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Bairro Edson Queiroz: investigação revela detalhes de uma guerra entre facções
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Bairro Edson Queiroz: investigação revela detalhes de uma guerra entre facções

CV domina maioria das comunidades do bairro e busca eliminar rivais da GDE do local, conforme relatório da Polícia Civil. Entenda detalhes do conflito e por que algumas das vítimas, sem nenhum envolvimento com a criminalidade, mesmo assim foram executadas
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Comunidade da Baixada registra presença de integrantes do CV (Foto: Reprodução/Google Maps)
Foto: Reprodução/Google Maps Comunidade da Baixada registra presença de integrantes do CV

O Edson Queiroz foi um dos bairros onde o conflito entre facções criminosas mais foi intenso em 2020. A expectativa dos órgãos de segurança é de que em 2021 a situação melhore com a prisão, ocorrida em dezembro, de homens ligados à facção criminosa Comando Vermelho (CV). Eles foram apontados como tendo envolvimento em seis homicídios no contexto da rivalidade com a facção Guardiões do Estado (GDE).

A prisão dos membros do CV ocorreu após trabalho da 7ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Os policiais civis analisaram nove homicídios registrados na região em 2019 e 2020. O resultado foi o Relatório de Investigação Complementar do inquérito nº 322-1518/2020, datado de outubro, ao qual O POVO teve acesso. A peça traça um detalhado cenário do confronto entre as facções no Edson Queiroz, que se estende até mesmo a bairros vizinhos, como a Sapiranga.

Conforme a investigação, o CV “domina” quase todas as comunidades do Edson Queiroz. Apenas um trecho da comunidade do Dendê seria território da rival GDE. Espécie de base do grupo no bairro é o condomínio residencial Yolanda de Queiroz, construído para abrigar moradores removidos de outras comunidades do Edson Queiroz. O local ainda conta com apoio de criminosos que atuam na comunidade da Baixada, de parte do Dendê, assim como da comunidade da Alvorada, na Sapiranga. “Desse modo, membros desta organização criminosa se intitulam 'donos', determinando quem pode ou não morar no citado condomínio”, diz trecho do relatório. “Moradores oriundos da área sob influência da facção criminosa GDE têm sido expulsos e, muitas vezes, até mortos, pelo simples fato de terem vínculos familiares ou de amizade, com a comunidade de origem”. O objetivo seria expulsar a GDE do bairro e torná-lo território exclusivo para o CV.

Ainda segundo o relatório, o CV conta com mais de 30 homens armados na região. O principal chefe da facção seria Humberto Alves da Cruz, conhecido como Bichinho. Sua principal área de atuação é justamente o Yolanda de Queiroz. Contra ele, há mandado de prisão em aberto. Outro importante nome da facção no condomínio era André Barbosa do Amaral, conhecido como Del. Conforme as investigações, ele possuiria cinco apartamentos no Yolanda de Queiroz, mas denúncias apontam que ele detém, pelo menos, 30 unidades, frutos da expulsão de moradores. Del possuiria patrimônio incompatível com suas fontes de renda, conforme os policiais. Dono de uma bodega, ele teria veículos de luxo como um Corolla e uma Hilux. 

Divisão do Edson Queiroz entre facções conforme o DHPP
Foto: Reprodução/Policial Civil
Divisão do Edson Queiroz entre facções conforme o DHPP

 "As violências que sofremos não estão de quarentena", relata morador da comunidade do Dendê

“Del” foi preso em 4 de novembro por força de mandado de prisão por integrar organização criminosa e homicídio. Na ocasião, a Polícia Civil o relacionou a seis homicídios registrados em 2020. A operação que capturou Del ainda prendeu Claudenis Sousa de Oliveira, de 24 anos, e Francisco Marcos da Silva dos Santos Junior, de 21. No entanto, outros homens eram alvos dos policiais. "No condomínio Yolanda Queiroz, que é onde eles residem, existe um problema sério em relação à troca de apartamentos. Nas duas vezes que fizemos operação, só conseguimos encontrar [os três capturados], mas existiam outros alvos”, afirmou a delegada Mariana Diógenes, da 7ª DHPP.

Entre os crimes de que são acusados os integrantes do CV no bairro está o assassinato do adolescente André Ian de Sousa, de 15 anos. A morte dele teria sido ordenada por Del em decorrência da vítima ser sobrinho de um desafeto seu. O crime foi cometido no aniversário de Albertino Batista de Sousa Filho. O tio do adolescente ainda teria recebido uma mensagem de Del perguntando ironicamente se ele havia “gostado do presente”.

Outro crime que chocou os moradores do bairro foi o que vitimou José Maria Cavalcante de Sousa, de 56 anos. Ele foi morto após ser expulso do apartamento onde morava com a família no Yolanda de Queiroz. Conforme denúncia do Ministério Público Estadual (MPCE), o crime aconteceu após um integrante do CV inventar um relato de que a vítima repassava informações à GDE. Seu objetivo era tomar a residência. José Maria foi morto a tiros na oficina onde trabalhava. Ele deixou duas filhas pequenas. Confira relato de outros homicídios ocorridos na região mais abaixo.

SSPDS cita reestruturação da Inteligência para coibir conflitos

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) destacou a reestruturação da inteligência dos órgãos de segurança, promovida pelo secretário Sandro Caron, como medida que visa coibir conflito entre facções criminosas. "Os levantamentos de informações feitos por essas unidades subsidiam investigações realizadas pela Polícia Civil do Ceará (PCCE) com foco na resolução de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) e ajudam a direcionar o policiamento ostensivo feito pela PMCE".

A pasta ainda destacou que a Operação Apostos tem ocorrido semanalmente em pontos estrategicamente escolhidos. Além disso, a PM realiza ações baseadas em doutrinas do policiamento de proximidade e comunitário. O bairro Edson Queiroz conta com o Grupo de Segurança Comunitária (GSC), ressaltou a SSPDS. "A pasta destaca ainda que a presença permanente da Polícia nos territórios tem o objetivo de neutralizar a ação de grupos criminosos e construir uma relação de confiança junto aos moradores, uma vez que muitos dos crimes ocorrem em razão de disputas entre grupos criminosos".

Linha do tempo: a trama de nove execuções cometidas no intervalo de dez meses

Conflito entre facções resultou em, pelo menos, nove homicídios na região do Edson Queiroz de dezembro de 2019 a outubro de 2020

20 de dezembro de 2019
Vítima: Manoel Galdino dos Santos Neto, de 16 anos
Acusado: Wires Henrique Castro de Andrade
Situação Processual: Arquivado pela morte do acusado

Conforme denúncia do MPCE, Manoel foi morto com seis tiros, dos quais quatro foram disparados a curta distância. Ele estava em uma parada de ônibus com a namorada quando foi morto. A investigação descobriu que a vítima morava em local dominado pelo CV, a comunidade da Baixada. Porém, frequentava colégio, parada de ônibus e casas de parentes localizados em área da GDE. Por causa disso, já havia sido proibido pelos criminosos de frequentar o colégio, mesmo sem ter envolvimento com a criminalidade. "De fato, a investigação policial revelou que a vítima não possuía histórico criminal, de uso de drogas, desavença pessoal com o acusado ou problema relevante com qualquer outra pessoa". Wires, o acusado, viria a ser morto em setembro do ano seguinte. 

21 de dezembro de 2019
Vítima: Francisco Gleilson Alves da Silva, 21 anos
Acusados: Francisco Jefferson da Silva Gonçalves e Adriano Menezes Souza
Situação Processual: Denúncia aceita pela Justiça

Conforme a denúncia do MPCE, Francisco Gleilson foi morto por ser simpatizante da GDE e trabalhar em um lava-jato no bairro Sapiranga, dominado pelo CV. “Dessa forma, a vítima não poderia frequentar aquela região em que estava”, diz a denúncia. O relatório da Polícia Civil afirma que os executores do crime tinham como alvo outros dois amigos de Francisco Gleilson, que também trabalhavam no lava-jato. Em resposta à acusação, a defesa de Adriano afirmou que a denúncia do MPCE se baseia somente no depoimento de uma única testemunha "que não presenciou o fato, apenas ouviu dizer".

Entre eles estava Adilson Loiola de Sousa. Ele se dizia ex-integrante da GDE e que estava "na bênção", ou seja, havia abandonado o crime para seguir uma religião, o que costuma ser apontado como única motivação aceita para se deixar uma facção. Após o crime, ele voltou a integrar uma facção, mas, desta vez, o CV. Conforme a Polícia Civil, ele se tornou um dos principais executores da facção na região.

24 de Maio de 2020
Vítima: Andrey Ian de Sousa, de 15 anos
Acusados: André Barbosa do Amaral, Humberto Alves da Cruz, Thiago Ribeiro dos Santos e um adolescente
Situação Processual: Denúncia ofertada à Justiça

Conforme a denúncia do MPCE, o crime aconteceu por Andrey Ian ser sobrinho de Albertino Batista de Sousa Filho, que seria ligado à GDE. Além da rivalidade entre facções, Albertino e André mantinham uma rivalidade entre si — Albertino teria tido bens subtraídos por Del e este teria tido uma casa invadida por aquele. Ainda segundo a investigação, o adolescente foi executado no aniversário de Albertino. André ainda o teria “parabenizado” e perguntado "se (Albertino) havia gostado do presente". Andrey Ian não possuía qualquer tipo de envolvimento com a criminalidade.

8 de junho de 2020
Vítima: Antônio Giovanni da Silva Monteiro, de 22 anos
Situação Processual: Inquérito não encontrado

Conforme a Polícia Civil, Antônio Giovanni foi morto enquanto conversava com um grupo de amigos em uma calçada. Ele era morador do Yolanda de Queiroz e estava na rua do Comércio, área reivindicada pela GDE. A morte dele teria ocorrido, justamente, por essa proibição imposta por facções em transitar em territórios "rivais". “Foi, portanto, acusado de ser 'leva e traz' (informante), sendo executado por membros do CV da área onde morava”.

23 de julho de 2020
Vítima: Ítalo Ribeiro dos Santos, de 20 anos
Situação Processual: Inquérito não encontrado

Conforme a Polícia Civil, Ítalo seria membro da GDE. Ele, conforme investigações, foi morto por Thiago Ribeiro dos Santos e Adilson. Thiaguinho, como era conhecido, seria homem de confiança de André Barbosa do Amaral, o Del, sendo seu principal segurança.

27 de agosto de 2020
Vítima: Valério Lima da Silva, de 27 anos
Acusados: Wires Henrique Castro de Andrade
Situação Processual: Arquivado pela morte do indiciado

Conforme a Polícia Civil, Valério foi morto após se mudar para o Yolanda de Queiroz. Ele teria sido acusado pela GDE de repassar informações para o CV. A vítima foi “julgada” e executada por Wires Henrique Castro de Andrade, conhecido como General, suposto integrante da GDE. Ele viria a ser morto cinco dias depois. 

Morte de Wires Henrique foi celebrada no Facebook por membros do CV
Foto: Reprodução/Facebook
Morte de Wires Henrique foi celebrada no Facebook por membros do CV

1º de setembro de 2020
Vítima: Wires Henrique Castro de Andrade, de 18 anos
Acusados: André Barbosa do Amaral, Humberto Alves da Cruz, Thiago Ribeiro dos Santos e Adilson Loiola de Souza
Situação Processual: Denúncia ofertada à Justiça

Conforme o MPCE, em retaliação à morte de Valério, cerca de 15 homens ligados ao CV invadiram a comunidade do Dendê e assassinaram "General", como era conhecido Wires Henrique. Ele foi atingido por dois tiros disparados à distância. Chegou a ser levado para o hospital, mas não resistiu. Sua morte chegou a ser "celebrada" por rivais em postagens nas redes sociais. Em depoimento, André negou ser o autor do crime, afirmando que a vítima tinha "muitos inimigos".

26 de setembro de 2020
Vítima: Fabiano de Sousa Ribeiro, de 30 anos
Acusados: A ser esclarecido
Situação Processual: Em investigação

O crime ainda é investigado pela Polícia Civil, mas foi apurado que os assassinos de Fabiano são os mesmos de Antônio Giovanni da Silva Monteiro. A Polícia recebeu uma publicação do Facebook, que trazia a imagem da vítima, cuja legenda fazia alusão ao CV. Fabiano moraria em área da GDE.

3 de outubro de 2020
Vítima: José Maria Cavalcante de Sousa, de 56 anos
Acusados: Humberto Alves da Cruz, Claudenis Sousa de Oliveira, Francisco Angelo Pereira Cavalcante, André Barbosa do Amaral e Romario Costa da Silva
Situação Processual: Denúncia recebida pela Justiça

Conforme denúncia do MPCE, a vítima foi morta nas proximidades da oficina de marcenaria em que trabalhava. Dell, Romário e Angelo teriam chegado ao local e atirado diversas vezes. A investigação apontou que o crime ocorreu após os acusados, integrantes do CV, acreditarem que a vítima enviava informações para integrantes da GDE. Antes de ser executado, José Maria foi expulso de casa, junto com toda a família, por integrantes do CV. O relatório do DHPP diz que ele foi morto por descumprir a ordem da facção para que saísse do bairro — também a oficina onde trabalhava era área dominada pelo CV. A Polícia Civil ainda afirma que o relato de que José Maria repassava informações à GDE foi inventado por Claudenis. Este queria se apossar do apartamento da família. José Maria deixou duas filhas pequenas.

 

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