O caso do menino em Fortaleza que estava sob a guarda do pai, réu por estupro da própria criança, teve um novo revés. Desta vez, por ordem da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Parnamirim, no Rio Grande do Norte, anunciada na última segunda-feira, 18, o garoto passou novamente a estar sob a guarda exclusiva da mãe. Situação que já havia acontecido, em 2021, dentro de todo o embaraço jurídico, que se estende há cinco anos, para definir quem deve cuidar da criança.
Agora é o pai, coronel reformado da Polícia Militar do Ceará, que não pode mais visitar o garoto, como havia acontecido com a mãe, advogada. A guarda paterna foi suspensa. Ele está impedido inclusive de contatos não presenciais, por ligações ou troca de mensagens em áudio e vídeo.
Ainda havia medida protetiva ao garoto em desfavor do pai, no processo pelo suposto estupro. De julho a outubro deste ano, era ele que detinha a guarda unilateral e a mãe não podia estar com o menino.
"Foi a primeira vez em cinco anos que consegui dormir em paz", afirmou a mãe ao O POVO. O filho está com ela desde terça, 19. Para se preservar de algum novo dano jurídico, ela não quis comentar outros pontos do novo momento do processo.
A medida judicial teria estabelecido até segredo de moradia para ela e a criança, segundo a advogada Ana Paula Graça, que representa a mãe. Todos os nomes são preservados por envolver menor de idade.
A nova mudança de teto para a criança se deu no dia 13 deste mês, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o conflito de competência. Na mesma data, o garoto completou sete anos de idade. A Côrte em Brasília definiu que a Vara de Parnamirim seria a competente para julgar sobre a guarda. Anteriormente, tanto os juízos de Fortaleza como o de Parnamirim haviam declinado do caso pelo nível das divergências.
A disputa não parou. Segue movimentada em diversas ações cíveis e criminais em Fortaleza - 3ª Vara de Família, 9ª e 12ª Criminais, 20º Juizado Especial - e em Parnamirim, esta especificamente quanto à guarda.
Desde que o casal se separou, em dezembro de 2018, o garoto já esteve abrigado em guardas compartilhada, alternada, exclusiva de pai ou mãe (com ou sem visita assistida) e até sob os cuidados de terceiros não familiares. A medida mais recente, de 20 de outubro deste ano, era de tutela para a avó materna, definida pela 12ª Criminal.
Em 2021, a mãe havia se mudado do Ceará para o Rio Grande do Norte, onde chegou a receber da Justiça a garantia para ficar com o filho. A parte do pai conseguiu derrubar a decisão, em junho deste ano, através da 9ª Vara Criminal, alegando que a mãe havia fugido com o menino. A mãe disse que buscava preservar a criança na medida protetiva.
No início de outubro último, a mãe obteve decisão favorável da 3ª Vara de Família e, apenas cinco dias depois, tudo mudou outra vez. O desembargador Carlos Augusto Gomes Correia, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), considerou que o menino deveria estar com o pai - mesmo respondendo ao processo pelo suposto abuso e com a medida protetiva vigente.
A história ganhou repercussão nacional pela suspeita de que o pai estaria sendo favorecido, diretamente ou nos bastidores, por ter grau de parentesco com membros do Judiciário local. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Corregedoria Geral do Poder Judiciário do Ceará abriram procedimentos para apurar a conduta de quem atuou julgando os processos. Outros três juízes e dois promotores se declararam suspeitos dentro do caso, o que também foi considerado pelo CNJ.
O advogado Miguel Hissa, que representa o pai no processo sobre a guarda, confirmou que já foram apresentados recursos para as decisões recentes. “A gente não pode dar muitas informações para não expor a criança. Pode trazer danos irreparáveis para o menor”. Ele afirmou que todos os fatos imputados são falsos.
“Estão sendo invocados pela mãe apenas para atrair a atenção midiática, em detrimento até mesmo da preservação da imagem do próprio filho dela. Reafirmamos a nossa confiança que a justiça será feita e que o Judiciário vai decidir que a guarda será concedida de forma unilateral ao pai”.
Em seu voto durante a 19ª Sessão Ordinária do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a última do ano da Corte, a ministra Nancy Andrighi fez duras críticas ao comportamento do Judiciário cearense no caso da criança em disputa de guarda.
"São estarrecedoras as sucessivas, confusas e contraditórias decisões de 1º e 2º graus (da Justiça do Ceará) que por circunstâncias inexplicadas ou inexplicáveis deixaram de considerar o princípio elementar sob o cenário de possível violência (à criança). O prioritário é o interesse da criança”, discursou a magistrada na sua argumentação.
“É por esses motivos que o juízo de Fortaleza, embora abstratamente competente, revela-se do ponto de vista concreto, inadequado e inconveniente para continuar julgando questões atinentes à guarda da criança”, destacou Andrighi.
O relator do caso foi o ministro Moura Ribeiro. A ministra havia pedido vistas do processo. A decisão pela guarda unilateral da mãe foi por unanimidade. O poder familiar do pai foi suspenso, proibindo a visitação à criança “até o desfecho da controvérsia” em última instância.
Um dos ministros chegou a pontuar na sessão a “situação dramática do processo” e “a gravidade dos fatos, peculiares, tristes e complexos”.