A população que se autodeclara preta no Brasil aumentou na última década. Entre 2012 e 2022, percentual passou de 7,4% para 10,6%. No Ceará, taxa foi de 2,9% para 6,8% no período. Número absoluto foi de 253 em 2012 e de 636 em 2022. Ou seja, mais do que dobrou. A mudança é observada em todos os estados. Para pesquisadores, mudança está relacionada a políticas afirmativas e valorativas.
Por outro lado, a parcela de pessoas que se identifica como branca diminuiu. Dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua: Características gerais dos domicílios e dos moradores (2022), divulgada neste mês.
Entre as regiões brasileiras, o Nordeste apresentou o maior aumento na parcela da população que se autodeclara preta: saiu de 8,7% para 13,4% entre 2012 e 2022. Em apenas três estados o número de pessoas que se autodeclaram branca aumentou: Amapá, Alagoas e Pernambuco.
Para Hilário Ferreira, graduado em Ciências Sociais, mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor da Faculdade Ateneu, essas mudanças são resultado da luta do movimento negro desde a sua criação e que tem o seu ponto máximo com as políticas de ação afirmativa. Ele cita a lei nº 10.639, de 2003, que instaura no currículo de escolas e universidades a obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira e das relações étnicos-raciais.
Arilson dos Santos Gomes, doutor em História e professor adjunto da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), fala da Lei de Cotas (nº 12.711/12) e, a nível internacional, a Conferência Internacional de Durban (Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância promovida pela ONU em 2001).
Para Arilson, que integra o Serviço de Promoção da Igualdade Racial (Sepir) da Unilab e a Coordenação do Fórum de Ações Afirmativas e da Educação das Relações Étnico-Raciais do Ensino Superior do Estado do Ceará, "essas políticas de afirmação racial e combate ao racismo vão fazendo com que as pessoas se reconheçam e se sintam mais à vontade de se afirmar".
"Todo esse elemento positivo de políticas com a finalidade de acabar o racismo, que não é algo fácil, possibilitou a uma nova geração o orgulho de ser negra. Algo que mina a própria estrutura política e ideológica do racismo, que é fazer com que a maioria da população se sinta inferior", corrobora Hilário Ferreira, que ministra o curso "Morenização da população cearense: o lugar do pardo no Ceará", onde promove discussões sobre o apagamento do povo negro no Ceará.
A mudança também passa pela população que se declara parda. Conforme o professor da Unilab, a população parda tem dificuldade de se identificar como negra. "Existe pardo negro, que tem fenótipo negróide e existe uma pessoa que se diz parda mas não necessariamente carrega os fenótipos negróides. Tem uma questão de letramento racial que não é fácil. Depende de como a pessoa se auto intitula, mas também, de como a sociedade vê essa pessoa, como ela vê o seu fenótipo", discute.
Arilson dos Santos Gomes, doutor em História e professor adjunto da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), destaca que quando se fala de políticas públicas, como a inserção no ensino superior ou no mercado de trabalho por meio de cotas, "muitas pessoas acabam não compreendendo que essas politicas foram realizadas para pessoas negras, ou seja, pretas e pardas". "Este pardo que se aproxima no negro tem um fenótipo", diferencia.
Ele frisa que algumas pessoas que não tem esse fenótipo se dizem pardas para se beneficiar por uma política, mas elas não sofreram racismo por conta do seu fenótipo. "Em que pese elas serem miscigenadas, elas não sofreram discriminação racial por conta da sua pele. A cota em si é para quem sofre racismo. Existem pardos que são discriminados racialmente", explica.
Para ambos os pesquisadores, esta é uma questão complexa. "Se nós observarmos nos anos 80 (1980),você não tem nenhum branco se auto-intitulando pardo. O termo pardo se limitava aos povos indígenas e também a população negra de pele clara ou negros que não querem assumir por causa do racismo a sua identidade social racializada", ensina Hilário Ferreira, graduado em Ciências Sociais e mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
O pesquisador destaca que muitos brancos se auto-intitulam pardos para ocupar os espaços das cotas que pertencem à população negra.
Nesse cenário, Arilson frisa a importância da heteroidentificação, que é a identificação de terceiros da autodeclaração. "Uma maneira de evitar que pessoas que não reconhecem o letramento racial acabem indo para uma política pública de maneira equivocada. Negro é a pessoa preta e parda com traços negróides. Cabelo, pele, lábios, nariz, que formam a característica negroide", ensina.