Foi realizada na manhã de ontem, no Palácio da Abolição, a portas fechadas, a segunda reunião do Comitê Estratégico de Segurança Integrada do Ceará (Coesi) - colegiado criado em junho último, como uma das medidas para conter a crise de violência no Estado. Logo após o encontro, o governador Elmano de Freitas (PT), que preside o Coesi, assinou convênio com o Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP). A nova medida, consolidada no encontro do comitê, irá elaborar uma nova estratégia, novos preceitos e um redimensionamento no efetivo e na atuação da Polícia Civil do Ceará (PCCE).
Entre os termos acertados está previsto que, em até 60 dias, o Fórum apresente um plano de trabalho com as primeiras sugestões para esse redesenho da Polícia Civil. A instituição hoje tem cerca de 5 mil servidores, incluindo o efetivo de 660 que compõem a Perícia Forense (Pefoce). O estudo, que recorrerá também a experiências realizadas dentro e fora do Brasil, deverá ajudar o Ceará a formatar a regulamentação estadual das polícias, exigência definida em lei federal aprovada no fim do ano passado.
O acordo de cooperação com o Fórum, que não terá custos ao Estado, também prevê a realização de pesquisas e diagnósticos sobre violência, identificação de gargalos na gestão da segurança, proposições e intercâmbio de dados, informações e metodologias na área. O Fórum é uma organização não governamental, criada em 2006, formada por pesquisadores, policiais, gestores públicos, ativistas e operadores do sistema de justiça, referência em discussões de políticas públicas. Além do convênio com o FBSP, o governador também assinou ontem o decreto que regulamenta o novo Sistema Estadual de Inteligência da Segurança Pública e Defesa Social (Seisp).
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Os setores de inteligência das polícias Civil, Militar, Corpo de Bombeiros, mais ações específicas da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), passarão a ser centralizadas pela Coordenadoria de Inteligência (Coin) e diretamente com o gabinete do secretário da Segurança Pública e Defesa Social, Roberto Sá. "Os dados, as informações, passam a ser usados de maneira mais articulada. Antes eu tinha o risco de ela ser fragmentada e isso permite portanto um trabalho mais inteligente, mais qualificado, de maior capacidade de previsão das ações das organizações criminosas", explicou o governador.
Na entrevista, o secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), Roberto Sá, deu detalhes da reunião virtual realizada entre secretários da pasta no Nordeste com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e diretores técnicos do Ministério. Foram apresentadas propostas para alinhamento de ações e a oferta de estrutura tecnológica federal para aporte aos Estados. "Na reunião também ficou evidente a necessidade de nós alinharmos mais as nossas bases de dados para uma melhor tomada de decisão. No Nordeste nós faremos essa integração de bases de dados e de tecnologia", afirmou o secretário.
Na reunião do Comitê, os representantes dos órgãos integrantes tiveram acesso a dados, ainda não divulgados oficialmente, de que os índices de violência teriam sofrido redução recente. Em 3 de junho, quando Roberto Sá tomou posse na SSPDS, a média de homicídios era de dez casos por dia. Em abril, com 320 registros, maior pico do ano, chegou a estar acima de 10,6/dia. Em julho, até o último dia 20, foram 163 crimes violentos letais intencionais (CVLIs), média de 8,15/dia.
O governador confirmou que, nos próximos dias, deverá ser apresentado um novo pacote de medidas na área, mas não detalhou os novos pontos. "Nós temos que trabalhar ainda muito mais para alcançar os índices que o povo cearense espera na área da segurança pública", admitiu. A nova reunião do Comitê Estratégico está agendada para 19 de agosto, às 14 horas.
OP - Como é que vai ser esse trabalho específico do Fórum com o Coesi?
Renato Sérgio - Tem algumas coisas. Uma é esse gesto político, de dizer que dá para fazer desse jeito segurança pública. É unindo, conversando e fiquei muito bem impressionado presidente do Tribunal de Justiça, Procurador-geral, Governador, Assembleia, mas no dia a dia do problema a Assembleia tem menos importância. Mas resolvendo problemas administrativos, o laudo que o juiz precisa, o sistema não está funcionando, como a gente resolve? Parece besteira, mas isso é fundamental. Fiquei muito bem impressionado com essa disposição. Vamos mudar as leis? Às vezes é botar todo mundo para conversar. Esse ambiente, que o Fórum tem como primeiro ponto, é ajudar a fazer com que isso seja padrão no Brasil. Incentivar, elogiar, mostrar que é assim que são os comitês integrados, articulados.
OP - Essa experiência existe em outros estados do Brasil?
Renato Sérgio - Em alguns momentos já tiveram. Sempre depende muito da liderança e do momento do momento. Isso comprovadamente dá certo. Porque a gente tem uma estrutura de governo que muitas vezes é legal. Por exemplo, se eu vou compartilhar um release de inteligência, se a Abin produz um relatório de inteligência, não pode ir para o processo. Porque senão o processo tem nulidade. Porque vaza (informações). Então como é que eu consigo usar essa prova? Isso precisa de legislação, o Governo Federal precisa se envolver para dizer “eu sei que aquele cara é de facção”. Como é que eu vou falar? Eu sei, mas eu não posso trazer. Tem que ficar arrumando os puxadinhos. Então, a discussão que o Fórum quer trazer é exatamente assim. Qual o problema dos órgãos se integrarem? Tem que ter um protocolo? Então qual o protocolo? Quando a gente vem para cá, no fundo é também usar o Ceará como um grande laboratório para provocar esse debate. Claro, conhecimento local, o César Barreira (professor coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, LEV-UFC) sabe muito melhor do que eu, se bem que o Fórum tem vários associados daqui, do próprio Estado. Mas não é um conhecimento local, é incentivar um jeito de fazer segurança pública. É um jeito de compartilhar informação para levar para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), porque o CNJ precisa se convencer de que pode compartilhar dados, o Congresso pode compartilhar dados. É essa mudança que para a gente é um projeto comum.
OP - Como surgiu a ideia do convênio?
Renato Sérgio - Foi meio que comum. Eu encontrei o governador Elmano em São Paulo uns três meses atrás. A gente marcou um café. Antes desse cenário posto de violência. Ele já tinha percebido que os indicadores estavam altos e queria saber o que estava sendo feito no País. Foi o governador que procurou a gente inicialmente para essa conversa. E a gente falou, ao contrário do Ceará Pacífico, que o Fórum foi contratado como consultoria, vamos fazer esse institucionalmente, para inclusive passar uma mensagem. Não tem dinheiro do governo, tem uma ideia envolvida.
OP - Não há valores financeiros firmados no convênio?
Renato Sérgio - Só trabalho. Não há um acordo financeiro. O Fórum vai buscar o recurso necessário no setor privado, não envolve dinheiro. Porque a ideia é passar uma mensagem importante de coordenação, de trabalho em conjunto, de referências nacionais, de boas práticas.
OP - No prazo acertado de 60 dias, ao final vocês vão apresentar um relatório?
Renato Sérgio - Primeiro a gente vai tentar entender. Tem duas coisas importantes. No diálogo com o Ministério da Justiça que o governador citou, nós temos as leis orgânicas nacionais aprovadas em novembro e dezembro. Elas precisam ser regulamentadas tanto pelo Governo Federal como pelo Estadual. O que isso significa? As duas dizem que precisam ter plano de gestão do Comandante Geral e planejamento estratégico da Polícia Civil. Nenhum estado fez isso ainda. Então o governo do Ceará topou ser pioneiro. O Fórum vai ajudar a construir isso na regulamentação trazendo o que as outras estão falando. A gente tem nosso encontro agora, de 13 a 15 de agosto em Recife. A gente vai fazer uma mesa. A gente está envolvendo, na verdade, uma rede que envolve Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, mais alguns outros estados que ainda não estão certos, como piloto e como desenho efetivo. Eu preciso de quanto? Porque no Brasil a gente sabe definir quanto as polícias militares precisam, mas e a Polícia Civil? Eu preciso mais de investigador com formação em crime cibernético ou em roubo de rua? Qual é o perfil que eu preciso isso? Isso é nacional, não é só local. Então acho que isso é um pouco do que a gente vai fazer.
OP - Vocês vão propor tanto o detalhamento operacional como essa questão regulatória?
Renato Sérgio - Mais a questão regulatória e o desenho de gestão de pessoas.
OP - A informação que tive é que vocês vão ficar muito centrados na questão da Polícia Civil, de investigação.
Renato Sérgio - Isso. Foi uma opção que o Fórum fez, até porque o Fórum não está recebendo dinheiro. É um pouco tentar olhar para a Lei Orgânica da Polícia Civil. Porque foi essa lei revolucionou a área. Por exemplo, ela diz que não existe mais escrivão, investigador, unificou todo mundo em oficial de Polícia Judiciária. Então o momento é agora. Se eu consigo dizer o que faz esse oficial nas leis, o que esse novo profissional faz? Porque antes eu tinha três profissionais pensados numa polícia do século XX, para fazer um monte de coisa que hoje ele não faz. E ele tem que investigar. A ideia é propor um modelo onde a investigação é o centro e quais as competências que esse profissional tem. O momento é agora porque senão daqui a seis meses perde o tempo. Por isso que para o Fórum foi tão importante a disposição do governo.
OP - Houve a queixa de pesquisadores locais sobre o convênio com o Fórum.
Renato Sérgio - Eu acho que não tem estresse nenhum, pelo contrário. A reclamação é uma reclamação direcionada ao governo, que o governo não estaria dialogando. Eu não sei dizer qual o motivo.
OP - O próprio secretário (Roberto Sá, da SSPDS) admitiu, na entrevista, que ainda não falou com os pesquisadores locais.
Renato Sérgio - Eu acho que é importante a universidade local cobrar, sim. Mas da parte do Fórum não há nenhuma sobreposição, até porque o que a gente vai fazer não é em geral o que a universidade local faz.
- Realização de pesquisas de interesse mútuo e intercâmbio de dados, informações e metodologias na áreas da segurança público
- Plano de trabalho a ser elaborado em 60 dias, que poderá ser readequado pelas partes para aperfeiçoamento
Metas do convênio
a) Realizar pesquisa e diagnóstico, visando a transparência de informações sobre a violência;
b) Identificar gargalos que podem ser objeto da atenção dos órgãos do sistema de segurança pública;
c) Elaborar relatório propositivo;
d) Elaborar estudo sobre o tamanho ideal do efetivo da Polícia Civil do Ceará, de modo a subsidiar o planejamento estratégico;
e) Apoiar o planejamento estratégico da Polícia Civil, documento que passou a ser obrigatório com a promulgação da Lei Orgânica das Polícias Civis (Lei 14.735/2023), em especial no apoio à construção de metas e indicadores e na facilitação das atividades.