Em meio a plantações de bananeira e o vai e vem da vida cotidiana na comunidade quilombola da Serra do Evaristo, em Baturité, a 98 km de Fortaleza, um pedaço da história do Brasil começa a emergir do solo. Isso porque 10 urnas funerárias indígenas, além de outros materiais, foram encontradas durante escavações arqueológicas na região.
A pesquisa, coordenada pelo arqueólogo cearense Vinícius Franco, revelou que os materiais remontam ao ano 1400. Ou seja, ao menos um século antes da chegada dos colonizadores europeus ao Brasil.
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“Até agora, temos 10 urnas. Acredito que sete estão inteiras, e três foram encontradas já bastante quebradas, ainda no campo”, explica Vinícius, que é mestre em Arqueologia pelo Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fundador do Instituto Tembetá, entidade localizada em Fortaleza que pesquisa e guarda artefatos arqueológicos.
Dentro das urnas já foram encontrados fragmentos ósseos e dentes. Também foram achados diversos artefatos em superfície, como fragmentos cerâmicos, machados polidos e fusos usados para fiar algodão. As análises preliminares indicam que a região pode ter sido ocupada por indígenas da Tradição Aratu.
“Se isso for confirmado, essa seria a ocupação mais setentrional [ao norte] da Tradição Aratu. Ela começa em Aratu, na Bahia, mas já foi identificada também no Tocantins, Goiás, Pernambuco, outros estados do Nordeste e até no Sudeste. É uma cultura mais antiga que a Tupi, por exemplo”, destaca o pesquisador.
As descobertas podem ajudar a expandir o conhecimento sobre as antigas ocupações humanas no Nordeste. “Podemos descobrir muita coisa, como doenças, hábitos alimentares, densidade populacional, padrões de ocupação”, afirma.
Os primeiros achados arqueológicos na comunidade quilombola da Serra do Evaristo foram oficialmente localizados em 2012. À época, foram encontrados fragmentos cerâmicos e até restos humanos. Esses achados motivaram a criação do Museu Comunitário Serra do Evaristo.
Segundo o arqueólogo, o solo da região é constantemente revolvido pelo cultivo da banana — forte atividade econômica da comunidade quilombola — e isso acaba trazendo à superfície materiais antes enterrados. Mas essa mesma atividade também é uma das principais ameaças à preservação dos vestígios.
Por isso, todo o material encontrado passa por um processo cuidadoso de higienização, catalogação e até 15 tipos diferentes de análise, que variam conforme o tipo de vestígio. O objetivo é identificar sua data de origem, forma original e possível utilidade.
O pesquisador Vinícius Franco conta que, durante seu mestrado, já estudava materiais arqueológicos da Serra do Evaristo que haviam sido previamente escavados. No entanto, em 2018, parte desse acervo foi destruída no incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, comprometendo sua pesquisa.
Mesmo diante da perda, no doutorado ele optou por retornar ao Ceará para conduzir suas próprias escavações na região. A nova etapa da pesquisa foi iniciada em março de 2025 e deve seguir até setembro.
Os estudos vêm sendo conduzidos com o envolvimento direto da comunidade. Seis jovens locais integram oficialmente o projeto, recebendo bolsas, e outros moradores e pesquisadores participam de forma voluntária. No total, entre 15 e 20 pessoas atuam nas escavações.
Vinícius Franco espera que as escavações possam gerar resultados positivos para a comunidade da Serra do Evaristo. “Essa é uma história muito rica. Ela precisa chegar até a população, pois contribui historicamente, socialmente e até economicamente. Pode gerar turismo e promover desenvolvimento local”, destaca.
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A pesquisa conta com o financiamento do Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da National Geographic.
As urnas e demais peças serão mantidas temporariamente no Instituto Tembetá, em Fortaleza, onde estão sendo restauradas e estudadas. Após o fim dos procedimentos, a previsão é que o acervo retorne à comunidade, que dispõe do Museu Comunitário Serra do Evaristo.