Implantadas em maio de 2021 no Centro de Fortaleza, as chamadas Calçadas Vivas — extensões sinalizadas das calçadas tradicionais — foram criadas para ampliar o espaço e garantir mais segurança aos pedestres.
As intervenções ocorreram nas ruas Barão do Rio Branco, Floriano Peixoto e Assunção. Quatro anos depois, o projeto apresenta sinais de desgaste e frequentadores levantam dúvidas sobre sua eficácia.
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Na manhã de terça-feira, 1º, foi possível observar os trechos onde a iniciativa foi aplicada e problemas em comum foram identificados. As três vias apresentam pintura desgastada e cilindros de proteção danificados.
Na rua Barão do Rio Branco, o espaço também era pouco utilizado por quem caminha.“[Os pedestres] não usam muito, não. Em dias de chuva, por exemplo, não dá. Eles preferem vir por onde tem os toldos das lojas. E mesmo no sol, é bem raro ver pedestre usando essa faixa. Geralmente quem usa mais são os ambulantes”, comenta Álvaro Queiroz, 32, vendedor de uma das lojas da via.
É ainda possível ver, contudo, pedestres transitando na faixa durante as travessias entre os lados das ruas. A convivência entre diferentes modais, pedestres, bicicletas e motos, nas áreas ampliadas também tem gerado desconforto.
“Já tem calçada e ainda tomam mais esse espaço, os carros ficam quase sem nada pra passar. E quase nenhum pedestre usa elas, o que a gente vê mesmo é moto e bicicleta”, comenta José Aldo de Oliveira, 64.
O pedestre chegou a interromper a fala para dar passagem a uma motociclista que adentrou de forma irregular na faixa. Apesar disso, ele elogiou a redução de velocidade no local, que atualmente é de 30 km/h.
Na rua Floriano Peixoto, o militar José Alcir, de 56 anos, também critica a eficácia da intervenção.“Se você observar, você não vê ninguém andando. Ainda tem os ambulantes que colocam as barraquinhas, aí fica tudo bagunçado”, diz.
Já na rua Assunção, embora o espaço da Calçada Viva seja mais estreito, a situação de desgaste da pintura no chão e dos cilindros de proteção é semelhante. Contudo, para o professor e autor teatral Francisco Marques, 67, o espaço tem utilidade, especialmente nos momentos de maior movimento.
“As pessoas precisam de mais espaço para andar. Eu ando tranquilo, mas noto que as pessoas até usam, mas ainda têm medo. Porque no sábado, por exemplo, não se sabe se é faixa para bicicleta, moto ou para pedestre, de tão lotada. Precisa de mais fiscalização”, diz.
Conforme o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), estacionar sobre o passeio é infração grave, com multa de R$ 195,23 e 4 pontos na CNH. Já transitar veículos por essas áreas é infração gravíssima, com multa de R$ 293,47 e 7 pontos.
De acordo com a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Fortaleza, o número de frequentadores diários no Centro era de 350 mil em 2019, antes da implantação das Calçadas Vivas.
“Então havia a necessidade de alargar as calçadas para acomodar esse fluxo. Hoje, temos em torno de 190 mil pessoas. Considerando essa redução, o uso daquelas calçadas alargadas já não se justifica da mesma forma”, aponta.
O presidente da CDL relata que o projeto não foi executado de acordo com o que foi inicialmente discutido com os lojistas. “Ficou decidido que seriam mantidas duas faixas livres para o trânsito. A Barão do Rio Branco, por exemplo, é uma via de passagem importante, usada para cruzar o Centro. Hoje, em vez de duas faixas, ficou apenas uma”, destaca.
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Segundo Assis Cavalcante, uma reunião com a gestão municipal foi realizada na última semana. Uma das sugestões dadas pela CDL foi substituir as Calçadas Vivas por estacionamentos Zona Azul.
“O estacionamento no Centro custa, em média, R$ 10 por hora. No shopping, você paga R$ 8 e pode passar três, quatro horas. Com a Zona Azul, que é mais barata, atraímos mais pessoas para o Centro”, afirma.
De acordo com a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), a Prefeitura está avaliando um novo reordenamento viário para o Centro. A Praça do Ferreira, inclusive, deve passar por obras de requalificação."Outros pontos receberão recape e nova sinalização, buscando melhorar a segurança e a acessibilidade na região", disse.
Segundo a AMC, entre 2020 e 2024, foram registrados 2.350 acidentes de trânsito no Centro de Fortaleza, com um aumento de 22,2% em quatro anos. As vias com mais ocorrências em 2020 foram as avenidas Duque de Caxias e Dom Manuel. Já em 2024, Duque de Caxias e Rua Meton de Alencar lideraram.
Acidentes registrados no Centro (2020 - 2025)
2020 - 459
2021 - 428
2022 - 447
2023 - 455
2024 - 561
Na avenida Tristão Gonçalves, na altura do cruzamento com a rua Liberato Barroso, a movimentação no cruzamento é intensa: pedestres saem da estação do metrô ou do Terminal José de Alencar em direção aos comércios, outros seguem em direção à feira da Praça da Lagoinha.
No local está instalada desde 2021 a maior faixa de pedestres do Brasil, com 40 metros de extensão. A intervenção é acompanhada de placas que orientam os motoristas a reduzirem a velocidade para 30 km/h e alertam sobre o monitoramento por câmeras. Apesar das sinalizações, flagrantes de irregularidades ainda são frequentes.
Somente em cerca de uma hora na manhã de terça-feira, 1°, foi possível verificar pelo menos dois motociclistas avançando o sinal vermelho, um deles quase se chocando com um automóvel.
A vendedora ambulante Margarida Pereira trabalha há quase 40 anos no Centro e, há pelo menos 13 anos, passa todos os dias no cruzamento da Tristão Gonçalves. Ela relata a insegurança da passagem:
“Às vezes, eles veem o sinal fechado e querem avançar. Quando a gente vê, que os carros ‘já estão em cima’, e a gente tem que correr. Motoqueiro, então, não respeita de jeito nenhum. A gente que é idoso não consegue ficar correndo pra atravessar”, desabafa.
No local, também é possível ver que as pinturas da faixa de pedestres e da Esquina Segura — alargamento da calçada para reduzir o estacionamento e facilitar a travessia de pedestres — estão desgastadas. Alguns dos cilindros protetores também estão completamente destruídos.
De acordo com a AMC, o órgão irá avaliar a necessidade de instalar um equipamento de fiscalização eletrônica para garantir maior segurança na região.