Passadas mais de 72 horas, o pai réu por estupro do próprio filho, um menino de seis anos de idade, não cumpriu a ordem judicial, para que repassasse a criança à avó materna, que assumiria o posto de tutora provisória até o julgamento final do processo. Nessa segunda-feira, 23, a defesa do homem alegou que “a avó materna não pode figurar como tutora da criança” e, numa nova estratégia adotada, passou a enumerar supostas situações de maus-tratos ou até forjadas que teriam sido praticadas desta vez pela mãe contra o garoto. A advogada da mãe afirma que o lado paterno “quer criar uma fumaça sobre suas acusações e adiar os direitos da criança de estar protegida”. O caso parece rumar publicamente para uma guerra de versões.
Os advogados do pai informaram que a decisão que determinou a entrega da criança, emitida pela 12ª Vara Criminal de Fortaleza na última sexta-feira, 20, “foi suspensa com a apresentação dos embargos de declaração” - recurso que pede esclarecimentos com base em possível omissão, contradição ou obscuridade da decisão anterior. Segundo o advogado Bruno Queiroz, representante do pai, “foi anexado vídeo em que a genitora agride a criança na presença da avó, que foi omissa. Foram anexadas conversas de WhatsApp com ata notarial em que mãe confessa agressões contra o filho tendo deixado sua mão inchada. Foi anexado prontuário em que médica declara que a genitora forçou a internação da criança sem necessidade e pedia para bater fotos que foram publicadas nas redes sociais. Constam vídeos com relatos do menor sobre maus-tratos da genitora”. Informam que esses conteúdos constam no processo.
A advogada Ana Paula Brito, que faz a defesa da mãe, respondeu que “o pai e seus advogados, claramente, querem tumultuar o processo de estupro, maus-tratos e alienação parental em que genitor é réu. E querem impedir o direito da criança de ficar resguardada e protegida com a avó materna. Trazem acusações inverídicas e até mesmo maldosas contra a mãe da criança. Quero esclarecer que minha cliente não tem qualquer processo criminal contra ela, e que por outro lado, existe denúncia recebida com indícios de fortes de materialidade e risco à integridade física, emocional e até mesmo a vida da criança se ela permanecer com o genitor”. A parte da mãe aponta que várias descrições da criança, em áudios e vídeos, indicam situações de abuso sexual por parte do pai.
Até então, os representantes do pai, que é coronel reformado da Polícia Militar do Ceará (PMCE), vinham se manifestando apenas em notas que negavam a acusação de estupro e sem apontar a mãe, advogada, como “agressora”. O POVO questionou à defesa do pai se o menino estava em Fortaleza e se um casal teria sido indicado para substituir a avó materna na tutela provisória. “O pai sequer foi notificado da decisão anterior. Agora vamos aguardar nova decisão. Sobre os demais pontos não iremos nos manifestar pois o processo é sigiloso”, afirmou Queiroz.
Desde sexta-feira, oficiais de justiça tentaram localizar o pai e o menino em pelo menos dois endereços informados nos autos do processo. Num deles, no bairro Dionísio Torres, funcionários e o síndico do condomínio não teriam permitido a entrada para possível entrega da comunicação judicial. Num deles, o oficial chegou a pedir o arrombamento e força policial. O pai também não teria respondido a mensagens e ligações telefônicas.
“Eles não estão respeitando segredo de justiça e nem mesmo estão tendo cuidado com o menor. Trazem informações falsas para os jornais. Isso sim é preocupante. Por que ele ainda não foi encontrado em lugar nenhum? Por que os endereços que indica para a Justiça e telefone não se acham o pai e a criança. É visível que se trata de manobra jurídica”, rebateu Ana Paula Brito. “Não sabemos se está estudando, se está vivo”.
Do lado contrário, o argumento é parecido com o do advogado Leandro Vasques, que também atua pelo lado do pai: “O presente caso é um clássico exemplo entre pessoas recém-separadas, onde após a ruína da relação conjugal, um dos cônjuges (no caso, a genitora) apela para acusações pinoquianas e rasteiras de abuso sexual, buscando tisnar a honra do ex-cônjuge, ocupando a polícia e o Poder Judiciário com acusações totalmente infundadas, o que demanda um filtro de serenidade e parcimônia por parte das autoridades judiciais”.
A 12ª Vara Criminal é a mesma onde o pai responde ao processo por suposto estupro do filho. A mãe completou 109 dias nessa segunda-feira sem receber informações da criança. O menino estava sob guarda alternada até o pai ser denunciado por estupro da própria criança - denúncia acolhida em agosto último, depois acrescida de medida protetiva para que o pai não pudesse estar com o garoto. A mãe havia ido morar em Parnamirim (RN), em junho, onde obteve uma decisão judicial que lhe garantia a guarda. Em 4 de outubro, a 3ª Vara da Família de Fortaleza assegurou a guarda à mãe. Mas, no dia 9 de outubro, nova ordem, do desembargador Carlos Augusto Gomes Correia, em caráter liminar, revogou a decisão da 3ª Vara de Família.
O caso ganhou repercussão nacional no meio jurídico. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai apurar se houve favorecimento ao pai nas decisões, por ele ter parentesco com membros do Judiciário local. A Corregedoria Geral do Poder Judiciário local também abriu procedimento sobre o caso. As ações correm em segredo de justiça e os nomes não podem ser publicados, em obediência ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que veda essa divulgação.
Na próxima quarta-feira, a decisão monocrática do desembargador Carlos Augusto Correia, será avaliada em colegiado pela 1ª Câmara de Direito Privado e pode reaver a guarda do menino para a mãe. Nesta segunda, o Ministério Público Estadual informou em nota ter pedido busca e apreensão imediata da criança, “já havia solicitado busca e apreensão da criança em outros momentos do processo, assim como já solicitou à Justiça celeridade na tramitação e julgamento do caso”.