
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Sempre bato na tecla que é preciso compreender o crime organizado como um agente econômico sujeito a uma lógica de mercado. As incursões mais recentes das facções sobre a sociedade - atuando como operadoras clandestinas de internet e atacando empresas que se recusam a pagar pedágio - demonstram que as organizações criminosas cearenses passaram a agir não apenas nos mercados ilegais, mas começam a se inserir na área de prestação de serviços, como ocorre no Rio de Janeiro há décadas.
Esse movimento representa uma busca por ampliação de mercados e de ganhos, haja vista que os tráficos de entorpecentes e armas também possuem limitações. É preciso que a expansão seja contínua, assim como ocorre com os empreendimentos capitalistas. O Governo do Estado não está alheio a essa situação. Um grupo especial foi criado para combater essa prática e operações vêm sendo realizadas no intuito de capturar as lideranças. É uma ação relevante, mas que precisa vir acompanhada de políticas estruturais.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou um relatório, no ano passado, que explora a relação entre crime violento e insegurança com a macroeconomia na América Latina e no Caribe. Os autores analisaram como o crime afeta o crescimento econômico, o investimento e as finanças públicas, examinando os fatores internos e externos que impulsionam a criminalidade, como: instabilidade macroeconômica, desigualdade e problemas de governança.
O estudo também avalia o impacto da insegurança nas empresas e a eficácia dos gastos com segurança, propondo políticas para diminuir os impactos econômicos do crime na região. Reduzir a taxa de homicídios na América Latina e Caribe impulsionaria o crescimento do PIB da região, por meio de maior acumulação de capital e produtividade. Reduzir a violência de gênero, por sua vez, também aumentaria o emprego feminino e o crescimento.
O crime leva a custos diretos, como perda de vidas, redução da qualidade de vida devido à vitimização, aumento dos gastos do governo com segurança e manutenção da ordem pública, além de despesas com segurança no setor privado. A soma desses custos diretos — que representam apenas uma fração do fardo real do crime e da violência — é estimada em 3,5% do PIB, em média, com custos muito mais altos em países com altas taxas de criminalidade.
Conforme o relatório, os principais fatores que conduzem à criminalidade na América Latina e no Caribe (ALC) são diversos e interligados, abrangendo aspectos históricos, socioeconômicos, institucionais e externos. Vou mencionar apenas um deles, deixando os demais para uma versão expandida desta coluna no Blog Escrivaninha.
Divisões sociais e espaciais em cidades ou regiões podem aprofundar a desigualdade e criar terreno fértil para grupos do crime organizado, substituindo o papel do estado. A pobreza na América Latina e Caribe abrange cerca de 25% da população urbana, e cerca de 160 milhões de pessoas vivem em assentamentos informais de baixa renda sem acesso a serviços básicos. Cerca de 50% dos crimes ocorrem em apenas 2,5% dos trechos de rua, demonstrando uma clara concentração espacial da atividade em espaços muito específicos.
De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), essas dinâmicas favorecem a concentração de "bolsões de fragilidade" — cidades ou territórios onde as populações estão sujeitas a uma capacidade estatal extremamente fraca e/ou diferentes formas criminosas de governança e prestação de serviços.
Por causa disso, uma compreensão mais hiperlocalizada dos motivadores do crime e seus efeitos econômicos locais poderia ajudar a melhor adaptação das reformas e alocação de recursos orçamentários em áreas como ação social, infraestrutura e segurança.
Embora a relação entre variáveis econômicas e crime seja complexa, a política econômica pode ter um papel preventivo para ajudar a minimizar a proliferação de crimes violentos. Políticas que melhoram a educação de alta qualidade e oportunidades de emprego para jovens podem enfraquecer o recrutamento de organizações criminosas ao aumentar as recompensas para educação e emprego.
Instituições fortes, em particular o Estado de Direito, são essenciais para garantir a implementação de políticas e fornecer a resiliência necessária contra a natureza multifacetada do crime. Ações direcionadas contra a corrupção, incluindo a da polícia e do judiciário, não apenas aumentam a eficácia da prestação de serviços, mas também melhoram a confiança, incentivando mais registros na polícia e reduzindo a impunidade.
As políticas antilavagem de dinheiro também podem diminuir as fraquezas de governança e reduzir os incentivos para cometer crimes. Em entrevista à revista Veja desta semana, o governador Elmano de Freitas (PT) destacou a importância de "asfixiar" financeiramente as quadrilhas. Assim como faz o bom jornalismo investigativo, é preciso que as instituições "sigam o dinheiro", o principal combustível de toda essa engrenagem.
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