Envolvida com políticos e em diversos negócios lícitos e ilícitos, a facção Comando Vermelho (CV) está mais organizada, melhor armada e mais capitalizada que as organizações criminosas rivais, aponta um relatório elaborado em 19 de agosto passado pelo Núcleo de Inteligência Policial (NUIP), do Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRCO).
Com isso, “muito em breve”, o CV deve assumir “o controle total de Fortaleza/CE e dos principais municípios do Estado do Ceará”, diz o Relatório Técnico nº 154/2025/DRACO/DRCO/PCCE, ao qual O POVO teve acesso.
Conforme o relatório: “Nos conflitos que estão acontecendo, o Comando Vermelho - CV está levando vantagem devido a seu nível de organização, o fluxo de armas de fogo de grosso calibre e as grandes quantidades de drogas que chegam ao Estado por diferentes canais, com suas principais lideranças apresentando-se intocáveis nas Comunidades do Rio de Janeiro/RJ, como a Rocinha, e muito em breve assumirá o controle total de Fortaleza/CE e dos principais municípios do Estado do Ceará, pois já estão inseridos na política; nos serviços de internet; aplicativos de transporte de passageiros; setor de combustíveis; golpes virtuais; jogos regulamentados (Bets) e clandestinos; bebidas e cigarros falsificados; além dos serviços prestados dentro e fora dos portos e aeroportos”.
O relatório faz parte do inquérito policial que levou à prisão de José Roberto de Sousa Severo, conhecido como “Jogador” ou “Imperador”, de 41 anos. Conforme investigação da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), José Roberto era uma das principais lideranças do CV ainda em liberdade.
Ele agiria nas comunidades dos Cocos e Caça e Pesca, localizadas no bairro Praia do Futuro II, em Fortaleza; e no distrito de Taíba, em São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza.
José Roberto foi preso na quarta-feira, 20, em São Gonçalo do Amarante por policiais civis da Draco. Na ação, também foi preso Alex Sousa da Silva, conhecido como “Pit”, de 37 anos, que seria “braço direito” de José Roberto.
O relatório do Nuip afirma que José Roberto já exerce atividades criminosas há quase 20 anos. Em 2006, o nome dele foi citado em um depoimento tomado no âmbito de um inquérito que investigava um caso de homicídio na Praia do Futuro II.
Em 2020, José Roberto foi preso já sob a suspeita de que ele chefiava o CV na região. Como O POVO mostrou na época, ele era investigado por ordenar a expulsão de cerca de 60 famílias das comunidades dos Cocos e Luxou. A defesa de José Roberto negava a acusação. Em 2023, ele obteve liberdade.
Atualmente, conforme a Draco, José Roberto passou a patrocinar o conflito existente no bairro Vicente Pinzón entre CV e GDE. Como O POVO tem mostrado desde o final de junho, o Vicente Pinzón tinha hegemonia da GDE, mas diversos integrantes da facção decidiram “pular” para o CV, dando início a uma guerra que já deixou mais de 10 mortos.
“IMPERADOR tem sido o responsável por fomentar o tráfico de drogas e por decretar/ordenar a morte de faccionados rivais, bem como de criminosos/viciados que contraem dívidas e não pagam ou que cometam atos que vão de encontro ao estatuto da ORCRIM (organização criminosa)”, também consta no relatório do Nuip. “É responsável também pela expulsão de moradores dos bairros e localidades repetidamente citados”.
Em nota, a defesa de José Roberto, realizada pelos advogados Marcos Igor Morais Ponte e Raymundo Nonato da Silva Filho, informou que se manifestará nos autos do processo "em momento oportuno", já que o caso é de "grande complexidade" e que "ainda precisa ser examinado com a devida cautela".
"Os advogados Dr. Marcos Igor Morais Ponte e Dr. Raymundo Nonato da Silva Filho reafirmam sua total confiança na inocência do cliente e acreditam que, no decorrer da instrução, os fatos serão esclarecidos e a verdade prevalecerá, conduzindo à elucidação do caso".
O Relatório Técnico nº 154/2025/DRACO/DRCO/PCCE também destaca que, atualmente, o CV conseguiu expulsar as facções rivais de todas as comunidades da Praia do Futuro II — no bairro, já aturaram Guardiões do Estado (GDE) e Primeiro Comando da Capital (PCC).
O CV também tem hegemonia em São Gonçalo do Amarante, incluindo na região do Porto do Pecém, e, com a disputa com a GDE no Grande Vicente Pinzón, ainda quer controlar o entorno do Porto do Mucuripe.
O controle dessas áreas, de acordo com a Draco, faz parte do desejo do CV em expandir os seus negócios “também a nível nacional, devido à localização estratégica dos portos cearenses com a Europa e os Estados Unidos”.
Levantamento feito pela especializada mostra a presença do CV já em dois territórios do Vicente Pinzón, antes, até então, dominados pela GDE. Confira abaixo:
O avanço do CV também foi registrado no bairro Papicu, em comunidades como a dos Índios, da Verdes Mares e do Pau Fininho. O POVO mostrou na sexta-feira, 22, que vídeos compartilhados em redes sociais mostram diversas pichações alusivas ao CV nessas comunidades, que, até então, tinham a presença da GDE.
Essa suposta mudança de “bandeiras” motivou um duplo assassinato na própria sexta, 22. Na ocasião, foram mortos: Francisco Bruno Felipe de Oliveira, o Bruno Gordão, de 36 anos, e a esposa dele, Geane Xavier de Almeida, de 42 anos, que estava grávida.
Conforme investigação da 10ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (10ª DHPP), Francisco Bruno era um dos “frentes” da GDE na comunidade dos Índios, mas decidiu tornar-se membro do CV.
Seus antigos aliados não teriam concordado com a mudança e, então, decidiram matá-lo. Quatro suspeitos do crime foram presos pela Polícia Civil.
O CV também avançou recentemente em outras regiões de Fortaleza. Como o colunista do O POVO Demitri Túlio mostrou em 9 de agosto passado, na comunidade do Alto da Paz, localizada no bairro Bom Jardim, foi registrada uma festa em alusão ao domínio da facção carioca na região.
O chefe da GDE no local, identificado como Garoto, “rasgou a camisa” da facção mesmo recolhido a um presídio e passou a integrar o CV. Com isso, todas as comunidades do Bom Jardim são dominadas pelo CV — a exceção seria a comunidade conhecida como Zé do Caldo, onde CV e GDE ainda travam conflito.
Conforme a iniciativa Mapa Cearense, que se dedica a identificar os locais que registram atuação de facções criminosas no Ceará, o CV é o grupo mais presente em comunidades de todo o Estado.
A facção carioca age em 1.419 territórios, aponta o levantamento, enquanto a GDE atua em 628 localidades. Já o PCC foi identificado em 231 localidades, a Massa Carcerária em 210, o Terceiro Comando Puro (TCP) em 34 e a Nova Okaida (NKD) em uma.
Além de perder faccionados para o CV, a GDE também viu vários de seus integrantes deixarem o grupo e passar a fazer parte da Massa e do TCP. Com isso, deixou de atuar em regiões como o bairro Conjunto Palmeiras, diversos residenciais do bairro Jangurussu e municípios como São João do Jaguaribe, no Vale do Jaguaribe.