A derrubada de 32 hectares de área de mata ao lado Aeroporto Internacional de Fortaleza, ocorreu antes da revisão de documentos solicitada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A documentação para autorização de desmatamento na região, onde será construído o centro logístico do aeroporto, ainda estava sendo avaliada pelo Ibama quando a remoção das árvores aconteceu.
A informação foi dada pelo superintendente do órgão no Ceará, Deodato Ramalho, em entrevista ao O POVO nesta terça-feira, 23. Segundo ele, o Ibama foi surpreendido pela derrubada, já que as documentações apresentadas pela Aerotrópolis Empreendimentos, construtora do centro logístico, e a Fraport, responsável pelo espaço em torno do aeroporto, ainda estavam sob avaliação.
“Foi com muita surpresa que vimos essa questão ontem porque a empresa não esperou, já que estava notificada para prestar esses esclarecimentos, e ao que consta ela prestou esses esclarecimentos, mas não houve uma decisão final do Ibama. Estamos agora mesmo correndo atrás para verificar o que de fato aconteceu”, explica Deodato.
Desde 2023, a Aerotrópolis possui uma autorização de supressão vegetal emitida pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), na qual a empresa se baseia para realizar a derrubada de árvores na Floresta do Aeroporto.
O laudo emitido pela Semace também descarta a necessidade autorização prévia do Ibama para intervenções da Aerotrópolis na floresta, com base em parecer N° 386/2015 do Ministério do Meio Ambiente, que dispensa a anuência do Instituto para ações em regiões urbanas ou metropolitanas.
Nesse caso, a Semace se vale de certificação emitida pela Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma), que atesta a adequação do projeto ao Plano Diretor Participativo (PDP) da cidade, elaborado em 2009 e atualmente sob revisão.
Entretanto, mesmo com a dispensa, o Instituto decidiu entrar com o pedido de avaliação dos documentos apresentados devido a denúncias de desrespeito à Lei da Mata Atlântica durante o licenciamento.
“Não somos órgão revisor. O Ibama não fiscaliza o que outros órgãos ambientais fazem. No entanto, diante de uma situação em que poderia ter havido equívoco, qualquer órgão ambiental que de fato tenha competência para fiscalização pode verificar aquela situação, promover embargo e autuação no eventual infrator”, acrescenta o superintendente.
A denúncia que chegou até o Ibama é movida peloo biólogo e vereador de Fortaleza, Gabriel Aguiar (Psol), conforme antecipado pelo colunista Carlos Mazza do O POVO. Segundo o parlamentar, a licença emitida pela Semace apresenta erros na tipificação da Floresta e não realizou os estudos prévios exigidos pela Lei da Mata Atlântica.
“A Semace copiou e colou o estudo feito pelo empresariado, não fez o estudo fitossociológico que é exigência legal e autorizou o desmatamento sem qualquer comprovação de campo de que a área estava em estágio inicial como foi dito. A nossa tese é que é um licenciamento ilegal e estamos acionando todas as autoridades para essa apuração”, disse Aguiar em entrevista à rádio O POVO CBN.
Confira entrevista na íntegra:
Essas irregularidades apontadas por Gabriel, tal qual a tipificação da floresta do aeroporto como mata inicial ao invés de média ou avançada, são parte da avaliação que estava sendo realizada pelo Ibama antes da supressão.
A obra poderá inclusive ser embargada, caso seja comprovado o erro no licenciamento por parte da Semace, conforme afirmou Deodato ao O POVO.
Questionada sobre a legitimidade da licença concedida para a Aerotrópolis, a Semace afirmou que todo o processo foi realizado “em conformidade com a legislação ambiental vigente”.
De acordo com a pasta, não há fragmentos florestais significativos no local do empreendimento, e toda a análise foi conduzida em conformidade com a Lei da Mata Atlântica, decreto 6.660/2008 e resolução n°25/1994 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
“O levantamento técnico realizado constatou que a área já apresentava histórico de intervenção humana, não podendo ser enquadrada como floresta primária. Além disso, não foram identificadas espécies ameaçadas de extinção na área autorizada para supressão”, pontua a Semace, que também indica o cumprimento de todas as exigências das legislações federal, estadual e municipal de meio ambiente.
Em nota, a Fraport Brasil informou que cumpre integralmente a legislação nas dimensões municipal, estadual e federal e que "buscou no mercado um parceiro de reconhecida capacidade para a construção e viabilidade de um amplo centro logístico".
"O avanço das obras só foi possível após a confirmação das autorizações em todas as etapas legais e ambientais. Após a apresentação dos estudos ambientais aos órgãos competentes, a constatação da legalidade e compensações exigidas, o empreendedor avançou com a supressão vegetal e etapas subsequentes do projeto. Caso houvesse algum impedimento legal, as obras não avançariam", indicou o informe.
A Fraport Brasil vem a público esclarecer informações a respeito do empreendimento logístico em construção na área pertencente ao sítio aeroportuário
A Fraport Brasil – Aeroporto de Fortaleza S/A, empresa brasileira concessionária do aeroporto de Fortaleza, com base no contrato de concessão com o Governo Federal, cumpre integralmente a legislação nas dimensões municipal, estadual e federal.
Responsável pela modernização, gestão e operação do aeroporto, a concessionária promove também o desenvolvimento das áreas localizadas no sítio aeroportuário com potencial para contribuição econômica e social para a cidade de Fortaleza e o estado do Ceará.
Com base nisso, buscou no mercado um parceiro de reconhecida capacidade para a construção e viabilidade de um amplo centro logístico, com potencial para se tornar um dos maiores complexos logísticos do nordeste brasileiro.
A partir da parceria, o empreendedor tornou-se responsável pela captação de investidores e parceiros que viabilizem o empreendimento, localizado dentro do sítio aeroportuário, incluindo todas as licenças e autorizações necessárias para a construção do complexo.
Além da geração de mais de 5 mil empregos diretos, o empreendimento gerará incremento na valorização do ativo aeroportuário, que seguirá mesmo após o término do contrato com a atual concessionária.
Importante reforçar que a tramitação dos processos de autorização para o empreendimento passa por diferentes etapas também junto ao poder concedente, devido à natureza e longevidade do empreendimento.
Estudos Ambientais e Legalidade
A Fraport Brasil tem como premissa o cumprimento das obrigações legais e exige o mesmo para todos os seus parceiros de negócio. Todo empreendimento passa por diferentes etapas de aprovação, sob diversos órgãos, tanto ligados à aeronáutica, devido à natureza da atividade aeroportuária, aviação civil, meio ambiente, entre outros.
A premissa para investimentos é de cumprir as etapas desse processo. O avanço das obras só foi possível após a confirmação das autorizações em todas as etapas legais e ambientais. Após a apresentação dos estudos ambientais aos órgãos competentes, a constatação da legalidade e compensações exigidas, o empreendedor avançou com a supressão vegetal e etapas subsequentes do projeto. Caso houvesse algum impedimento legal, as obras não avançariam.
Áreas protegidas x áreas disponíveis
Algumas áreas do sítio aeroportuário de Fortaleza são de proteção permanente e seguirão protegidas. Outras áreas que estão respaldadas legal e ambientalmente poderão ser disponibilizadas para viabilização de novos empreendimentos, a partir do cumprimento de todas as etapas de licenciamento e autorizações necessárias.
Por fim, a Fraport Brasil reforça o compromisso com a legalidade dos seus processos, assim como a contribuição com desenvolvimento de Fortaleza e do Estado do Ceará.
Além de toda a questão legal apresentada pelas partes, o desmatamento da Floresta do Aeroporto também eleva a discussão climática em Fortaleza. Com atuação no controle de temperaturas e prevenção de grandes enchentes, as florestas de mata atlântica são apontadas por especialistas como elementos de natureza essenciais e de preservação necessária nas grandes cidades.
Na Capital essa preocupação é redobrada, já que os pontos de Mata Atlântica remanescentes na cidade se restringem agora ao que sobrou da floresta do aeroporto e a algumas áreas do Parque Estadual do Cocó.
“Qualquer espécie de árvores, de florestas que ainda restam nos espaços urbanos, especialmente numa cidade quente como Fortaleza, nos causa sem dúvida nenhuma um grande prejuízo ao ecossistema. No caso de Mata Atlântica pior ainda, porque nós temos de fato uma área muito pequena no nosso município”, explica Deodato.
Outro problema que deverá surgir nos próximos dias é a intensificação da invasão dos animais silvestres que viviam na floresta do aeroporto aos espaços urbanos, já que o local onde eles moravam foi destruído.
“São árvores lenhosas, árvores que eles precisaram de máquinas, de motosserras. E qual o destino dessa madeira inteira? Desses animais? A gente recebe denúncias cotidianas de animais que são atropelados, animais silvestres que entram nas casas, aves silvestres, aves de rapina e não estranhamos seguir recebendo essas denúncias”, pontua Gabriel.
Executada a derrubada, a alternativa agora é de reflorestamento do espaço, o que ainda assim levaria alguns anos. Segundo Deodato, caso o Ibama ateste o erro no licenciamento e embargue a obra, Aerotrópolis e Fraport serão obrigadas a realizar o replantio de árvores típicas da Mata Atlântica cearense na região, além das punições legais.
Casos de desmatamento legais em regiões florestais, como Semace e Aerotrópolis afirmam ter feito, são permitidos pela legislação nacional. A própria Lei da Mata Atlântica permite a derrubada de árvores em áreas verdes, desde que respeitados uma série de quesitos.
O primeiro deles é a finalidade do desmatamento. Conforme o artigo 23 da norma, a remoção de árvores em áreas de Mata Atlântica pode ser realizada quando para o atendimento de demandas coletivas ou pesquisas científicas.
“As áreas de matas ciliares de rios são protegidas por lei. Só que para fazer uma ponte entre uma rua e outra, para atender uma coletividade, existe o que a gente chama de ‘função social da propriedade’ e você pode fazer aquela obra. Se eu pegar essa mesma obra para fazer um hotel ou casa de veraneio, eu não posso, porque ela não atende o princípio da utilidade pública”, explica o advogado ambientalista e doutor em Direito Ambiental Daniel Pagliuca.
Esse quesito de utilidade pública é um dos questionados na obra da floresta do aeroporto, já que o espaço está sendo desmatado para a construção de um centro logístico de cargas, e não para algo diretamente voltado à população.
Caso esta e outras irregularidades sejam comprovadas, é possível que a licença seja suspensa e os emissores responsabilizados judicialmente.
“Se há algum tipo de erro ou equívoco no processo ambiental por parte do órgão ambiental, tanto os funcionários que elaboram o relatório técnico podem ser responsabilizados penalmente quanto o próprio estudo e o licenciamento podem ser cassados”, conclui o também professor do Centro Universitário do Maciço do Baturité.
Atualizado às 21h11min
LEIA TAMBÉM: Arborização da ciclovia da Dom Luís começa nesta segunda-feira, 22