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Chacina do Curió: julgamento de PMs começa com depoimentos de sobreviventes
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Chacina do Curió: julgamento de PMs começa com depoimentos de sobreviventes

Sete réus são julgados no 4º júri do crime que deixou 11 pessoas mortas e sete feridas em fevereiro de 2015. A nova etapa teve início nesta segunda-feira, 25, no Fórum Clóvis Beviláqua
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MÃES das vítimas pediram justiça antes do início do julgamento (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA MÃES das vítimas pediram justiça antes do início do julgamento

Após uma década do crime, o quarto e penúltimo julgamento da Chacina do Curió começou nessa segunda-feira, 25, com os depoimentos das vítimas sobreviventes. A nova etapa julga sete policiais militares acusados de omissão no massacre que deixou 11 mortos e sete feridos entre os dias 11 e 12 de fevereiro de 2015. A expectativa é que o júri se estenda por toda esta semana. 

O julgamento ocorre no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, e reúne os representantes de acusação, como o Ministério Público do Ceará (MPCE), e advogados de defesa. Estão sendo julgados nesta etapa os PMs Daniel Fernandes da Silva, Gildásio Alves da Silva, Luis Fernando de Freitas Barroso, Farlley Diogo de Oliveira, Renne Diego Marques, Francisco Flávio de Sousa e Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa.

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Nas primeiras horas da manhã do quarto julgamento, a entrada do Fórum reuniu, mais uma vez, as mães e demais familiares das vítimas do crime e demais membros dos movimentos  “11 do Cúrio” e “Mães do Cúrio”. O encontro com falas e abraços de apoio foi para reafirmar o pedido de justiça e a condenação dos envolvidos no massacre.  

A expectativa por justiça é unânime entre elas, apesar de não trazer os filhos e outros familiares vítimas do massacre de volta, as mães pedem por um resultado condenatório. Edna Carla Cavalcante, mãe de Álef Souza Cavalcante, de 17 anos, uma das vítimas da matança, comenta os dez anos da chacina e os impactos que o crime causou.

“Dez anos de noites mal dormidas. Hoje, eu sou pré-diabética, sou hipertensa. Nós estamos adoecidas, adoecidas porque na data comemorativa nós não temos os nossos filhos. A gente não queria também estar aqui fazendo justiça com a polícia se eles não tivessem matado nossos filhos”, disse Edna.

Por volta das 9h30min, a sessão de julgamento foi instalada e os jurados sorteados no fim da manhã. Dos 50 convidados para compor o Conselho de Sentença, sete foram sorteados. O julgamento, em seguida, seguiu para a leitura da denúncia do MPCE e depois foram ouvidas as vítimas sobreviventes.

De acordo com o procurador-geral de Justiça, Haley Carvalho, os réus estão incluídos no ‘Núcleo de Omissão’, que inclui PMs que, conforme a denúncia e acusação do órgão, não cumpriram o dever de evitar crimes. Ele afirma que se os policiais a serem julgados tivessem cumprido as obrigações de um agente, os crimes provavelmente não teriam ocorrido da mesma forma.

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“Como agente de segurança, eles têm o dever de cuidado, o dever de evitar que os crimes ocorram. A partir do momento que eles se omitiram no dever, eles deram causa também aos resultados que ocorreram em fevereiro de 2015”, disse.

A acusação afirma que, através do depoimento de mais de 240 pessoas e a capturas de áudio de grupos e rádios transmissores das viaturas dos policiais, foi possível chegar a conclusão da omissão dos sete PMs.

Defesa afirma que não há provas de omissão

Em contrapartida às acusações do Ministério Público do Ceará (MPCE), a defesa de quatro réus afirma que o órgão busca um culpado e, por não conseguir, mira em tentar culpabilizar os policiais.

O advogado de defesa, Valmir Medeiros, e membro da Associação dos Profissionais da Segurança (APS), argumenta que a acusação do órgão ministerial não tem provas ou evidências concretas que liguem os réus aos crimes.

Representando a defesa de quatro réus acusados de omissão: Daniel Fernandes da Silva, Gildásio Alves da Silva, Luis Fernando de Freitas Barroso e Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa, o advogado afirma que os policiais estavam longe das localidades em que os crimes aconteceram, o que é confirmado pelo monitoramento da Ciops.

“Eles foram mandados para lá monitorados e estavam dentro de viaturas. Eles iam para onde a Ciops mandava. Os celulares deles foram apreendidos e não há conversas deles com nenhum matador. E eles foram para lá duas a três horas depois das mortes”, afirma o advogado de defesa.

Ainda segundo Valmir, o Ministério Público do Ceará aponta que os policiais se omitiram para que os outros matassem. “Mas se omitiram como? O Ministério Público podia ter mostrado quem matou, podia ter encontrado, não encontrou. A Justiça tem que condenar culpados e o Ministério Público está querendo condenar alguém”, pontua.

Outros três julgamentos condenaram seis PMs; 14 foram absolvidos

Dos 30 policiais no processo, 20 se sentaram no banco dos réus e foram julgados em outras três sessões do júri. Seis foram condenados e 14 foram absolvidos. Ao todo, os julgamentos somaram 214 horas e 30 minutos, sendo consideradas as mais extensas do Judiciário estadual.

O primeiro júri aconteceu em 20 de junho de 2023 e resultou na condenação de quatro réus. O segundo julgamento ocorreu dois meses depois, no dia 29 de agosto. Nessa etapa, oito policiais militares foram absolvidos por negativa de autoria.

Ainda em 2023, entre os dias 12 e 16 de setembro, o terceiro julgamento resultou na procedência parcial da denúncia com condenação, desclassificação e absolvição. Também houve recurso contra a sentença. O quinto julgamento está marcado para o próximo dia 22 de setembro. Vão a júri popular outros três réus.

Confira imagens do primeiro dia do 4º julgamento:

Nova fase do julgamento do chacina do Curió, no Fórum Clovis Beviláqua, aconteceu nesta segunda-feira, 25
Nova fase do julgamento do chacina do Curió, no Fórum Clovis Beviláqua, aconteceu nesta segunda-feira, 25

"Colocaram a arma na minha boca", descreve sobrevivente durante julgamento

Um metalúrgico de 28 anos prestou depoimento como vítima de tortura mental no caso da Chacina do Curió, nessa segunda-feira, 25, primeiro dia do 4º julgamento no fórum Clóvis Beviláqua, na Capital. O processo foi desmembrado e, nesta etapa, sete novos réus são julgados pelo Conselho de Sentença (jurados) da 1ª Vara do Júri de Fortaleza.

A vítima sobrevivente tinha 18 anos no período da chacina do Curió e estava na casa da namorada. Ele afirma que foi para a casa da namorada, no dia da matança, pois estava assustado com a movimentação policial, após a morte de um agente de segurança.

O rapaz descreve que saiu da casa para observar as aeronaves que sobrevoavam o local, e que presenciou dois automóveis descaracterizados e uma viatura caracterizada, além de uma motocicleta, todos juntos como um comboio.

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Ele disse que o motociclista passou por ele e o encarou, em seguida uma viatura da Polícia Militar foi até o local e mandou que as pessoas entrassem para as suas casas.

Em seguida, segundo ele, pessoas que ocupavam carros descaracterizados e se diziam agentes de segurança da Coordenadoria de Inteligência (Coin) solicitaram entrada na residência onde a vítima estava. "Colocaram a arma na minha boca, me colocaram de joelho de costas", afirma.

O rapaz relata que foi interrogado de maneira informal e foi solicitado o desbloqueio do aparelho celular. Após desbloquear, os homens acessaram suas mensagens pessoais e verificaram a mensagem de um outro rapaz afirmando que "o reservado estava na área".

Os homens indagavam se a vítima conhecia um indivíduo de nome Curió, que era morador da mesma rua que a vítima. Ele descreveu ainda que indicou a casa de Curió e explicou que ele havia sido preso uma semana antes. Os policiais foram até a casa do indivíduo e constataram que Curió estava preso.

A vítima afirmou que foi levada no carro descaracterizado e que o veículo ficou parado em uma praça. Ele ficou dentro do automóvel. Em seguida foi levado para a delegacia do 16º Distrito Policial.

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Durante o caminho ele afirma que era ameaçado e ao passar por um local onde havia um cadáver, ele ouviu dos policiais que se não colaborasse aquele seria o destino: a morte.

Ele afirma que ao chegar na delegacia, um policial militar o fotografou e que em seguida o liberaram.

Ele ainda descreveu ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) que ficou com medo de ir embora sozinho ou acompanhado da mãe e que solicitou que os policiais o deixassem em casa, por se sentir mais seguro. Por volta das 3 horas da madrugada os homens o deixaram na residência.

"Só pedia a Deus para voltar para casa, pois não tinha cometido nenhum crime. Hoje eu acho que a qualquer momento vai acontecer algo comigo", relatou durante o depoimento.

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