 24 horas, um abaixo-assinado reuniu mais de 13 mil assinaturas. Na tarde de ontem, as hashtags #SalvemAsDunasDaSabiaguaba e #SOSsabiaguaba chegaram aos assuntos mais comentados do Twitter no Ceará.