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Casas interditadas e desabamentos marcam fim de semana de chuva em Fortaleza
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Casas interditadas e desabamentos marcam fim de semana de chuva em Fortaleza

Em razão da falta de estrutura urbana e da intensidade das chuvas, segunda maior em 50 anos, nove famílias na favela Céu ficaram desabrigadas e 35, perderam bens materiais
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FAVELA Céu teve nove casas interditadas  (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE FAVELA Céu teve nove casas interditadas

Pendurado no portão de metal, José Maria de Matos, de 61 anos, observa silenciosamente o interior da casa localizada na comunidade Céu, bairro Vila Velha. Lá dentro, o chão cedeu em uma enorme cratera após as fortes chuvas de sábado, 10, engolindo móveis, itens pessoais e documentos. Por Fortaleza, a junção da segunda maior chuva dos últimos 50 anos da Capital, com máxima de 215 mm no posto Caça e Pesca, e da falta de estrutura urbana resultou em ao menos 140 ocorrências, entre inundações, desabamentos e casas interditadas.

Foi por um acaso que José estava fora da casa quando o chão se abriu. Após um acidente em 2018, o homem ficou com baixa mobilidade nas pernas e no braço esquerdo, o que o tem impedido de trabalhar. Por isso, quando a chuva engrossou e a água começou a bater na canela de José, ele decidiu sair da residência; em questão de minutos, tudo ruiu.

Falando baixo, sem quase conseguir olhar para a cena, a principal preocupação dele é com os documentos e os exames médicos: ele ainda aguarda a cirurgia para o braço. Até foi chamado em 2020, mas positivou para Covid-19 e voltou a aguardar na fila. Sem os raios-x, ele teme perder a próxima oportunidade. “Mas a gente tem que ter fé em Deus”, refletiu, distanciando-se do portão. Ele está abrigado pela associação de moradores e recebendo três alimentações diárias da cozinha solidária do Instituto Pensando Bem (IPB).

No Céu, nove casas foram interditadas pela Defesa Civil por risco de desabamento, das quais quatro famílias não têm para onde ir. Das 50 famílias atingidas, 35 foram extremamente afetadas, perdendo cerca de 140 itens, entre alimentos, remédios, eletrodomésticos, produtos de higiene, roupas e documentos. Os dados são do IPB, atuante na favela Céu.

Fortaleza, CE, BR 13.02.24 - Rescaldo da enchente na Favela Beco Ceu no Bairro Vila Velha (Fco Fontenele/OPOVO)(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, CE, BR 13.02.24 - Rescaldo da enchente na Favela Beco Ceu no Bairro Vila Velha (Fco Fontenele/OPOVO)

O gestor e fundador do IPB Rutênio Florêncio explica que a favela sofre com as chuvas desde seu surgimento, há 80 anos. Por baixo do Beco Céu, via que ficou famosa após o instituto participar do Domingão com Huck, passa uma galeria fluvial. Provavelmente um afluente do rio Ceará, o riozinho ficou descaracterizado a ponto de não ter nome definido, agora acumulando lixo a céu aberto. Com a ocupação da favela, construiu-se um frágil piso de laje sobre o canal.

Após as obras de saneamento básico desenvolvidas pelo governo estadual na comunidade, a prefeitura iniciou em outubro de 2023 uma obra de drenagem do canal. No entanto, ela não está finalizada e a galeria estava coberta apenas por madeiras quando a chuva começou. O lixo acumulou , obstruiu o canal e facilitou a inundação das residências próximas. A própria comunidade precisou desentulhar a vala.

Fortaleza, CE, BR 13.02.24 - Rescaldo da enchente na Favela Beco Ceu no Bairro Vila Velha (Fco Fontenele/OPOVO)(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, CE, BR 13.02.24 - Rescaldo da enchente na Favela Beco Ceu no Bairro Vila Velha (Fco Fontenele/OPOVO)

Uma das afetadas foi Maria de Fátima Costa, 68, uma das moradoras mais antigas da favela Céu. Há cinco anos, ela viveu o mesmo drama com a intensidade das chuvas. A casa rachou após ficar inundada até a altura dos joelhos. “A geladeira boiava, só não passou porque enganchou na porta. O guarda-roupa arriou tudo”, relembra. Ela passou três anos no aluguel social. Nesse período, Fátima conseguiu a aposentadoria e reconstruiu a residência há um ano.

Dessa vez, aterrou o chão da casa, o que garantiu perdas mínimas: a água subiu os degraus e molhou o guarda-roupa, enlameando todas as peças de vestuário. Moradora da favela Céu desde 1985, ela confirma que a comunidade sempre teve problemas com as chuvas. “A de agora foi quase parecida com a de cinco anos atrás”, compara.

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