Trabalhadores da área de trânsito se reuniram no estacionamento da Arena Castelão, em Fortaleza, em uma manifestação contrária ao fim da obrigatoriedade de autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), na manhã desta quinta-feira, 23. A proposta, apresentada pelo Ministério dos Transportes, segue em consulta pública até o dia 2 de novembro.
No Nordeste, a mobilização aconteceu simultaneamente nos estados do Ceará, Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
O setor laboral do trânsito no Ceará é composto por mais de 5 mil empregos diretos, distribuídos entre 364 autoescolas em todo o Estado, conforme o Sindicato dos Instrutores de Veículos Automotores do Estado do Ceará (Sindivace).
A mobilização, em formato de carreta, contou com a participação de mil veículos e dois mil trabalhadores de todo o Estado, de acordo com o sindicato.
Em ofício encaminhado à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) durante o ato, a categoria argumenta que a proposta prevê a extinção dos empregos formais do setor e a transformação do serviço em atividade autônoma, operada por meio de plataformas digitais, semelhantes a aplicativos de transporte.
O texto ressalta a preocupação da categoria frente à possível publicação de uma nova resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), até 20 de novembro de 2025, alterando o processo de formação de condutores no Brasil.
O documento apresenta uma proposta alternativa de “modernização do processo de formação de condutores, reduzindo custos e desburocratizando etapas, mas preservando os empregos e a formação obrigatória”.
Entre as demandas solicitadas está o pedido por uma mediação institucional entre o Governo Federal e o setor laboral, coordenada pelo Governo do Estado do Ceará, além da reafirmação do compromisso do governo estadual com a retirada da possibilidade de instrutores autônomos em uma possível nova resolução do Contran.
Presidente do Sindivace, João Róseo Salgado Filho avalia que a minuta apresentada pelo Governo pode acarretar a demissão de pelo menos cinco mil profissionais do setor.
Sobre a redução de custos apresentada como principal argumento para o surgimento da proposta, ele reitera que a categoria não é contra o barateamento dos custos.
“Desses R$3 mil, 50% é de taxa. Ou seja, não é da autoescola. Isso caiu no colo das autoescolas, porque as autoescolas emitem o boleto do Estado para que o aluno pague essas taxas, mas essas taxas vão direto para o Estado, não é para as autoescolas”.
Instrutora de autoescola há cinco anos, Rafaela Saldanha, 43, foi uma das centenas de trabalhadoras do setor laboral do trânsito que compareceram à manifestação des. “Eu estou lutando não só pelo meu emprego, mas também por vidas”, afirmou.
De acordo com ela, a principal proposta da minuta apresentada pelo Ministério dos Transportes, que retira a exigência de carga horária mínima de 20 horas-aula práticas ofertadas nas autoescolas, representa um erro.
“Esse projeto diz que não tem números exatos de aulas. É um risco muito grande você pegar uma pessoa que não sabe dirigir e colocar para dirigir na estrada, nas pistas; em horário de pico ou em qualquer outro horário. Nós já temos um número imenso de acidentes e esses números vão aumentar”, pontua.
Segundo a proposta, o candidato poderá escolher como fará sua preparação: contratando um centro de formação de condutores ou um instrutor autônomo credenciado pelos Detrans. Isso permite adaptar a formação às necessidades de cada pessoa e reduzir custos, mantendo a obrigatoriedade de ser aprovado nos exames teórico e prático.
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Proprietário de duas autoescolas em Fortaleza, Ednardo Melo, de 41 anos, confessa preocupação com o afastamento do contato entre os condutores e a educação no trânsito.
“Na autoescola, é o único contato que o cidadão tem antes de ingressar no trânsito. Trazendo essa desobrigatoriedade, com certeza vai diminuir a demanda das autoescolas, essa falta de demanda vai gerar demissão em massa”, afirma.
O empresário argumenta ainda que “o trânsito brasileiro é altamente caótico, muito perigoso. A gente tem por volta de 40 mil mortos por ano no Brasil. Então, se você tira a autoescola como esse operador de educação no trânsito, vamos entregar a quem? À Uber? À uma plataforma de Educação à Distância?”.
Francisco Gleydson de Souza, 46, veio da cidade de Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), para participar da manifestação. Instrutor de autoescola desde 2007, classifica o ato como uma iniciativa necessária para possibilitar um diálogo com o Ministério dos Transportes.
“Essa manifestação se faz necessária pela falta do diálogo junto ao Ministério. Porque, na verdade, não é uma proposta, ele tá querendo exigir, sem ver a questão de uma banca para a gente sentar e conversar. E não é só a questão das autoescolas, mas também dos empregos que estão em risco”, defende.
Em relação aos custos para tirar a CNH, o instrutor também pontua a existência de muitas taxas.
“Se você pegar o valor da autoescola, não condiz com o valor da habilitação. Por quê? Porque são taxas sobre taxas. O aluno faz o curso, paga a taxa; faz as aulas práticas, paga as taxas das aulas; até próprio monitoramento, tem que pagar o monitoramento; tem que pagar o aluguel do veículo. Então se você parar, pensar e calcular, mais de 60% do valor da habilitação é só de taxas”, explica.
O Ministério dos Transportes teve aval do presidente Lula (PT) para levar adiante a discussão sobre o fim da obrigatoriedade de aulas em autoescola para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
A minuta da resolução foi submetida a prévia consulta pública, na plataforma Participa + Brasil, até o dia 2 de novembro.
Na parte teórica, a proposta prevê o fim da obrigatoriedade da realização do curso e do cumprimento de 45 horas de aula. O curso poderá ser feito online, de forma híbrida, ou ainda em formato presencial nas autoescolas.
Além disso, o candidato poderá optar pela realização de curso online a ser oferecido pelo Ministério dos Transportes ou de escolas de trânsito de instituições como Departamento Estadual de Trânsito (Detran), autarquias municipais, ou instituições credenciadas. A prova teórica, ainda obrigatória, poderia ser feita de forma presencial ou online.
Na parte prática, a principal mudança é o fim da carga horária mínima, atualmente de 20 horas. A oferta de autoescolas continua, mas o aluno poderá contratar instrutores credenciados pelo Detran. Sobre os veículos, passa a ser possível a utilização de veículo disponibilizado pelo instrutor ou pelo próprio candidato.