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MPF teme dano irreversível e quer a interrupção das obras no Cauípe
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MPF teme dano irreversível e quer a interrupção das obras no Cauípe

Ação Civil Pública pede à Justiça que dragagem e escavação na lagoa do Cauípe, realizadas pela Prefeitura de Caucaia, sejam paralisadas imediatamente. 10ª Vara Federal analisa o caso.
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 24.03.2022: Lagoa do Cauípe passa por intervenções de requalificação da Prefeitura de Caucaia (Foto:Thais Mesquita/OPOVO) (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita FORTALEZA, CE, BRASIL, 24.03.2022: Lagoa do Cauípe passa por intervenções de requalificação da Prefeitura de Caucaia (Foto:Thais Mesquita/OPOVO)

A profundidade já chegou a ser de cinco metros em alguns pontos, mas hoje a lagoa do Cauípe, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza,  está num raso desolador. Dá para se caminhar por onde era o meio do espelho d'água. O rio que leva o mesmo nome e alimenta o manancial está com o leito desviado e a parede da lagoa, próxima ao mar, foi aberta. Por isso o esvaziamento repentino. Em vez de banhistas e kitesurfistas costumeiros do local, o vaivém na manhã desta quinta-feira, 24, era de caçambas (pelo menos oito), recarregadas em sequência, a cada três minutos, por uma pá escavadeira. Bem próximo, um trator remexia o fundo do rio e de um trecho da lagoa com resto de água. Desde dezembro, a terra extraída é despejada sobre a vegetação de restinga a sudeste, já encobrindo uma área bastante extensa. A paisagem natural está desfigurada. "Está sendo de domingo a domingo. A gente tá jogando (a areia) onde eles mandam, até lá embaixo", disse um dos caminhoneiros, apontando para a frente, onde outras caçambas circulavam em fila.

Na última segunda-feira, 21, o Ministério Público Federal deu entrada com uma Ação Civil Pública junto à Justiça Federal para suspender e paralisar os trabalhos. O pedido do MPF seguiu com uma tarja amarela de “urgente”. O órgão quer a “interrupção definitiva e reparação integral do dano ambiental". A obra é tocada pela Prefeitura Municipal de Caucaia, anunciada como um projeto de "desassoreamento e dragagem" da lagoa. A proposta descrita pela gestão local é para um “reordenamento” da área. O caso está sob análise da 10ª Vara Federal desde quarta-feira, mas não há prazo para uma decisão.

Entre os argumentos expostos, o Ministério Público diz que o projeto é realizado dentro de uma área de preservação ambiental - APA do Lagamar do Cauípe, existente desde 1998 -, que não teriam sido apresentados estudo prévio nem relatório de impacto ambiental (EIA-Rima). A lagoa é inserida dentro de território indígena e o MPF também aponta que não houve consulta aos representantes da aldeia dos anacés. "Há o risco de (o dano) se tornar irreversível", afirmou ao O POVO o procurador Fernando Negreiros, autor da ação. “Enviamos ofício à Prefeitura e aos órgãos ambientais. No nosso entendimento há o dano, mas precisará evidentemente de perícia. Mas essa obra deveria ter sido paralisada administrativamente”.

O MP Federal se referenciou no parecer técnico-científico assinado pela geógrafa Vanda Claudino Sales (pós-doutora em Geomorfologia Costeira), pelo advogado João Alfredo Telles (doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente, presidente da comissão de Direito Ambiental da OAB-CE) e a bióloga Liana Queiroz (doutora em Ciências Marinhas Tropicais). Os ambientalistas estiveram no local no início de janeiro, quando a execução da obra ainda estava na fase inicial. “O conselho gestor da APA não foi ouvido”, denuncia Weibe Tapeba, vereador em Caucaia e presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal local.

"Rio onde o grande espírito caminha"

Paulo Anacé: Cauípe significa
Paulo Anacé: Cauípe significa (Foto: Thais Mesquita)

“Cauípe, na língua dos tapuias, quer dizer ‘rio onde o grande espírito caminha’. Então, além disso tudo que está acontecendo aqui, esse é um local sagrado para nós”, disse Paulo Anacé, um dos líderes da aldeia. Em vídeos divulgados pela prefeitura, a promessa é de que a obra beneficiará visitantes, esportistas e barraqueiros. Num desses vídeos, barraqueiros se declaram favoráveis ao projeto. “Os barraqueiros que estavam apoiando a obra já não estão mais. Eles começaram apoiando, mas mudaram de opinião. Estão todas fechadas”, apontou Roberto Anacé. O POVO não teve contato com proprietários das barracas na margem da lagoa. Na manhã desta quinta-feira, nenhuma funcionava.

“O que vemos aqui hoje é mais que uma destruição ao meio ambiente, mas a toda a nossa história e à nossa mãe terra. É duro você ver onde nasceu, onde você tem o seu sangue, do seu povo, ser destruído pela ganância e a força da especulação imobiliária dos grandes empresários”, falava Paulo, em pé no meio da lagoa seca, enquanto a escavadeira enchia outra caçamba à sua frente. “A etnia Anacé, que já obteve o processo de demarcação de seu território, tem no Lagamar do Cauípe uma de suas fontes cruciais de sustento hídrico, e ocupa uma área considerável, sendo que em nenhum momento as lideranças e demais membros, Funai e Ibama foram consultados acerca do empreendimento que vem sendo realizado”, diz trecho da ação do MPF.

Peixes sumiram

Pescadores dizem que não encontram mais peixes na lagoa do Cauípe
Pescadores dizem que não encontram mais peixes na lagoa do Cauípe (Foto: Thais Mesquita)

Acostumados à pesca farta no local, todos com mais de 30 anos na atividade, Flávio Duarte (52), Francisco da Silva (49) e José Alberto Santos (55) haviam chegado à lagoa por volta das sete da manhã desta quinta-feira. Três horas depois, estavam indo embora quase sem nada. “Peguei dois siris e um bagre”, disse Francisco. Sempre saíam com os urús (cestos de palha) cheios de carás, tucunarés, siris, saúnas grandes. Nas tarrafadas recentes, depois do início da obra, os peixes sumiram. “Acabou-se tudo. Tem mais nada”, confirmou Flávio. “A gente vem de longe, não adianta mais”, lamentou Alberto.

ERRAMOS: A área dos Anacés está em processo de demarcação, e não como foi publicado na primeira versão da matéria.

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