Um copo meio cheio, mas também meio vazio. A expressão popular pode traduzir a realidade exposta pelos dados do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) 2022. A avaliação, aplicada aos alunos do 2º, 5º e 9º anos do ensino fundamental, em português e matemática, mostra que o Ceará conseguiu sucesso na recomposição da aprendizagem após o impacto da Covid-19. Os dados, porém, reforçam também a lacuna histórica do ensino de matemática e acende o alerta para os alunos que se alfabetizaram em meio à pandemia.
No início de 2022, a Secretaria da Educação (Seduc) realizou avaliação diagnóstica dos alunos, nos moldes do Spaece, para saber o nível de aprendizado após dois anos de pandemia e aulas online. O resultado foi de queda vertiginosa nas médias, em todas as séries e matérias, com desempenhos que não se via há anos no Estado. Diante do cenário, a Seduc iniciou o Programa de Aprendizagem na Idade Certa (Mais Paic), focado em melhorar os níveis de aprendizagem. E houve resultado.
A aplicação oficial do Sistema, em outubro de 2022, definiu cinco níveis de proficiência na alfabetização (para o 2º ano) e na língua portuguesa e matemática (para 5º e 9º anos), atribuindo médias que vão desde muito crítico à adequado. Participaram quase 294 mil estudantes, de 3.840 escolas, dos 184 municípios cearenses. Após meses da dedicação de gestores, docentes e alunos, as médias melhoraram, voltando àquelas registradas antes da pandemia - ou ficando bem próximas.
"Houve um investimento forte, com material dedicado às crianças, junto aos municípios. Houve um investimento de R$ 130 milhões, em equipamentos, gravação de aulas e formação de professores. Foi um conjunto de ações, feitas por muitas mãos", destacou a secretária da Educação do Ceará, Eliana Estrela. Para se ter uma ideia, a média de alfabetização no 2º ano era de 210 em 2019, passou para 116 no início de 2022 e subiu para 192 em outubro. Pelo menos desde 2007 o Estado não atingia uma média tão baixa.
É exatamente na alfabetização, carro-chefe das políticas públicas de educação no Ceará, que deve haver mais atenção. Para o o gerente de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Ivan Gontijo, o alerta se deve à queda da média (de 210 para 192). "No 5º ano, a nota de português foi a mesma de 2019, que são os alunos do 3º ano que já tinham concluído o processo de alfabetização. Os que ainda não concluíram, que estavam no 2º ano em 2021, poderão ser os mais prejudicados", detalha. De modo geral, Ivan destaca que é preciso reconhecer o processo de recomposição de aprendizagem desenvolvido no Estado.
Os resultados do Spaece definem ainda as Escolas Nota 10, que devem ter pontuação de 8,5 e 10 na prova do 2º ano e de 7,5 a 10 nos 5º e 9º anos, além de ter, no momento da prova, pelo menos 20 alunos matriculados na série e avaliados e 90% de participação dos estudantes. Obtiveram esses resultados: 556 escolas de 115 cidades (2º ano), 365 escolas de 101 municípios (5º ano) e 74 escolas de 27 cidades (9º ano). Há ainda premiação para 374 instituições.
Fortaleza, que teve 600 unidades escolares avaliadas, não teve nenhuma inserida entre as Escolas Nota 10. De acordo com dados da Secretaria Municipal da Educação (SME), a proficiência em português dos alunos matriculados no 2º ano foi de 164 pontos em 2022, contra os 202 registrados em 2019. "Vamos seguir trabalhando, com políticas estruturadas e focadas na alfabetização na idade certa das nossas crianças, a partir de estratégias que passam pela expansão do tempo integral, por investimento em avaliação, formação de professores e material estruturado próprio para o ciclo de alfabetização da rede", destaca", afirmou o secretário adjunto da Educação, Jefferson Maia. (Colaborou Bia Freitas/Especial para O POVO).
Operações básicas são gargalos no ensino fundamental
Somar, diminuir, multiplicar e dividir. As operações básicas da matemática ainda são obstáculos para que os índices do Spaece sejam melhores, principalmente no 9º ano. Se considerarmos o desempenho por município, dos 184 do Ceará, apenas 12 têm nível adequado. São 125 cidades com nível crítico e 47 intermediário. Essa realidade é demonstrada ao longo dos anos e, no diagnóstico do início de 2022, seis escolas estavam com nível crítico, resultado que só tinha sido visto em 2015.
"A maior dificuldade é a matemática básica. Muitos alunos chegam no 9º ano e até no ensino médio sem saber as quatro operações", afirma o professor de matemática da rede estadual, César Augusto Bernardo de Freitas. A estratégia é, já no início do ano letivo, identificar as maiores dificuldades, fazer palestras sobre a história da matemática, instigar a curiosidade, lançar mão de jogos e desafios. "Aí fazemos um caderno de resolução de questões e, na avaliação, mostramos o passo a passo das resoluções, individualmente", conta o professor.
O ensino da matemática precisa ser sequencial, onde as operações básicas são fundamentais para a evolução da resolução dos problemas mais complicados, como as equações. César exemplifica: "uma matéria que vemos no 9º ano é a potenciação, que é a recessão de fatores, que é a multiplicação. Muitos acham que 2³ é a base multiplicada pelo expoente. A dificuldade começa aí, pelo entendimento". As estratégias utilizadas pelo professor incluem ainda professores de outras matérias, como química e física, que também utilizam as operações básicas da matemática.
O gerente de políticas públicas do Todos Pela Educação, Ivan Gontijo, avalia essa necessidade do conhecimento sequencial da matemática. "Se olharmos, no 5º ano a média foi 237 pontos, colocando o Ceará no nível intermediário. No 9º ano a pontuação é de 261, que é crítico. Isso demonstra esse vínculo", avalia. Ele pondera ainda que no 5º ano ainda há um mesmo professor para diferentes matérias, o que pode estreitar as relações e conhecimentos entre professores e alunos, enquanto que no 9º ano já é um sistema de pluridocência, muitos professores, menos tempo em sala. "E você acaba tendo uma inadequação também, professores que não são formados em Matemática", frisa.
O que é
O Spaece é uma ferramenta que embasa ações do Programa de Aprendizagem na Idade Certa (Mais Paic), desenvolvido pelo Governo do Ceará em regime de colaboração com todos os municípios cearenses desde 2007