Represálias sofridas por ativistas ambientais do quilombo do Cumbe, em Aracati, no Ceará, foram incluídas em um relatório da ONG sueca SwedWatch. A pesquisa lançada no fim de abril relata ameaças a defensores dos direitos humanos em meio à expansão de empresas de energia renovável no Brasil, Honduras, Moçambique e Filipinas.
A comunidade quilombola e de pesca artesanal do Cumbe denuncia que foi prejudicada pelo parque eólico instalado no território há 17 anos.
Segundo ativistas que pediram anonimato ao dar entrevista para o relatório da ONG sueca, defensores que lideraram o processo de oposição ao empreendimento sofreram com perseguição e criminalização. Alguns dirigentes precisaram abandonar o território devido ao alto risco de retaliação.
Sem uma consulta prévia satisfatória antes da implantação, os moradores relatam que o parque eólico tem causado danos socioambientais, violações de direitos humanos, afetado o modo de vida, o território e o vínculo cultural da comunidade.
"Quando o parque eólico foi instalado, fomos apanhados de surpresa. A empresa veio e não mostrou qualquer respeito pelas pessoas que viviam na nossa comunidade. Quando um projeto desse porte chega, nos sentimos tão pequenos diante dele que parece que não temos poder”, disse a liderança anônima à pesquisa.
O POVO publicou denúncias realizadas pelos quilombolas na reportagem seriada sobre transição energética justa, veiculada em junho de 2024.
O relatório chama atenção para a sensação de insegurança de comunidades costeiras tradicionais frente ao planejamento da expansão da energia eólica.
"Não podemos construir um futuro verde às custas daqueles que são silenciados ou deslocados. A transição para a energia renovável não deve ocorrer à custa dos direitos humanos. Os defensores não são obstáculos — eles são aliados essenciais para garantir que isso seja justo, equitativo e sustentável", afirmou Alice Blondel, diretora da SwedWatch.
“É muito importante e fundamental a gente ter um caso emblemático como o do Cumbe para evidenciar as violações de direitos humanos que essas populações têm sofrido diante da produção de energia renovável”, disse Andréa Camurça, coordenadora de Incidência Política do Instituto Terramar, intermediador das lideranças do Cumbe com a ONG.
Andréa defendeu que os países europeus precisam repensar a ação de empresas e do setor de investimentos em outras nações. “A Europa precisa considerar a perspectiva colonialista que ainda se mantém”, afirmou.
Já o Brasil, conforme a coordenadora, não cumpre a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual é signatário. O instrumento prevê o direito de povos indígenas e comunidades tradicionais à consulta prévia, livre e informada de qualquer decisão que os afetem.
O relatório traz ainda o caso de defensores indígenas das comunidades de Tumandok, nas Filipinas, que foram supostamente ameaçados e mortos quando a polícia nacional e forças armadas invadiram o território após líderes comunitários criticarem um projeto de reservatório hídrico.
Já em Moçambique, defensores relatam ameaças, violação de liberdade de reunião e de participar de processos de tomada de decisão em relação ao planejamento do projeto hidrelétrico Mphanda Nkuwa.
Ativistas de Honduras chegaram a enfrentar intimidação legal ao criticar o projeto solar los Prados. Manifestantes teriam sido vigiados e submetidos a ações repressivas de forças de segurança, além de difamação na mídia.