No Ceará, 1,4% da população afirma já ter sido diagnosticada com autismo por algum profissional da saúde. A proporção, que corresponde a 126,6 mil pessoas, é a terceira maior do Brasil. O dado faz parte do Censo Demográfico 2022 e foi publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ontem, 23.
O Acre possui o maior percentual de diagnósticos de autismo na população, com 1,6%, seguido do Amapá, com 1,5%.
Conscientização sobre o Autismo: CONHEÇA demandas e serviços públicos de Fortaleza
Esta é a primeira edição do Censo que produz dados sobre diagnóstico de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). A pergunta “já foi diagnosticado(a) com autismo por algum profissional de saúde?” foi feita para uma amostra dos recenseados.
Apesar de também serem consideradas pessoas com deficiência pela lei brasileira, o resultado foi separado das outras dificuldades físicas e limitações mentais por questões metodológicas do questionário aplicado na população.
Cerca de 8,9% da população do Ceará tem algum tipo de deficiência física ou limitações mentais. Isso representa 766.728 pessoas. A proporção também ocupa o terceiro lugar entre as unidades da federação.
O Estado fica atrás apenas de Alagoas, que tem 9,6% da população com alguma deficiência, Piauí, com 9,3%, e empata com Pernambuco no terceiro lugar, com também 8,9% de residentes com deficiência.
Nessa categoria, são englobadas pessoas com dois anos ou mais de idade que têm muita dificuldade ou não conseguem realizar de modo algum atividades relacionadas aos quesitos considerados pela pesquisa: enxergar, ouvir, andar, funcionamento dos membros superiores e limitações mentais.
No Brasil, 14,4 milhões das 198,3 milhões de pessoas com dois anos ou mais de idade são pessoas com deficiência. Isso corresponde a 7,3% da população nacional nessa faixa etária.
Ao todo, aqueles que declararam ter recebido diagnóstico de TEA somam 2,4 milhões, correspondendo a 1,2% dos residentes do País.
LEIA TAMBÉM | Matrículas de educação especial triplicam em 10 anos no Ceará; maioria é de alunos autistas
O município de Pacujá, na região Norte do Ceará, tem a quarta maior proporção de pessoas com deficiência do Brasil. Dos 6.033 residentes com dois anos ou mais, 1.021 vivem com algum tipo de deficiência, o que representa 16,9% do total.
Malhada dos Bois, em Sergipe, Antônio Martins, no Rio Grande do Norte, e Novo Tiradentes, no Rio Grande do Sul, estão nos primeiros lugares do ranking, com 18,1%, 17,8% e 17,1% de prevalência de pessoas com deficiência na população com mais de dois anos, respectivamente.
O diagnóstico de autismo é mais prevalente entre a população de crianças. No Ceará, das 575.351 crianças de até quatro anos, 17.790 têm o diagnóstico, segundo o Censo. Isso representa 3,1% dessa população. Dos 5 aos 9 anos, 3,9% estão no espectro (23.486 de 609.873 crianças nessa faixa etária).
Ao contrário, as deficiências físicas e limitações mentais são mais presentes entre os idosos. Enquanto a prevalência das deficiências entre crianças e adolescentes de 2 a 14 anos é menor do que a do Estado, em 3%, entre pessoas de 60 anos ou mais ela chega a 25,2%.
Conforme o IBGE, é esperado que as limitações aumentem conforme a faixa etária da população. As diferenças entre os sexos também são percebidas nos dados. Em relação ao autismo, a população de homens tem mais diagnósticos do que a de mulheres. Já as deficiências físicas são mais prevalentes na população de mulheres do Estado.
VEJA MAIS | Abril Marrom: falta de dados pode comprometer políticas de prevenção a doenças oculares
Entre as deficiências, a mais comum é a dificuldade permanente para enxergar, mesmo usando óculos ou lentes de contato. É estimado que 442.212 residentes do Ceará tenham algum tipo de deficiência visual, 5,2% da população.
A segunda mais prevalente é a dificuldade permanente para andar ou subir degraus, mesmo usando prótese ou outro aparelho de auxílio, com 3,1% da população (262.768 pessoas).
Para Tati Sousa, 44, fundadora e presidente da Associação de Familiares e Amigos dos Autistas de Quixeramobim (AFAAQ) e mãe de uma criança autista, os números do Censo devem ajudar na busca por direitos.
“Com esses dados específicos, a gente consegue pelo menos planejar e buscar esses recursos. Antes da inclusão do TEA no Censo, a gente não tinha noção de quantas pessoas tinham no Brasil [com o diagnóstico]. Geralmente, as estimativas eram internacionais”, explica.
Depois do avanço na aceitação do transtorno entre as famílias e a disseminação de informações sobre diagnóstico e terapias, Tati afirma que o maior desafio é dar conta da demanda de casos, principalmente em cidades do Interior, como Quixeramobim.
“Depois que se abriu essa cortina, todo mundo busca. A demanda é tão grande que não tem profissionais suficientes para diagnosticar, principalmente pelo SUS, e para tratar também. Isso não é só no Ceará, é a nível nacional”, afirma.
Mestre em Políticas Públicas e pessoa com deficiência, Clemilda Santos Sousa ressalta que comunidades afastadas dos grandes centros urbanos enfrentam problemas de infraestrutura, como transporte adequado, educação inclusiva, atendimento em saúde e escassez de profissionais especializados, como intérprete de libras, cuidadores, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais.
O trabalho de cuidado das mães, também invisibilizado, sobrecarrega as principais cuidadoras das crianças e adolescentes com deficiência e autismo. “O autismo não é sinônimo só dessa questão de terapia, é sinônimo também de vulnerabilidade social. Porque tudo é muito caro, remédio, terapia que a mãe não pode pagar, alimentação daqueles que tem seletividade, às vezes, a mãe precisa sair do trabalho”, relata Tati.
Os dados do Censo Demográfico também devem influenciar na aplicação de leis, como a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, e a revisão da Lei de Cotas, conforme o advogado presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB Ceará, Emerson Damasceno.
“O Censo está escancarando como as desigualdades sociais afetam ainda mais as pessoas com deficiência. Os dados mostram exatamente onde nós estamos deixando de garantir a aplicação de direitos constitucionais e onde tem que melhorar muito”, afirma.