Para um internauta de Fortaleza, que reclamou da falta de segurança oferecida pelo aplicativo InDriver ao motorista Alexandre Hadlich Fernandes, 32, a empresa russa respondeu que o Brasil era um país "perigoso". A indelicadeza do comentário somada a falta de assistência à família de Hadlich, vítima de um latrocínio no último dia 13/8 na capital cearense, levaram a Bianca Fonseca, 24, a decidir que processará o app de transporte.
A esposa do paranaense afirma que deverá recorrer à Defensoria Pública do Estado já que não tem como contratar um advogado. A monitora de call center da Coca-Cola, que trancou o curso de engenharia ambiental porque não conseguiu pagar as mensalidades na UniFanor, conta que o marido recorreu ao trabalho com aplicativos de transporte para reforçar a renda do casal. Ele fez a última corrida depois de uma chamada da InDriver, mas também atendia pela 99 e Uber.
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Alexandre e Bianca se conheceram no ano passado pelo aplicativo de relacionamentos Tinder. A moça voltou da Europa - onde tinha ido de férias - e aceitou namorar e se casar com o rapaz que veio morar em Fortaleza por causa do romance.
Confira a seguir, a entrevista.
O POVO – A InDriver prestou assistência pra você?
Bianca Fonseca – A empresa não entrou em contato comigo, respondeu comentários de terceiros numa publicação (no WhatsApp). Consegui um WhatsApp de cadastro e eles me responderam pedindo pra eu mandar e-mail. Com toda a loucura, eu ainda não mandei e-mail. Eles não se pronunciaram em nada. E no comentário, diziam que não tinham responsabilidade. O dono da InDriver disse que o Brasil é que era violento demais. Mas ele falou com terceiros (pelo WhatsApp) e não comigo.
O POVO – Ele trabalhava pra InDriver desde quando?
Bianca Fonseca – No Indriver há mais ou menos duas ou três semanas, antes era só 99POP e Uber. Ele alternava as corridas, pegava sempre a que fosse mais lucrativa. Recebia sempre em dinheiro e as corridas em cartão ele aceitava e pedia para o passageiro passar o cartão no posto de gasolina. Ele era motorista da Uber há quase 3 anos, era um motorista exemplar, daquelas categorias diamante. Não existia um contrato de trabalho.
O POVO – Você vai processar a InDriver?
Bianca Fonseca – Pretendo, assim que passar essa pior parte. Espero ter ajuda jurídica para dar início, pois não sei como proceder.
O POVO – Ele era educador físico e corretor de seguro, recorreu aos aplicativos para conseguir se manter?
Bianca Fonseca – Ele era educador físico em Ponta Grossa (Paraná), cidade que morava antes de morar em Fortaleza. Veio a passeio em 2015, gostou da cidade e em mais ou menos em 2017 decidiu vir morar em Fortaleza. Alexandre começou a trabalhar como auditor de seguro DPVAT (Seguro obrigatório) e como motorista, mas a renda principal era de motorista. Não temos filhos, mas estávamos tentando, ele sonhava em ser pai. Pagamos aluguel e trabalho fixo como monitora de call center, na Coca-Cola. Ele ficava com as contas menores como energia e internet. Com meu ticket alimentação, fornecido pela empresa, fazíamos a feira do mês. Todo mês, nos organizávamos para comprar algo a mais pra nossa casa que ainda não está completamente montada. Esse mês iríamos comprar um forninho, mês que vem um guarda roupas e etc.
O POVO – Você é engenheira ambiental?
Bianca Fonseca – Não. Era estudante de engenharia ambiental da UniFanor, mas só fiz dois semestres, pois era caro demais e não consegui pagar.
O POVO – Ele mandava dinheiro pra família no Paraná?
Bianca Fonseca – Não, a família dele que ajudava sempre que precisava, mas era pouco e ele sempre devolvia o dinheiro.
O POVO – O que você está fazendo para segurar a situação violenta de como o Alexandre foi assassinado?
Bianca Fonseca – Eu ainda não consigo acreditar, já que não tivemos ainda a despedida. Optei por não ter velório pois a alegria dele tem que ser a última lembrança. No fundo eu ainda fico esperando-o voltar, passo o dia inteiro rodeada de pessoas, mas esperando ele voltar. Tento me distrair e à noite tenho que tomar remédio umas 3 horas antes pra conseguir dormir. No mais, só essa imensa dor que nada vai apagar.
O POVO – Ele tinha sofrido algum assalto trabalhado de Uber, 99 e Indriver, antes do latrocínio?
Bianca Fonseca – Nunca. Ele era muito esperto e sempre me mandava print e localização de onde estava.
O POVO – Onde as cinzas deles serão espalhadas?
Bianca Fonseca – As cinzas serão dividias em três partes: jogadas no mar de Fortaleza (cidade que amava e escolheu morar), em Ponta Grossa onde ele construiu a vida dele, depois da adolescência. E em Cruz Machado, cidade da família e onde ele morou na infância/adolescência. Na praia não haverá manifestação por causa da pandemia, é uma despedida simples e rápida. Vamos de branco simbolizando a paz.
O POVO – Como você está acompanhando o caso na polícia?
Bianca Fonseca – A delegada Arlete me mantém informada quando pergunto sobre algo, sobre os pertences pessoais. Ela me deu muito apoio e assistência. Não recebi apoio jurídico, nem psicológico de ninguém. Estamos aflitos pois o financiamento do carro vence dia 30 e não teremos como pagar. Acho que a mídia poderia pressionar mais a Justiça, pois todos que foram presos (seis assaltantes) tinham passagem pela polícia. Qual juiz deixou-os sair? Será que vai se repetir (o crime)?
O POVO – Quantas prestações faltam pra pagar o carro?
Bianca Fonseca – Compramos o carro em novembro de 2019, faltam mais de 40 parcelas de R$ 1.400, o carro é do ano de 2019, um Ônix joy simples. Queremos nosso carro pra tentar amenizar a dívida. (O veículo foi localizado pela polícia no dia 19/8)
O POVO – A “vaquinha eletrônica” deu pra cobrir as despesas com a cremação do corpo de Alexandre?
Bianca Fonseca – A vaquinha deu pra cobrirmos as despesas do crematório e tudo ao redor desse processo, e um vereador (que não sei o nome) disse que pagaria minha passagem para o Paraná. A vaquinha também custeará a passagem da minha mãe pois não consigo viajar sozinha.
O POVO – Por causa do desaparecimento do Alexandre, seus seguidores do Instagram cresceram. Como viu isso?
Bianca Fonseca – Eu tinha um pouco mais de 1000 seguidores e amentou do nada (até o último dia 21/7 tinham 28,9 mil seguidores). Graças a Deus muitas pessoas boas me mandando mensagens de conforto que é o que me deixa em pé. Tenho Facebook, mas não uso muito. Têm algumas solicitações de amizade, mas eu não sei quantas. Eu não consigo me ligar nisso. Estamos recebendo comentários muito maldosos, inclusive que forjei a morte do meu amor pra conseguir seguidores. Então, estou distante das redes. Só aviso sobre as despedidas e alguma novidade sobre homenagem. Muitas pessoas querem me mandar flores, cartas, mas eu tenho medo de passar meu endereço. O carinho que recebi tem me aliviado muito, apesar de eu estar anestesiada.
O POVO – Você conheceu o Alexandre, quando?
Bianca Fonseca – Nos conhecemos em 15 de maio do ano passado através do Tinder. Precisei viajar, disse que não ia voltar de viagem e ele insistiu. Voltei da Europa por ele, ele me pediu em namoro e começou a montar a casa pra morarmos juntos. Moramos juntos desde setembro. Não somos casados, só união estável. Ele era muito determinado, trabalhador, todo dia saia com metas e voltava com metas cumpridas. Era um ser humano alegre, sempre disposto a ajudar, era muito família. Ligava pra mãe todo santo dia, fazíamos chamada de vídeo com a família lá quase todo dia para a mãe, o pai e uma irmã. Era apaixonado por plantinhas, pela nossa cadela Lola e sonhava muito em ser pai. São muitas coisas lindas a falar sobre ele, mas já estou em prantos.
Crime
Segundo apurações, o grupo criminoso, especializado em desmanche de carros, solicitou uma corrida pelo aplicativo InDriver a partir do bairro Maraponga. Assim que Alexandre parou o veículo, foi rendido. Ele teria reagido e foi atingido por disparos de armas de fogo