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Empresário vai quatro vezes por ano ao túmulo do pai, morto em acidente da Vasp
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Empresário vai quatro vezes por ano ao túmulo do pai, morto em acidente da Vasp

| Tragédia da Aratanha | Desastre com avião da Vasp, no Ceará, completa 40 anos hoje. Acidente ainda marca a vida do empresário Alexandre de Sousa, 50, que riscou Pacatuba de seus roteiros
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LUÍSAlexandre de Menezes e Sousa, 50. Empresário perdeu o pai, Luiz Luciano Acyoli, no desastre com o boeing 727-200, da Vasp, no Ceará. Acidente aconteceu em 8/6/1982 (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves LUÍSAlexandre de Menezes e Sousa, 50. Empresário perdeu o pai, Luiz Luciano Acyoli, no desastre com o boeing 727-200, da Vasp, no Ceará. Acidente aconteceu em 8/6/1982

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Quarenta anos depois da queda do boeing da Vasp na serra da Aratanha, no Ceará, o empresário Luís Alexandre de Menezes e Sousa, 50, não consegue voltar a Pacatuba. O município virou lugar das memórias da tragédia que matou todos os 137 ocupantes do voo 168, nas primeiras horas de 8 de junho de 1982. Entre as vítimas desaparecidas no acidente, porque os corpos se desintegraram com o choque contra a montanha e a floresta, estava o pai de Alexandre – o representante comercial Luiz Luciano Acyoli, 45.

Alexandre Sousa foi o primeiro personagem convidado pela produção do filme “Voo 168 – a tragédia da Aratanha”, do OP+, para costurar um dos três eixos narrativos do longa-metragem sobre o maior desastre aéreo do Brasil ocorrido, até então, na década de oitenta.

O encontro com Alexandre e a equipe do documentário se deu por destino e acaso. Era 2 de novembro de 2021, Dia de Finados, e colhíamos imagens do túmulo coletivo onde estão os restos mortais dos falecidos no desastre da Vasp. O empresário curtia um silêncio solitário em frente à lápide mais famosa do cemitério Parque da Paz, em Fortaleza.

- Bom dia, com licença, sou repórter do O POVO.
- Bom dia, pois não.
- O senhor tem algum parente nesse túmulo?
- Meu pai, Luiz Luciano Acyoli.
- Vem sempre aqui, visitá-lo?
- Quatro vezes no ano venho conversar com ele. Dia de Finados, Natal, Dia dos Pais e o dia do acidente...

Alexandre Sousa tinha dez anos de idade quando a rotina do casarão da família, esquadrinhado em uma das esquinas da rua Torres Câmara, no bairro Aldeota, virou de ponta-cabeça. Mais novo entre cinco irmãos e uma irmã, a imagem do alvoroço na manhã do acidente ainda faz rodar lembranças.

“Papai tinha ido para São Paulo a negócios, era representante comercial de material para piscina e irrigação. Antes de viajar me perguntou o que eu queria de presente, pedi um kichute. E esse sapato nunca chegou, né! Anos depois, já adulto e casado, ganhei um e o guardei por muito tempo”, conta o filho de Lúcia Helena de Menezes e Sousa, 77 anos.

 

A mãe de Alexandre, Maria Helena, virou uma das lideranças do grupo de familiares que perdeu parentes no acidente. Precisavam de informações sobre os corpos

 

A orientação na casa, recorda Alexandre, era poupá-lo por causa da pouca idade. Mas não havia como, o ambiente foi tomado por uma expectativa de que o pai não estivesse no voo 168 da Vasp. Além disso, lembra o empresário, as rádios, as tvs e os jornais do Brasil “só falavam no sinistro do boeing 727-200 da Aratanha”.

A mãe de Alexandre, Maria Helena, virou uma das lideranças do grupo de familiares que perdeu parentes no acidente. Precisavam de informações sobre os corpos e, depois, de cobertura financeira da Vasp para tocar a vida. Pessoas que, de repente, amanheceram viúvas, viúvos, órfãos de pai e mãe. Gente que não teve nem a chance de velar por filhos, tios, irmãos e amigos mortos na tragédia.

Alexandre Sousa cresceu, sofreu com os irmãos e a mãe, viu a história se desdobrar por anos na Justiça e chegou a pichar nos muros de Fortaleza a frase “Viação Aérea Serra da Pacatuba”. Uma revolta, em forma de trocadilho, contra a sigla da Viação Aérea São Paulo (Vasp) que lhe “tirou o pai”.

 

Conversei com o meu cardiologista e ele não acha prudente eu ir (para a serra da Aratanha). Nem a psicóloga

 

“Ainda hoje vou à psicóloga. Por isso volto ao cemitério, mando limpar o túmulo por causa de meu pai e dos outros que estão lá também”, revela Alexandre Sousa.

O empresário foi convidado para conduzir o fio narrativo do ponto de vista dos familiares das vítimas. A primeira proposta era Alexandre subir a trilha, na serra da Aratanha, até o local do acidente.
Puxaria por memórias do menino de 10 anos e os 40 anos até aqui. Em 1982, ele recorda ter ido à delegacia de Pacatuba, com a mãe. “Vaga lembrança”. Depois disso, nunca mais quis voltar à cidade onde o pai desapareceu na serra da Aratanha.

“Oi, Demitri, boa noite. É o Alexandre Sousa, eu até dei uma ligadinha para você, mas acredito que esteja ocupado. Para te dar um retorno. Conversei com o meu cardiologista e ele não acha prudente eu ir (para a serra da Aratanha). Nem a psicóloga. Estou ao inteiro dispor pra qualquer outra conversa. Forte abraço, beijo no coração e felicidade”, desculpou-se Alexandre, em novembro do ano passado, a impossibilidade de fazer a trilha por causa de problemas cardíacos e emocionais.

Por último, este mês, Alexandre Sousa fez uma cirurgia para colocar duas pontes mamárias. O lado esquerdo do coração, segundo o empresário, estava com 70% comprometido. “Com a graça de Deus já estou bem e, amanhã (hoje, dia 8/6), vou ao cemitério falar com papai. O médico já liberou”, contou o filho caçula de Luciano Acyoli.

 


Documentário “Voo 168 – a tragédia da Aratanha” traz três perspectivas

 

O filme “Voo 168 – a tragédia da Aratanha” é o primeiro longa-metragem da plataforma de streaming O POVO + (OP+). O empresário Alexandre Sousa é um dos personagens que conta a história dos bastidores das famílias que perderam parentes no acidente da Vasp, em 1982, no Ceará. Depoimentos dos minutos, dias e anos depois do desastre aéreo que matou 137 pessoas na queda do boeing 727-200, em Pacatuba.

O documentário traz ainda mais dois eixos narrativos. O da perspectiva sobre a cobertura jornalística da época com depoimentos de repórteres, cinegrafistas e editores do O POVO, Diário do Nordeste e da TV Ceará. Emissora que cedeu arquivos históricos de imagens do local do acidente, gravadas logo após a queda da aeronave.

O terceiro eixo do roteiro conta a história do ponto de vista de quem trabalhou no resgate dos restos mortais dos 128 passageiros e 9 tripulantes do avião destruído. Memórias conduzidas e refeitas, por exemplo, pelo capitão aposentado Manoel Barbosa Gomes, 65. Hoje, militar da reserva do Corpo de Bombeiros do Ceará.



AS CAUSAS DO ACIDENTE DO 727-200, DA VASP, NO CEARÁ

Conclusão: Segundo o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes (Cenipa), o fator humano contribuiu para o acidente com o boeing 727-200, da Vasp, e a morte de 137 pessoas

- Durante a descida, o comandante Fernando Vieira “concentra sua atenção na cidade iluminada, desligando-se de outros impulsos sensoriais, tais como observação da distância e a da altitude”

Fator material: não contribuiu

Fator operacional: Para o Cenipa, contribuiu porque:

- Houve deficiente planejamento para a descida do avião

- Não houve observância das regras de tráfego aéreo

- Não houve cumprimento das instruções do controle

- Não foi observada a altitude mínima de segurança e não se manteve a velocidade prevista para um voo em terminal abaixo de 10 mil pés. “Consubstanciando-se, portanto, grave indisciplina de voo”

- Falta de disciplina de cabine

- Não cumprimento de normas operacionais da empresa (Vasp)
Procedência do 727-200: O avião vinha do Rio de janeiro-Fortaleza a uma altura de 33 mil pés (acima de 10 mil metros)

- Fez contato com a torre quando estava há 140 milhas de Fortaleza, solicitando autorização o para iniciar o "procedimento de descida”

Condições meteorológicas: Segundo o Cenipa, o aeroporto Pinto Martins operava em condição excelente:

- Condições visuais, com vento normal

- Visibilidade acima de 10 quilômetros, com metade do céu encoberto, nuvens a uma distância de 600 metros de altura e uma camada de nuvens a cerca de seis mil metros e temperatura de 24 graus

Local do acidente: Serra da Aratanha entre os sítios Boaçu e Boa Vista, no município de Pacatuba, no Ceará

Data: 8/6/1982

Mortos: 137 pessoas. Todos os 128 passageiros e 9 tripulantes. Entre as vítimas estava o empresário Edson Queiroz, dono do Sistema Verdes Mares, da Universidade de Fortaleza (Unifor) e da distribuidora Butano de gás

Aeronave: Boeing 727-200, da Vasp, prefixo PP-SKR, primeiro voo em 1977

Pilotos: Comandante Fernando Antônio Vieira de Paiva, 43, e Carlos Roberto Duarte Barbosa, 28, co-piloto

Documentário: O longa-metragem “Voo 168 – a tragédia da Aratanha”, do O POVO Mais, conta a história do acidente. Direção de Demitri Túlio, Arthur Gadelha e Cinthia Medeiros.


Fonte: Jornal O POVO, Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes (Cenipa)

 

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