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Sinfonia natural: agito e aumento de pássaros em praças de Fortaleza podem estar ligados a chuvas
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Sinfonia natural: agito e aumento de pássaros em praças de Fortaleza podem estar ligados a chuvas

Frequentadores apontam mudanças no número e comportamento das aves; biólogos ouvidos pelo O POVO explicam a relação da alteração com a estação chuvosa e outros fatores
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PERIQUITOS em árvore na Praça Argentina, no Bairro de Fátima (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS PERIQUITOS em árvore na Praça Argentina, no Bairro de Fátima

De longe é possível ouvir o barulho. Sozinhos ou em bandos, pássaros de espécies distintas — como periquitos, pombos e pardais— riscam o céu sobre praças de Fortaleza em quantidades cada vez maiores e causam ruídos que chamam a atenção de frequentadores. Segundo biólogos, o aumento das aves e da agitação delas podem acontecer por diversos fatores, entre eles a estação chuvosa. 

O POVO esteve nas últimas semanas visitando equipamentos do tipo na Capital. Na praça Argentina Castelo Branco, no Bairro de Fátima, a agitação dos passarinhos já faz parte da dinâmica do espaço. 

Por lá, pouco depois das 17 horas o barulho das aves é tanto que ecoa pelas esquinas, feito um chamado da natureza. Periquitos e rolinhas voam de árvore em árvore, atravessando o azul celeste em bando. 

O movimento ensaiado parece uma valsa frenética, dançada no céu, e chama a atenção de quem frequenta a praça. Como a de Lauana Souza, 31, que costumar ir passear com a família no local.

A farmacêutica caminha levando nos braços a filha Serena, de apenas um ano de idade. Enquanto andam, a criança olha atenta e surpresa para cima, parecendo notar cada barulho feito pelos passarinhos que passam por ali. Ela aponta para os animais, tenta imitar o som e balbucia interagindo com eles.

"(Ela tá) Encantada com a natureza", diz a mãe Lauana. "Só o barulho você escuta e já dá uma paz", completa, mostrando que entende e compartilha de sentimento parecido com o da filha. 

De acordo com Maria Gabriele, 16, que trabalha como vendedora no local, o agito dos passarinhos fica mais intenso por entre as árvores, como cajueiros e goiabeiras, em tempo de chuva. "Eles aparecem constantemente. Eu já sei que vai chover quando eles começam (a agitação)", diz a comerciante. 

Movimento parecido é observado na Praça Jonas de Freitas, conhecida como Pracinha do North Shopping, no Presidente Kennedy. No local, atravessado por um riacho e por uma vegetação diversa, é possível perceber a presença de inúmeros pássaros. Som das aves é tão forte que funciona quase como cartão de visita do espaço.

De acordo com José Marcondes, 64, que costuma correr no equipamento, pelo ambiente passam cada dia mais pássaros, de espécies distintas como bem-te-vis, pombos e rouxinóis. "(A quantidade) Tá aumentando porque a chuva traz recurso, comida pros pássaros", frisa o maratonista. 

Bruno Gregório, 35, que mora na região, também diz ter notado o aumento do número de aves no local. Ele destaca a presença de garças, que segundo conta tem sido mais frequente. "Em média de 80 a 100 garças ficam numa determinada árvore. Chega você acha estranho, de tão perto uma das outras", diz.

Vizinho ao equipamento, o Parque Rachel de Queiroz também comporta um número expressivo de pássaros. Levy Márcio, 18, mora próximo a região e costuma frequentar espaço sempre que possível, para ficar mais perto da natureza. "Pombo está tendo muito. Mais pombo do que normal", observa.

Época de chuvas pode explicar aumento

Mas, afinal, a época de chuvas pode estar mesmo ligada ao aumento do número de aves? De acordo com especialistas ouvidos pelo O POVO, a resposta é sim, ainda que esse não seja o único fator. 

"A mudança no comportamento, além da percepção de aumento (do número de aves), é compatível com a época de chuvas e está associada à reprodução desses animais. Com maior oferta de recursos, os animais entram em reprodução", explica Kalyl Silvino, biólogo e consultor ambiental.

Ainda segundo especialista, época "é determinante porque quase que a totalidade de espécies presentes na Cidade se reproduzem durante a estação chuvosa e isso aumenta a população" de pássaros.

Entre as aves mais comuns que podem ser observadas em Fortaleza, o biólogo cita: bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), sanhaçu (Thraupis sayaca), sibite (Coereba flaveola), periquito de encontro amarelo (Brothogeris chiriri), carcará (Caracara plancus), pombo (Columba livia) e pardal (Passer domesticus).

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Juliana Borges, bióloga e doutora em Ecologia e Recursos Naturais, aponta uma outra causa provocada pela época: "Também nesse período (chuvoso) dá muita poda (de árvore) e com isso pode reduzir o recurso alimentar (...) E eles estão migrando para essas praças que ainda deve ter algum favorecimento".

Especialista também pontua que periquitos e rolinhas são nativas de Fortaleza e comuns na Cidade, destacando que por volta das 17 horas é o horário que os bandos se dispersam e que som fica mais alto.

Mudanças ambientais também influenciam no comportamento

Kalyl Silvino, que é ainda especialista em fauna, destaca que a época de chuvas pode ser apenas um dos fatores que explicam o agito dos pássaros notado por frequentadores de praças e parques da Capital, pois essa mudança pode ter diversas causas, seja elas diretas ou indiretas.

Até a própria interação entre os indivíduos adultos e jovens pode impactar reação. "Por serem uma espécie gregária e com comportamento social, eles acabam gerando um ruído chamativo", pontua o biólogo. 

Especialista também diz que Fortaleza perdeu muita área verde nos últimos anos, o que pode influenciar na competitividade das aves. Contudo, ele frisa que é preciso um estudo maior para entender o cenário.

"Esse aumento na atividade e percepção da presença desses animais pode ser um reflexo cumulativo do adensamento das espécies em áreas verdes menores, aumentando a competitividade entre indivíduos de mesma espécie e [entre] espécies diferentes por recursos", destaca. 

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