Esta reportagem especial foi atualizada, no dia 17 de janeiro de 2025, em razão do veto do prefeito Evandro Leitão (PT) a uma das áreas excluídas. A zona em questão está localizada no bairro Manoel Dias Branco. Entenda o que mudou e como funcionará a tramitação no fim da matéria.
Qual o futuro das áreas verdes de Fortaleza? Com mais de 80% de sua cobertura vegetal já perdida, Fortaleza enfrenta novas investidas em direção às áreas ambientais.
Dezesseis áreas verdes na Capital foram alvo de projetos de mudança de zoneamento ambiental para urbano aprovados em dezembro de 2024 pela Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), impactando pelo menos 13 bairros: Bom Jardim, Dom Lustosa, Edson Queiroz, Luciano Cavalcante, Manoel Dias Branco, Maraponga, Messejana, Praia do Futuro, Presidente Kennedy, Sabiaguaba, São Gerardo, Sapiranga e Serrinha.
O POVO+ realizou um levantamento de dados e trabalho investigativo com base em matérias d’O POVO e pesquisas no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL) da CMFor, além de consultas ao Diário Oficial do município, para mapear esses locais. Use a seta no canto superior do mapa a seguir para acompanhar a situação de cada uma das áreas:
As mudanças, realizadas já no apagar das luzes do último ano, têm gerado críticas de ambientalistas e de parte da sociedade civil. O prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT), admitiu a possibilidade de revogar alterações no zoneamento ambiental da Cidade.
O gestor declarou que sua equipe técnica foi orientada a reavaliar os projetos para assegurar decisões alinhadas ao equilíbrio ambiental e às necessidades urbanas da capital — um debate que reforça a necessidade de revisão do Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDPFor), atrasada desde 2019, mas essencial para equilibrar desenvolvimento urbano e sustentabilidade.
Bairros que foram de alvo de mudanças no zoneamento ambiental nos últimos meses da gestão Sarto (2024)
Dos projetos de lei (PLCs) aprovados, três foram sancionados pelo então prefeito José Sarto a três dias para acabar o ano e viraram leis complementares (LCs): LC Nº 410 (PLC Nº 16/2024), LC Nº 411 (Veto Nº 14/2024) e LC Nº 412 (Veto Nº 13/2024).
No caso dos vetos, esses foram enviados ao mesmo tempo em que sua base votou contra, o que indica uma possível articulação prévia com a base governista.
“Já pedi, inclusive, para o meu secretário da Seuma, para reavaliar todas as áreas e mensagens que foram aprovadas no fim de 2024. Não quero antecipar, não quero estar dizendo que vamos revogar essas leis, não é isso. Eu apenas pedi para serem avaliadas no sentido de que a gente possa ter um juízo melhor sobre todas essas mensagens”, declarou Evandro.
“Se necessário for (revogar), sim”, concluiu. As afirmações foram dadas em coletiva na primeira reunião de secretariado, no Paço Municipal, em 3 de janeiro.
O principal objeto dessas ações foi a alteração de zoneamentos delimitados pela Lei Complementar Nº 62/2009, a que instituiu o Plano Diretor Participativo do município (PDPFor).
Esse documento rege ações e diretrizes para o desenvolvimento urbano da Cidade por dez anos, com um papel importante na organização de investimentos, políticas públicas, economia, saúde, segurança, educação e habitação, dentre outros pontos de atenção que afetam a todos os fortalezenses e a quem chega de fora na Capital.
Por ser basilar na expansão de uma metrópole como Fortaleza, esse instrumento precisa ser revisado a cada década e deveria ter passado por uma atualização em 2019 — processo que ainda não foi concluído.
O atraso é justificado, em parte, pelos dois anos de emergência em saúde pública devido à pandemia de Covid-19.
Enquanto isso, as muitas mudanças que ocorrem na urbe obedecem a uma legislação urbanística de 16 anos atrás — quando havia menos pessoas, casas, carros, formas de trabalho, questões ambientais e sociais.
Mais de 80% da cobertura vegetal nativa já foi perdida e pelo menos 60 áreas vulneráveis estão sujeitas ao desmatamento, conforme registrou O POVO+ em 2023.
Pesquisas da Universidade Federal do Ceará (UFC) têm driblado a escassez de dados oficiais atualizados para cravar esse diagnóstico e mapearam que apenas 16% das áreas com vegetação ainda sobrevivem ao crescimento urbano — um cenário propício para o aumento das temperaturas e a ocorrência de enchentes ou outros extremos climáticos.
As sessões da Câmara na qual as exclusões foram aprovadas ocorreram ao longo de todo o ano de 2024.
Apesar da "normalidade", nenhuma delas mirou tanto as zonas ambientais quanto as realizadas em 17 de dezembro. Mais de 20 dias após o segundo turno das eleições de Fortaleza, o fim de nove áreas protegidas, em 10 bairros diferentes, ganhou o aval dos vereadores.
A discussão durou seis horas, com direito a exibição de fotos dos locais, gritos e pedidos de vista. Até rancores eleitorais entraram em jogo. Adail Jr (PDT) chegou a acusar vereadores do Psol de "oposição por oposição", ao contrariarem as medidas.
O POVO+ perguntou à assessoria de imprensa do vereador reeleito, Gardel Rolim (PDT), sobre a motivação, na época, para levar ao plenário tantos projetos de natureza semelhante. Então presidente da Câmara de Fortaleza, ele era o responsável por selecionar os temas de discussão. Ainda não houve retorno do questionamento.
Como é possível observar nos mapas acima, as alterações recentes no zoneamento de Fortaleza estão espalhadas por toda a Cidade — da área nobre à periferia. Mas quais são as justificativas apresentadas pelos vereadores que as propuseram e por que elas sustentam sua aprovação pela maioria?
No bairro Edson Queiroz, uma área imediatamente atrás do Centro de Eventos do Ceará foi transformada em Zona de Requalificação Urbana (ZRU 1). O terreno em questão fica próximo ao rio Cocó e está dentro de uma Área de Proteção Permanente (APP) de Recursos Hídricos.
O vereador Gardel Rolim (PDT), autor da emenda, apresentou a seguinte justificativa para a mudança: “Já são mais de 15 anos de existência de uma legislação (PDPFor) que precisa estar em consonância com o desenvolvimento urbano e os desafios de se manter atualizada”.
Entenda o que significa cada zoneamento
E prosseguiu: “Nos últimos anos, a Cidade vem se desenvolvendo para o seu lado sul, em especial o entorno da avenida Washington Soares. A alteração proposta visa possibilitar o desenvolvimento da região”.
Já no bairro Manoel Dias Branco, a alteração foi aprovada sob a justificativa do vereador Dr. Luciano Girão (PDT), que argumentou que “a área objeto da presente propositura já perdeu todas as características que justificavam sua inclusão na classificação de ZIA”.
Segundo Girão, “ocorre que, com o passar dos anos e a aceleração da dinâmica urbana da região, tais características se perderam, dando lugar a um adensamento urbano provocado pela instalação efetiva de moradias, comércio e serviços”.
No bairro São Gerardo, a justificativa apresentada pelo proponente é de que “a delimitação do Parque Linear Raquel de Queiroz adentrou na propriedade do condomínio Varandas do Bosque”.
Um terreno de propriedade da União localizado na avenida Senador Carlos Jereissati, no bairro Serrinha, bem próximo ao Aeroporto Internacional Pinto Martins, também está entre as áreas afetadas por mudanças no zoneamento ambiental.
No local, ao lado do 10º Depósito de Suprimento do Exército Brasileiro, algumas ocupações irregulares foram instaladas há pelo menos 2 anos — época, também, em que as famílias da ocupação Terra Prometida/Vítimas da Covid foram retiradas do terreno onde hoje funciona um hipermercado.
Algumas delas se rearticularam em terrenos próximos e formaram outro núcleo: a comunidade Heisenberg. É o que explica o líder comunitário Evangelista: “Hoje as famílias estão numa situação bem tranquila por terem se livrado do pesadelo do aluguel, mas Sanear (saneamento básico) não tem e energia elétrica é de forma clandestina”.
Ele lembra que o território foi transferido provisoriamente para o Governo do Estado através de um Termo de Guarda Provisória (TGP) com validade de 1 ano celebrado entre a Superintendência do Patrimônio da União no Ceará (SPU/CE) e a Secretaria das Cidades em outubro de 2023.
“Nosso diálogo com os órgãos responsáveis está bem dentro de uma concordância e o terreno deve ser destinado à moradia das famílias que nele se encontram através do Minha Casa, Minha Vida. Nossa preocupação é sobre o tempo de início do projeto de construção. Mas não queremos projetos sem programação e sem conversas com as famílias para não haver conflitos territoriais ou causar problemas para quem mora aqui”, relata.
Nesse caso, por estar nas proximidades do Aeroporto, o entendimento da maioria dos vereadores foi de que as áreas deveriam ser excluídas da delimitação anterior da Zona Especial Ambiental (ZEA) Serrinha para incorporarem a Zona de Requalificação Urbana (ZRU 2).
“Em razão da descaracterização decorrente das intervenções sofridas ao longo do tempo, tais como obras de infraestrutura (drenagem, terraplanagem e implantação de via com pavimentação), aprovação de loteamento na área, construção do hipermercado Atacadão, acentuadas ocupações irregulares, além da antropização do recurso hídrico com sua canalização”, diz o texto.
Enquanto defensor constitucional do meio ambiente (e de outros direitos difusos), o Ministério Público do Ceará (MPCE) foi questionado sobre essas movimentações.
Em nota enviada a esta reportagem, o órgão informou apenas que “já instaurou um procedimento para apurar o caso”.
“O procedimento abrange todas as áreas. As informações mais atualizadas são as já dadas em nota, por isso, no momento, não temos mais detalhes”, acrescentou o comunicado.
Não se sabe o motivo do tema entrar em pauta, mas todos os especialistas foram unânimes em desconfiar das justificativas presentes nos projetos. "Não fazem o menor sentido", disse o biólogo Thieres Pinto. "Não há argumentos técnicos. Pode ser um desejo particular, de algum grupo. Mas ao analisar o que tem que mudar, quais fatores, não faz sentido", completou.
Em relação ao teor dos textos aprovados e seus impactos ambientais e urbanos, o vereador de Fortaleza, Gabriel Aguiar (Psol), o Gabriel Biologia, acredita que alguns dos efeitos imediatos são “a derrubada de florestas, aterramento dos mananciais e expulsão da biodiversidade dessas áreas para dar lugar a prédios. Como resultado, elevação da temperatura, alagamentos, sobrecarga sanitária, poluição e adoecimento da população”.
Quase todas as áreas integram corpos de água ou estão muito próximas deles. As únicas exceções são de uma Zona de Recuperação Ambiental (ZRA) ao lado do Parque Rachel de Queiroz e de uma Zona Especial de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (Zedus) na Messejana.
A urbanização dos locais com recursos hídricos provoca efeito imediato. O biólogo e especialista em conservação da biodiversidade, Thieres Pinto, explicou que áreas em torno de rios, mesmo as com a vegetação modificada, regulam a impermeabilização do solo. A retirada delas fará com que a água se disperse para regiões vizinhas, provocando enchentes.
Um caso clássico desse tipo de ocorrido se dá na avenida Heráclito Graça, no centro de Fortaleza. Construída após o aterramento do riacho Pajeú, o local concentra enchentes constantes, seguidas por promessas de obras milionárias de drenagem.
A remoção das áreas verdes transformariam pontos de leste a oeste de Fortaleza em “Heráclito Graças”. O cenário prejudicaria diretamente as vizinhanças que, em muitos casos, consistem em assentamentos e residências em locais de risco. "Estão contratando enchentes", resumiu Thieres Pinto.
Além das inundações, outros impactos elencados incluem o aumento exponencial da temperatura e contaminação da água.
O biológo Thieres participa de trabalhos em áreas chave para a conservação do meio ambiente. Percorreu todo o Ceará em expedições, explorando fauna e a flora nordestina. Hoje trabalha diretamente em projetos de criação reservas públicas e privadas visando a conservação de espécies ameaçadas.
As áreas, citadas como "diminutas" em alguns projetos, ganham uma proporção maior na visão dele. Não são simples pedaços de Fortaleza: integram um ecossistema. São peças de uma corrente. São caras, preciosas e até promissoras.
"Poderiam estar prestando serviços culturais. Pense no pessoal fazendo trilha, utilizando-as para atividade física, para todo tipo de atividade sócio ambiental, ou educativa, de pesquisa", lamentou ele, pensativo.
Para o vereador Gabriel Aguiar, essas alterações “farão toda a população, principalmente a mais pobre, pagar o alto custo da vulnerabilidade ambiental, com alagamentos e ondas de calor, para beneficiar interesses econômicos ocultos”.
A professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Clarissa Freitas, trabalha há 30 anos com projetos de economia política da urbanização e o projeto urbanístico. Contribuiu, ao longo da carreira, com os movimentos sociais urbanos pelo Direito à Cidade e ao meio ambiente em Fortaleza.
Ela disse ser frequentemente contatada para mapear projetos de lei ou para dar opinião sobre a exclusão de áreas verdes. "Todos os gestores fazem isso. É um problema mundial, ocorre em Chicago, Bangladesh, Mongólia. Nós não somos mais ou menos corruptos. Nós talvez tenhamos instituições mais fragilizadas", comentou.
Um dos pontos frisados por Clarissa é a falta de transparência com que as aprovações, não apenas relacionadas às áreas verdes, mas como um todo, ocorrem. Após as eleições, esse cenário se intensifica, segundo ela.
"Essa coisa de ter menos visibilidade. Então são aprovadas a toque de caixa. Eu já fui abordada por vereador de Fortaleza. Ele falou sobre um projeto de interesse público, não tinha nada demais, quanto mais a gente divulgasse melhor. Mas, esse vereador disse 'vamos fazer tudo para passar esse projeto com rapidez para que as pessoas que sejam contrariadas não saibam'", disse a arquiteta.
Nas campanhas cearenses, explica, presenciou dois processos que envolvem a negociação de terras. Um seria o de clientelismo, no qual o político oferece um lote em ocupação ilegal para eleitores de baixa renda.
"Existe o caso também de terrenos com vocação para empreendimentos imobiliários de alta renda. Se são zonas ambientais, não pode construir. Então, o vereador precisa liberar para poder valorizar o terreno dele e construir", completou Clarissa.
O POVO+ recebeu relatos de que este segundo caso se faz presente nas negociações de terrenos de Fortaleza. Pelo menos uma área já estaria na mira de uma grande construtora do Ceará. A empresa teria negociado diretamente o lobby para a exclusão.
A mesma tese de interesses imobiliários foi citada por Thieres Pinto e Gabriel Aguiar. Na opinião do vereador, “todas essas reduções de áreas verdes atendem a interesses privados e escusos”.
“Não atendem à demanda da população, nem melhoram a Cidade em nenhum aspecto. São demandas particulares de redução de proteção ambiental para empreendimentos privados. Abomino essas mudanças no zoneamento. São irresponsáveis, inconsequentes, injustas e perigosas”, avalia.
Já Thieres focou na "estranheza" dos argumentos nas sessões. Nelas, vereadores comentaram do possível retorno econômico dos investimentos na regiões. Citaram como um benefício à sociedade. "E você não está vendo nenhuma dessas áreas sendo desafetada para fazer cojunto habitacional, por exemplo. Elas têm objetivo imobiliário", disse.
A justificativa do terreno "já degradado", para ele, seria uma evidência da falta de monitoramento do uso dos terrenos protegidos. Mais do que isso, citou como uma estratégia.
"Isso aí é uma praxe. Nós, dos movimentos ambientalistas e órgãos de conservação, sabemos que às vezes eles deixam ou promovem a ocupação nestes locais. O que faz um empreendimento ocupar uma zona protegida? É de se questionar. Depois, alegam que a área perdeu as características originais", disse.
E completou: "E mesmo assim a área não deixou de ter aquela importância, ela foi indevidamente degradada, mas segue fundamental para a cidade".
Uma semana depois da declaração do início da reportagem, em 10 de janeiro, o prefeito Evandro Leitão disse que a reavaliação das áreas já estava ocorrendo dentro da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente. Reforçou, no entanto, não estar "firmando compromisso de revogar".
A reportagem procurou a Seuma. O titular da pasta, João Vicente Leitão, se pronunciou por meio da assessoria da Prefeitura.
Foi informado que a demanda está sendo analisada no setor jurídico e técnico da Secretaria. O foco são os três projetos sancionados por Sarto.
A avaliação jurídica trará um parecer sobre "os impactos que uma nova lei traz, além dos mecanismos jurídicos para desfazer as exclusões, uma por uma". Os resultados do estudo estavam previstos para a segunda-feira, 13 de janeiro. O POVO+ questionou a Prefeitura sobre o retorno. Ainda não houve resposta. Não há prazo para o parecer técnico.
As informações jurídicas serão apresentadas à Procuradoria Geral do Município e, só então, ao prefeito Evandro. "Estamos trabalhando no sentido de avaliar a possibilidade de revogar. Esse assunto será tratado com prioridade pela Prefeitura", informou a assessoria.
O caminho não é tão simples e nem rápido. As leis sancionadas precisam ser substituídas por novas leis, que derrubem as antigas ou criem zonas ambientais novamente nos locais incialmente protegidos, mas excluídos no ano passado.
As demais matérias não foram sancionadas, mas já ganharam aprovação da Câmara. O prefeito precisa enviar uma mensagem de revogação para os vereadores votarem e articular sua base governista para a derrubada das aprovações.
Uma das complicações está na própria composição da base. Evandro firmou um entendimento com vereadores do PDT e outros aliados de Sarto. Ou seja, o prefeito precisará articular para que os mesmos que votaram pela exclusão, aprovem o veto dele.
Até mesmo alguns dos autores das medidas estão com Evandro, como Adail Júnior (PDT) e Luciano Girão (PDT). Ambos foram procurados pela reportagem. Questionou-se a posição deles nesta nova configuração de governo e se votariam pela derrubada dos projetos que eles mesmos propuseram. Não houve retorno até o momento.
A negociação será intensa. Existe um fluxo a ser obedecido: após concluído o trâmite da matéria na Câmara, o presidente dá ciência ao chefe do executivo, que tem um prazo para sancionar ou vetar a matéria. Se sancionar, faz a publicação; se vetar, a matéria é devolvida para a Câmara para análise do veto.
Se o prazo correr sem manifestação do executivo, o presidente da Câmara pode promulgar a matéria independente da concordância do prefeito.
Diferente das demais espécies legislativas, a emenda, a lei orgânica, o decreto legislativo e a resolução são promulgadas e publicadas diretamente pelo presidente da Câmara, sem necessidade de sanção do prefeito.
Uma "prévia" do que pode acontecer na votação das áreas verdes pôde ser assistida na sessão onde foi revogada a Taxa de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (TMRSU), conhecida como “taxa do lixo”.
Evandro mandou uma mensagem, com 21 emendas, que substitui a lei implementada em 2022. Duas foram aprovadas e todos os parlamentares foram favoráveis ao fim da cobrança, inclusive os que votaram pela aprovação dela.
Assim, há possibilidade de mudança de voto. No entanto, a reversão de áreas verdes afeta projetos criados pelos próprios parlamentares, conforme dito, o que quase anula as chances de uma votação unânime e até mesmo tranquila como a da taxa do lixo.
O POVO+ apurou que aliados esperam o parecer da Seuma. O indício é de que ainda não houve orientações sobre possíveis posições quanto à votação na Câmara.
A expectativa varia entre os parlamentares. Alguns estão mais otimistas da revogação. Outros "realmente não sabem" o que irá prevalecer: o critério técnico ou "os outros interesses". "Não sei qual será o método de análise do prefeito. Todas devem voltar a ser zonas ambientais, tendo em vista a emergência climática. Mas sabemos que há muitos interesses em jogo", disse uma vereadora de oposição.
A atuação de órgãos diretamente ligados à pasta ambiental, como Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), Secretaria da Infraestrutura (Seinf) e Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan, antigo Iplanfor), segundo o vereador Gabriel Aguiar (Psol), precisam ser acompanhados.
“A população sempre pode se engajar e quanto mais engajada estiver, melhor. Fiscalizar os órgãos, propor ideias e denunciar quando algo não for correto. Essa participação da população é fundamental para manter os governos no rumo correto”, frisa.
Questionado se o Plano Diretor pode ajudar a criar um equilíbrio entre desenvolvimento urbano e preservação ambiental, o vereador considera que “em tese”.
“O Plano Diretor serve para isso e traz consigo uma caixa de ferramentas importantes para a preservação ambiental. Contudo, se continuar sendo prática corriqueira da Câmara Municipal alterações irresponsáveis do macrozoneamento ambiental para interesses particulares, desprezando todas as dezenas de reuniões temáticas e territoriais, além de todo o estudo técnico empregado na formulação do PDPFor, cada dia esta lei será mais enfraquecida”, sinaliza.
E pontua: “O novo Plano Diretor será uma das maiores e mais desafiadoras missões da gestão Evandro e nós acompanharemos de perto esse debate”.
Nas últimas décadas, Fortaleza consolidou-se como uma metrópole cuja importância já extrapola as fronteiras nacionais — e o mercado imobiliário caminha junto à construção civil como fortes agentes nesse crescimento.
Na avaliação do presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon/CE), essa expansão da Capital “desafia constantemente a gestão urbana”: “E as mudanças no zoneamento são um reflexo da necessidade de adequação legislativa à ocupação já consolidada”.
No entanto, Dias observa que “é essencial que essas alterações sejam acompanhadas de um olhar cuidadoso, garantindo que o desenvolvimento urbano ocorra de forma sustentável, com infraestrutura adequada e preservação de áreas essenciais para a qualidade de vida”.
“Para o setor da construção civil, essas mudanças ampliam as possibilidades de novos empreendimentos e promovem a valorização das áreas, gerando empregos e movimentando a economia. Contudo, é fundamental que o crescimento desses bairros seja planejado, conciliando as demandas da população com a necessidade de equilíbrio ambiental e social”, explicita.
O empresário concorda que esse assunto esbarra na discussão em torno do Plano Diretor de Fortaleza e que esse será um desafio para a gestão municipal nos próximos anos.
“O Plano Diretor é a principal ferramenta de planejamento urbano da Cidade, e seu grande desafio é equilibrar o desenvolvimento econômico e habitacional com a preservação ambiental e a infraestrutura verde”, diz.
O presidente do Sinduscon/CE acredita que “um crescimento urbano sustentável deve prever áreas de lazer e qualidade de vida, sem deixar de atender às demandas de novos empreendimentos que acompanham o aumento populacional”.
“A construção civil tem práticas adotadas mais seguras nos últimos anos, mas é fundamental que o PDPFor estabeleça diretrizes mais claras para que esse equilíbrio seja garantido. Fortaleza tem um grande potencial de ser referência em urbanização sustentável, e o setor está disposto a contribuir para que isso aconteça”, afirma.
Patriolino avalia que as alterações no zoneamento são “reflexos diretos do crescimento de Fortaleza e da necessidade de atender à demanda crescente por empreendimentos habitacionais, comerciais e de serviços” e acredita que “o setor da construção civil tem um papel estratégico nesse processo, oferecendo soluções que acompanham as mudanças demográficas e econômicas”.
“No entanto, é importante destacar que o crescimento deve ser realizado de forma responsável e sustentável. Nosso objetivo como setor é atender a essas demandas de forma responsável, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população e para o desenvolvimento de uma Fortaleza mais inclusiva e estruturada”, finaliza.
Para a produção desta reportagem, O POVO+ realizou um levantamento de dados e trabalho investigativo com base em matérias d’O POVO e pesquisas no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL) da Câmara Municipal de Fortaleza (abas “Atividade legislativa” > Matérias legislativas), além de consultas ao Diário Oficial do município.
Depois de localizar e compilar na ferramenta Pinpoint os documentos que mostravam as áreas afetadas (na forma de coordenadas geográficas, endereços, mapas e/ou imagens digitalizadas), os dados foram planilhados para facilitar a visualização de cada projeto de lei (PLC) e seus detalhes — proponente, justificativas, quais as legislações alteradas, se foi sancionado, dentre outros. Para garantir a precisão da coleta, houve um trabalho de conferência e apuração.
Após a identificação desses locais, a ferramenta Google Earth foi utilizada para desenhar a geometria de cada um deles. Os desenhos gerados foram exportados em KML, convertidos para GeoJSON e carregados na plataforma de visualização de dados Flourish, onde o mapa foi criado e as demais informações a respeito de cada terreno foram adicionadas.
O POVO+ demandou a Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma) da segunda-feira, 6 de janeiro de 2025 àquinta-feira, 9. Foram solicitadas informações da reavaliação: quais os critérios, quem são os integrantes das equipes técnicas, além do prazo do parecer inicial.
A reportagem foi comunicada que a Prefeitura de Fotaleza estava à frente da demanda. A assessoria da gestão municipal respondeu com informações do secretário João Vicente Leitão.
As declarações do prefeito Evandro Leitão (PT) foram conseguidas em entrevistas coletivas pelo repórter de Política d’O POVO, Vítor Magalhães. O repórter setorista Guilherme Gonsalves, que cobre as principais votações na CMFor, também auxiliou na apuração.
Esta reportagem foi publicada em 16 de janeiro de 2025. No dia seguinte, 17, o prefeito Evandro Leitão (PT) anunciou o veto de uma das dezesseis áreas aqui mapeadas. Não houve infomação sobre as demais zonas excluídas. O anúncio ocorreu antes de uma publicação no Diário Oficial do Município (DOM). A medida foi tomada após a publicação do material do O POVO+, segundo a assessoria da Prefeitura Municipal.
O local em questão está situado no bairro Manoel Dias Branco. Segundo o biólogo Thieres Pinto, a área "era, originalmente, um ambiente dunar de vegetação psamófila (de áreas arenosas)".
A vegetação herbácea-arbustiva, explicou, é "capaz de gerir o processo de movimentação dunar e de amplificar a já enorme capacidade de retenção hídrica". "Zonas assim, quando modificadas e impermeabilizadas, poderão sofrer com inundações", disse o biólogo, em entrevista ao repórter d'O POVO, Guilherme Gonsalves.
A área integrava a Zona de Interesse Ambiental (ZIA) na Praia do Futuro. Os vereadores aprovaram a transformação em Zona de Ocupação Preferencial (ZOP 2). A mudança permite a "intensificação, dinamização e ocupação do solo", antes protegido.
Das 16 áreas, apenas três receberam sanção do ex-prefeito José Sarto (PDT). Evandro, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que está reavaliando este trio de medidas, em específico.
A zona no Manoel Dias Branco não está entre as sancionadas. No entanto, a exclusão recebeu aprovação da Câmara Municipal.
O projeto em questão é do vereador Luciano Girão (PDT). O plenário aprovou uma primeira versão da medida em maio de 2024, o que gerou grande repercussão negativa. A Câmara analisou a proposta e Girão chegou a retirar o projeto de tramitação, após comprovação de vegetação nativa no local por parte da imprensa.
Apesar de voltar atrás, Girão acabou por incluir a zona na gama de exclusões ambientais, ocorrida na sessão de 17 de dezembro de 2024. O veto representa uma discordância do atual prefeito Evandro com o projeto de lei aprovado pelo Legislativo.
O parecer do gestor será encaminhado para a Câmara Municipal e, novamente, votado pelos vereadores. A decisão legislativa é definitiva. Ou seja, o prefeito precisará articular a base dele para que aprovem o veto. Caso contrário, a área será excluída de zona ambiental.
A complicação, conforme explicado na reportagem, está neste ponto: a negociação. Luciano Girão, antes apoiador de Sarto, hoje está com Evandro. Não apenas ele. Boa parte dos que votaram pela retirada das áreas pulou para a base do prefeito eleito.
O veto de Evandro sinaliza o andamento da análise técnica das áreas excluídas. Estudos estão ocorrendo, segundo a Prefeitura, dentro da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma).
O POVO+ foi comunicado, no dia 10 de janeiro, que as zonas passariam por uma análise jurídica e técnica dentro da pasta. O parecer das equipes seria comunicado à Procuradoria Geral do Município e, só então, passaria ao prefeito.
Segundo informado, a revogação das medidas sancionadas seria tomada como prioridade. A tramitação na Seuma, no entanto, foi elencada como um fator que poderia dificultar a celeridade do andamento e de um provável veto. O parecer jurídico seria repassado já na segunda-feira, 13 de janeiro. Ou seja, apenas quatro dias separaram o resultado de estudo da decisão do prefeito. Houve celeridade.
Vereadores opositores, mas favoráveis ao veto, enxergam ainda o estudo técnico como um reforço da preservação das áreas. Cenário poderia facilitar a tramitação na Câmara e, assim, a aprovação do veto do prefeito.
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