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Jeri: Estado suspende acordo com empresária para aguardar manifestação da comunidade
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Jeri: Estado suspende acordo com empresária para aguardar manifestação da comunidade

| Prazo | Acerto é para dona de escritura ficar com lotes desocupados. Conselho responde em 20 dias
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Terrenos que deverão ser repassados para a empresária (Foto: Luciana Pimenta)
Foto: Luciana Pimenta Terrenos que deverão ser repassados para a empresária

O Conselho Comunitário de Jericoacoara tem o equivalente a mais duas semanas para se manifestar, formalmente, se concorda ou tem questionamentos sobre o acordo firmado entre o Governo do Estado e os advogados da empresária Iracema Correia São Tiago, de 78 anos. Através de escritura reconhecida como legítima pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), a mulher se apresentou como proprietária de grande parte da área da vila da praia cearense. O caso vem sendo discutido juridicamente entre as partes desde julho de 2023, mas surpreendeu moradores e empresários locais. O receio é de que podem perder seus imóveis.

O acerto Estado-empresária, que já tem termos prontos para serem assinados, está suspenso por 20 dias, contados desde o último dia 14. O Conselho pediu um prazo para se manifestar. Na data, a comunidade participou de uma reunião com órgãos estaduais como PGE e Instituto do Desenvolvimento Agrário (Idace).

O tempo servirá para o Conselho montar uma contraproposta sobre o possível novo desfecho fundiário da vila. A localidade passou por trabalhos de regularização e arrecadação de matrículas imobiliárias a partir de 1997 e tomou um susto com a notícia de Jeri ter uma dona. "Após isso (a manifestação), a PGE vai se pronunciar formalmente sobre a validade do acordo. Acreditamos que ele é benéfico tanto para a população quanto para Jericoacoara. Ele protege os moradores e os estabelecimentos", garante o procurador geral do Estado, Rafael Machado.

O adiamento significou que o termo de concessão dos títulos de propriedade para Iracema Correia, prestes a ser emitido, foi igualmente suspenso, segundo o procurador. O prefeito eleito de Jijoca de Jericoacoara, Leandro Cézar, foi um dos que participaram do encontro.

Pelo combinado, a empresária deve renunciar oficialmente a pontos da localidade onde estão habitações, pousadas, restaurantes, até ruas, e outros imóveis com benfeitoria ou que sejam de interesse público. Ela também abre mão de ações de indenização contra o Estado. Em contrapartida, o Estado a manterá com quase cinco hectares da localidade, espalhados entre vários lotes da vila sem construções ou que sejam terrenos estaduais.

A reivindicação inicial dela, em julho de 2023, quando procurou o Idace com a escritura, era de mais de 73 hectares. A faixa de terra aparece sobreposta na área das Fazendas Junco I e II - adquiridas em 1979 por José Maria de Morais Machado, empresário, ex-marido de Iracema. A propriedade foi assumida por ela após a separação do casal. A vila estaria dentro da Junco I, enquanto o Parque Nacional estaria na Junco II.

O POVO procurou o Conselho Comunitário de Jeri, para que pontuassem divergências do acordo. A informação dada foi a de que "amanhã (hoje) teremos outra atualização", após análises de documento.

"O processo começou no primeiro semestre de 2023 e só conseguimos concluir em maio de 2024. A proprietária inicialmente queria mais de 30% da área, mas fomos reduzindo essa porcentagem por meio de inspeções, consultas à prefeitura e ao cartório.", garante Machado.

Em trecho de longa nota enviada ao O POVO, o escritório Yasser Holanda Advogados Associados, que representa a empresária, diz que ela "não tem e nunca teve nenhum interesse em interferir na rotina da Vila (...) Ao contrário do que vem sendo dito, não se passaram 40 anos para ela reivindicar seus direitos. Da época da Arrecadação pelo Estado do Ceará, em 1997, até a data do início do processo, em 2023, se passaram 26 anos". O comunicado confirma que a empresária concordou em receber "as áreas remanescentes e desocupadas e renunciar às demais áreas, evitando-se o impacto sobre a comunidade". (Colaborou Lara Vieira)

 


Fortaleza, CE, BR 21.10.24  Governador Elmano de Freitas em entrevista ao O POVO NEWS   (FCO FONTENELE/O POVO)
Fortaleza, CE, BR 21.10.24 Governador Elmano de Freitas em entrevista ao O POVO NEWS (FCO FONTENELE/O POVO)

BATE-PRONTO

O POVO - A entrada da comunidade na discussão do acordo com a empresária aconteceu tardiamente? Por que não houve participação na discussão sobre o que será repassado pelo Estado?

Elmano - Não existe repasse de terras. Existe uma discussão jurídica. Se a certidão de propriedade de uma pessoa é válida ou não. O estado democrático não admite que uma autoridade estatal chegue para você e diga que a sua escritura, tendo validade de um terreno que é seu, não seja mais seu. O Estado não pode fazer isso.

O POVO - Mas a comunidade foi surpreendida com a situação.

Elmano - A comunidade foi surpreendida, mas acho que é bom dialogar, porque o que fizemos primeiro foi um debate jurídico. É razoável que se possa publicar e as pessoas terem conhecimento. A comunidade está preocupada com a pousada que tem, a casinha que tem, o benefício com a Prefeitura que tem no imóvel. Isso faz parte do acordo no sentido que está preservado. Isso não entra (no acordo), a proprietária abre mão disso. O que tem em discussão no acordo é que uma área que não tem benfeitoria, que é um terreno de Jericoacoara, que nenhuma pessoa utiliza, ela ou é do Estado ou é da proprietária. Essa é uma discussão jurídica. Eu não posso chegar na marra e dizer porque uma pessoa que mora na comunidade diz que o fulano não é o dono. Quem diz quem é o dono ou é o cartório ou é o Poder Judiciário. É assim no Estado Democrático de Direito, sob pena de nós termos um estado que confisque a propriedade das pessoas. E evidentemente que ninguém concorda com isso. Então nós temos que ter só essa cautela. A comunidade tem direito de saber e direito de participar, mas ela não pode estar acima do direito de propriedade do sujeito que é dono. Isso não pode.

Leia mais na Política, 7 e Economia, 10 e 11

Solange Santos, advogada, professora universitária e ex-procuradora municipal de Jijoca de Jericoacoara
Solange Santos, advogada, professora universitária e ex-procuradora municipal de Jijoca de Jericoacoara

Estranhezas sobre a situação fundiária em Jeri

O processo de regularização fundiária ocorrido em Jericoacoara em 1997 passou por longos períodos de debates, discussão e participação ativa da comunidade local. O Estado do Ceará, representado pelo Instituto do Desenvolvimento Agrário (Idace), realizou diligências em cartórios da região com o objetivo de identificar os reais proprietários das terras em questão. Após estas providências, as áreas sem registro foram incorporadas ao patrimônio do Estado do Ceará como terras devolutas, sendo destinadas a política pública de regularização fundiária na
Vila de Jeri.

Para evitar a grilagem de terra, o reconhecimento da posse passava pelo crivo de uma comissão encabeçada pelo Conselho Comunitário local em conjunto com os representantes do Idace. O objetivo era dar segurança jurídica ao posseiro, tornando-o proprietário. Na época, ocorreram várias reuniões com esta finalidade, sendo dada ampla publicidade e transparência nos procedimentos.

Como só em 2023-2024, surgem, do nada, novos atores que reivindicam mais de 70% do território de Jericoacoara? É de se estranhar, no mínimo, a morosidade do agir de proprietário em reivindicar terra outrora sem dominialidade jurídica, hoje terras tão cobiçadas e valiosas deste paraíso tropical de base turística nacional
e internacional.

Como fica a validação e a segurança jurídica de todo trabalho realizado pelo Idace? Por que o processo administrativo restrito ocorreu no âmbito da Procuradoria Geral do Estado (PGE), com a participação apenas da parte requerente e do Idace? É necessário um debate amplo sobre estas questões, isto porque não se pode olvidar que Jeri está territorialmente encravada entre duas unidades de conservação ambiental, uma federal e uma estadual.

Este debate deve incluir o Ministério Público, a Prefeitura, os órgãos ambientais, o Conselho Comunitário e os representantes do segmento de turismo, a fim de mensurar e mitigar eventuais prejuízos para o Estado do Ceará, para a comunidade envolvida e para os empresários que se ampararam em atos administrativos abalizados pelo próprio Estado.

Por último e, não menos importante, deve haver um estudo dos impactos sociais, ambientais e econômicos na área envolvida no imbróglio, em decorrência da magnitude da área remanescente a ser permutada. Se este acordo costurado no âmbito da PGE prosperar, haverá perdas consideráveis do paisagismo urbano, com a diminuição dos espaços verdes comprometendo o desenvolvimento sustentável do turismo local, sem levar em consideração eventuais conflitos sociais locais, já que as referidas áreas permutadas são os últimos territórios sem uso efetivo destinados ao comércio, pousada, hotéis, residência, equipamentos públicos e reservas ambientais.

Respostas

A prefeitura de Jijoca de Jericoacoara disse que não irá se manifestar sobre o processo. E que novas demandas serão com a futura gestão. A promotoria local diz que acompanha o caso e, após reunião com o Conselho Comunitário, analisa possíveis irregularidades

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