O pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio ou de agressão a mulheres. Com isso, as defesas não poderão mais sustentar que os crimes foram motivados por condutas que ofenderam a honra do agressor, como em casos de traição. Júris que tiverem o argumento utilizado poderão ser anulados.
A decisão ocorreu nesta terça-feira, 1º, na primeira sessão plenária do STF no segundo semestre. Agora, o entendimento do Supremo é de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional “por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF)”.
O STF já tinha maioria para invalidar o argumento, mas ainda faltavam os votos das ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia. Ambas votaram favoráveis à procedência integral do pedido, fazendo com que a decisão fosse unânime. Cármen Lúcia disse que o Supremo está retirando do ordenamento jurídico uma tese que aceita a morte de mulheres sem qualquer punição. "Nós estamos falando de dignidade humana, de uma sociedade que ainda é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são, mulheres, donas de suas vidas", afirmou.
Já a presidente do STF Rosa Weber afirmou “não há espaço para a restauração dos costumes medievais e desumanos do passado pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso em defesa da ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina pela qual se legitima a eliminação da vida de mulheres”.
O caso foi a julgamento em 2021 a partir de uma ação protocolada pelo PDT. Em março daquele ano, o STF, em decisão de caráter liminar, já havia suspendido o uso do argumento. Na ocasião, O POVO repercutiu os impactos da decisão, citando casos no Ceará onde o argumento havia sido utilizado.
Um deles foi o caso de Francisco de Assis Feitosa, que, mesmo confessando ter matado a então companheira Joana Duarte da Silva, argumentou ter esfaqueado-a após "perder os sentidos" quando ela disse que poderia traí-lo se quisesse — o caso ocorreu em 2008, em Farias Brito (Cariri Cearense). O argumento prevaleceu e ele foi absolvido em primeira instância, mas, após recurso, o Tribunal de Justiça do Estado (TJCE) determinou que novo julgamento deveria ser feito. Ainda não há data para o novo júri.
A decisão do Supremo possui repercussão geral e terá impacto em 79 processos sobre a mesma questão no país. Para a advogada Rose Marques, integrante do Fórum Cearense de Mulheres (FCM), a da legítima defesa da honra já não deveria ser usada nos casos de feminicídio, por isso, a sensação é de que foi preciso “defender e repetir o óbvio”.
Ela destaca que a legítima defesa da honra já não figurava como causa para diminuição da pena desde que o atual Código Penal passou a vigorar, em 1940. Entretanto, o argumento continuou a ser usado por advogados, sobretudo, em casos de Júri Popular, em que o julgamento não é feito por um juiz e sim por sete pessoas do povo.
“A tese não é usada como um dispositivo legal, mas como uma artimanha para dominar a opinião daqueles jurados”, diz Marques. “É uma tentativa de destruição da memória da mulher. Essa mulher que morreu não está lá para se defender, para dizer o contrário. É violador também nesse sentido” (Com informações da Agência Brasil).