Sob o olhar atento dos alunos, as pinturas decorativas do Salão Azul, da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (Eaotps), localizada no bairro Jacarecanga, em Fortaleza, estão passando por processos cuidadosos de conservação e restauração. A intervenção começou no dia 23 de junho e segue até 1º de agosto.
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A fase de reintegração pictórica das paredes do salão, é a conclusão da ação de restauração iniciada em 2024. O trabalho é realizado por 15 alunos, do Curso de Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais - Pinturas Parietais, com carga horária de 120 horas. A escola possui cursos de: conservação e restauração, gravura e artesanato.
As pinturas parietais do Palacete Thomaz Pompeu Sobrinho são originais do período da construção e possuem temas florais e outras pinturas finas que simulam madeira e mármore.
A escola é um equipamento da Rede Pública de Espaços e Equipamentos Culturais do Estado do Ceará (Rece), da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) e gerido pelo Instituto Dragão do Mar (IDM).
A escola desenvolve ações pedagógicas com o intuito de contribuir para as políticas públicas de promoção, preservação e valorização do patrimônio histórico e cultural material e imaterial do Ceará.
A coordenadora pedagógica da instituição, Francineide Chaves, explica que a ação foi retomada após o início em 2024.
“A professora montou os estênceis das pinturas para que os alunos possam trabalhar em cima disso. E ele protege para que as coisas não saiam para outro local. A pintura fica perfeita”.
O estêncil é um molde vazado que permite a aplicação de tinta ou outros materiais em uma superfície para criar um desenho, padrão ou texto. É uma técnica versátil usada em diversas áreas, como arte, decoração, artesanato e até mesmo na produção em massa de objetos.
Segundo ela, o curso de pinturas parietais surgiu em 2006, após uma outra formação de conservação de edificações históricas e artísticas. “Era um curso de 1.050 horas, onde os alunos faziam pintura, alvenaria e marcenaria”.
Conforme Francineide, nem em todos os anos o curso de restauração é ofertado. A razão seria porque a escola precisa estar alinhada com a agenda da Secult e do IDM.
Questionada sobre a importância da ação, Francineide afirma que é a “preservação da memória”.
“É a gente saber a origem das nossas coisas, das pessoas, como começaram os bailes e quando a aristocracia cearense veio para este bairro (...) Preservar esse casarão, é preservar uma parte da história do bairro Jacarecanga e de Fortaleza”, afirma a coordenadora. Ela cita como exemplo de preservação o Cineteatro São Luiz.
Camila Monte, conservadora e restauradora, é quem ministra as aulas do curso na escola. Ela explica que todas as pinturas do Salão Azul estão sendo restauradas. “Temos o roda teto, roda meio e a imitação de lambri”.
As turmas passadas fizeram o trabalho de remover todo tipo de intervenção feita no local. Agora, a nova equipe está realizando o acabamento, utilizando a resina acrílica
Elas são aplicadas em diversas superfícies e materiais como madeira, pedra, cerâmica, vidro e até mesmo fósseis.','nm_citno':'Paraloid','width':'180','height':120,'cd_tetag':'103082','align':'Left','js-changed':'1','id_tetag_tipo':7}">
Paraloid
Marca de resina acrílica termoplástica, sendo o Paraloid B-72 um dos mais conhecidos e utilizados em conservação e restauração de obras de arte. Essas resinas são conhecidas por sua durabilidade, transparência e capacidade de formar filmes protetores.
Elas são aplicadas em diversas superfícies e materiais como madeira, pedra, cerâmica, vidro e até mesmo fósseis.
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“Por mais que a gente utilize nessas intervenções tintas de soluções aquosas, como a aquarela, por exemplo, é importante [utilizar a Paraloid] porque é uma tinta de fácil reversão”, explica.
Camila esclarece que a resina é posta sobre a pintura original e o trabalho é feito por cima. Assim, a intervenção não tem contato direto com o trabalho primário.
Após todo o trabalho de restauração, é feita uma manutenção chamada pela restauradora de “Conservação Preventiva”.
"A gente tem que estar atento à condição climática do ambiente, se ele tem muita umidade, se estão aparecendo fluorescências Por conta da maresia, manchas brancas, chamadas de fluorescência, surgem nas paredes. ". Por ser feita de estuque, a parede começa a “expulsar” os sais presentes com o decorrer do tempo.
Segundo Camila, a Paraloid costuma durar em média 200 anos. Sendo assim, a pintura original fica preservada e uma restauração só seria necessária a cada cinco ou dez anos. "Por um bem estético a gente faz uma manutenção nessa camada interventiva de cima, né? Dando um retoque aqui, outro ali, quando necessário", acrescenta.
Sobre a importância da ação, Camila responde: “Era um reduto de famílias abastadas. Era comum você encontrar casas com várias pinturas artísticas, mas que foram se perdendo com o tempo, porque a gente vai derrubando tudo. E aqui ainda preservado integralmente assim, todas as pinturas, todos os ambientes têm pelo menos alguma memória”, declara.
“É uma janela da memória. Então é a preservação dessa memória, da identidade de uma época que a gente viveu e que foi embora. E se a gente não tiver esses registros, não tem como você saber visualmente. E a escola é muito comprometida com essa preservação da história da gente", conclui.
Aluna do curso, a arquiteta e urbanista Tayane Alcântara, conta que conheceu as aulas durante a faculdade. Por conta dos períodos finais na época, acabou não conseguindo participar da formação.
“Desde 2023 eu queria fazer o curso de pinturas parietais, porque tem muito a ver com arquitetura. Eu também gosto muito de telas, que vai ter [nas aulas] eventualmente”.
Para ela, a importância da iniciativa é sobre preservar um equipamento tombado. “Se você não tiver essa conservação, esses equipamentos não podem ser abertos e funcionais (...) é bom para as pessoas entenderem como é importante a conservação desses espaços”.
Já a aluna de artes visuais, Taiz Lima, relata que conheceu a escola através das redes sociais, pela divulgação dos cursos e trabalhos de restauração.
“Tá sendo muito legal. A escola é o lugar onde a gente tem a primeira referência do restauro, né? É importante para manter esse espaço vivo a outras pessoas”.