Logo O POVO+
Coletivos denunciam festa de Réveillon nas falésias de Canoa Quebrada
Comentar
CIDADES

Coletivos denunciam festa de Réveillon nas falésias de Canoa Quebrada

Evento conta com apresentações de DJs, movimentação de buggies e público em cima das Áreas de Proteção Permanente (APP). Especialistas apontam prejuízos à estrutura e queda de sedimentos
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Comentar
Estão previstos sete dias de festas no topo das falésias (Foto: Reprodução/Instagram via @cardumenye)
Foto: Reprodução/Instagram via @cardumenye Estão previstos sete dias de festas no topo das falésias

Coletivos de meio ambiente do Ceará e do Rio Grande do Norte estão denunciando uma festa de Réveillon realizada este ano no município de Aracati, distante 134 quilômetros (km) de Fortaleza.

Desde o dia 27 de dezembro, o topo das falésias da praia de Canoa Quebrada, elemento natural protegido por lei, está sendo utilizado para a realização de shows particulares, que seguem até o dia 2 de janeiro

LEIA TAMBÉM | Jovem de 24 anos é o primeiro quilombola a se formar em Medicina no Ceará

A denúncia é movida pelos coletivos de defesa ambiental e das comunidades costeiras de Aracati, Imersa Mundo e Canoa Quebrada Cultural, junto ao Todos Pelo Chapadão, movimento de Proteção Ambiental originado na praia de Pipa, no Rio Grande do Norte (RN). 

Entre as acusações estão a movimentação de grande número de pessoas e festas com DJs, no topo das falésias, região que configura Área de Proteção Permanente (APP), de acordo com o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o Código Florestal Brasileiro.

Em entrevista ao O POVO, membros dos coletivos denunciaram a circulação inclusive de buggies em cima das falésias, para transporte dos participantes do evento e registro de incômodo sonoro à comunidade durante toda a madrugada.

"As pessoas estão indo lá de buggy, né? Então a movimentação é a noite inteira, de 20 horas até 5 horas da manhã as passagens de buggy até lá em cima. No primeiro já dava para ver que tinha muita gente e o impacto do som para as falésias e os moradores, porque a comunidade é muito próxima", pontua membro do Canoa Quebrada Cultural, que optou por não se identificar.

O uso dos rochedos é confirmado pelo próprio site oficial do evento, que sinaliza aos frequentadores o local para pegar o buggy para seguir até o complexo no topo das falésias, onde foram construídas duas pistas diferentes para o evento.

Todo esse "agito" é apontado por especialistas como nocivo à falésia, em especial às de Canoa Quebrada, que já sofrem com a abertura natural de voçorocas Grandes crateras ou abismos formados pela erosão profunda do solo, causadas principalmente pela ação da água da chuva em áreas desmatadas ou sem cobertura vegetal . Em diagnóstico presente no Plano de Ações de Contingência para Riscos Associados a Ambientes de Falésias no Ceará, elaborado este ano pela Secretaria do Meio Ambiente (Sema), as estruturas são apontadas como falésias ativas, ou seja, aquelas que já estão em processo de perda de massa devido à atuação do meio ambiente.

Confira imagens da festa

 

O doutor em Geografia, Davis de Paula, explica que o movimento de veículos, peso das pessoas, estruturas firmadas no solo e até mesmo a vibração causada pelo som, podem acelerar o processo de deformação dos rochedos.

"No caso de Canoa Quebrada, existem colapsos praticamente semanais, isso faz parte da dinâmica natural. A gente não está falando nada que não aconteceria. O que a gente pode destacar é que em certos trechos da costa do Ceará essas falésias estão sendo ocupadas de forma indevida, alterando essa evolução natural. Na maior parte os casos essa alteração acelera os processos e aí você tem mais desmoronamentos de blocos por exemplo, blocos caindo na praia", pontua o também coordenador do Plano de Ações de Contingência para Processos de Erosão Costeira (PCEC) do Estado.

Não só as falésias podem ser prejudicadas com essas alterações, mas também o ecossistema e as comunidades que residem em todo o entorno delas.

Segundo Davis, as alterações no topo desses rochedos podem prejudicar serviços essenciais prestados por eles, como absorção da água das chuvas e contenção do avanço das marés.

"A gente está falando de uma área que também é muito importante para a recarga do lençol freático. A gente está falando de uma área que é importante para a manutenção da proteção costeira, já que esse tipo de relevo funciona como uma barreira contra o avanço do mar", acrescenta o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

Aceleração dos processos nas falésias podem causar acidentes fatais

De acordo com a resolução 303 de 2002 do Conama, todas as falésias devem ter uma área de proteção permanente de pelo menos 100 metros (m), contados desde sua borda para dentro. Ou seja, todo esse trecho não deve ser utilizado para atividades turísticas, habitacionais ou de qualquer outra finalidade, a fim de preservar a estrutura e evitar acidentes como desmoronamentos, por exemplo.

Essa restrição, de acordo com a denúncia feita pelos coletivos, estaria sendo desrespeitada pelo evento, já que as festas estariam acontecendo a cerca de 50 m da borda da falésia. 

A quebra da medida estabelecida na resolução é um risco não só ambiental, mas de morte tanto para quem está no topo das falésias, quando para quem está embaixo. Com a aceleração da queda natural de sedimentos, aumentam-se as chances de que pessoas ou estruturas na base do relevo sejam soterradas.

No ano de 2020, por exemplo, três pessoas morreram após serem atingidas por um pedaço de falésia que desmoronou na praia de Pipa, município de Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte.

"Se nós pensarmos que você tem uma movimentação de pessoas muito próxima à borda da falésia, você tem aí um risco muito elevado de acontecer algum tipo de ruptura e ocasionar um acidente. É um ambiente que não é propício a esse tipo de dinâmica social. Às vezes só com o peso da água da chuva infiltrando você tem a movimentação do material. Agora imagine carros passando, som, trepidação, pessoas... tudo isso traz um estresse ambiental", pontua de Paula.

A autorização para que esse tipo de festa ou qualquer outro uso de uma APP seja feito compete ao órgão fiscalizador municipal, no caso, a Secretaria do Meio Ambiente de Aracati. Procurada, a Prefeitura de Aracati informou, por meio de nota, que o evento Cardume Nye possui autorização ambiental regularmente emitida pelo órgão municipal responsável, Instituto de Qualidade do Meio Ambiente, que está fundamentada em análise técnica, observando a legislação federal, estadual e municipal vigente e garantindo a proteção integral do ecossistema sem qualquer intervenção física, ocupação permanente ou edificação fixa.

"Classificado como atividade de baixo potencial poluidor nos termos da Lei Municipal nº 017/2019, o evento utiliza estruturas exclusivamente móveis e reversíveis. Para garantir a segurança e a integridade do solo, foi estabelecida uma densidade máxima de uma pessoa a cada 16 m², com recuo necessário das falésias de Canoa Quebrada. A autorização está condicionada ao cumprimento de medidas preventivas e mitigadoras, que incluem o gerenciamento rigoroso de resíduos com coleta seletiva, monitoramento ambiental contínuo e o compromisso de reversibilidade total da área, assegurando que o local seja devolvido às condições originais. Com essas medidas, a Prefeitura reafirma seu compromisso em conciliar o fortalecimento da economia local e do turismo com a preservação rigorosa do patrimônio ambiental do município", traz a nota.

O POVO também solicitou entrevista com a organização do Cardume Nye 2026 por meio do telefone disponibilizado no site do evento, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para que a empresa se manifeste sobre as acusações.

LEIA TAMBÉM | Paraíso dos pancinhas: o"rock n' roll" que salva jumentos vítimas do estigma

Aceleração dos processos nas falésias podem causar acidentes fatais

De acordo com a resolução 303 de 2002 do Conama, todas as falésias devem ter uma área de proteção permanente de pelo menos 100 metros, contados desde sua borda para dentro. Ou seja, todo esse trecho não deve ser utilizado para atividades turísticas, habitacionais ou de qualquer outra finalidade, a fim de preservar a estrutura e evitar acidentes.

Essa restrição, de acordo com a denúncia feita pelos coletivos, estaria sendo desrespeitada pelo evento, já que as festas estariam acontecendo a cerca de 50 m da borda da falésia.

A quebra da medida estabelecida na resolução é um risco não só ambiental, mas de morte tanto para quem está no topo das falésias, quando para quem está embaixo. Com a aceleração da queda natural de sedimentos, aumentam as chances de que pessoas ou estruturas na base do relevo sejam soterradas.

No ano de 2020, por exemplo, três pessoas morreram após serem atingidas por um pedaço de falésia que desmoronou na praia de Pipa, em Tibau do Sul (RN).

"Se nós pensarmos que há uma movimentação de pessoas muito próxima à borda da falésia, tem aí um risco muito elevado de acontecer algum tipo de ruptura e ocasionar um acidente. É um ambiente que não é propício a esse tipo de dinâmica social. Às vezes só com o peso da água da chuva infiltrando você tem a movimentação do material. Imagine carros passando, som, trepidação, pessoas... tudo isso traz um estresse ambiental", pontua o professor Davis de Paula.

Procurada, a Prefeitura de Aracati informou, por meio de nota, que o evento possui autorização ambiental regularmente emitida pelo órgão municipal responsável, Instituto de Qualidade do Meio Ambiente, que está fundamentada em análise técnica, observando a legislação federal, estadual e municipal vigente e garantindo a proteção integral do ecossistema sem qualquer intervenção física, ocupação permanente ou edificação fixa.

"Classificado como atividade de baixo potencial poluidor, o evento utiliza estruturas exclusivamente móveis e reversíveis. Para garantir a segurança e a integridade do solo, foi estabelecida uma densidade máxima de uma pessoa a cada 16 m², com recuo necessário das falésias de Canoa Quebrada. A autorização está condicionada ao cumprimento de medidas preventivas e mitigadoras, que incluem o gerenciamento rigoroso de resíduos com coleta seletiva, monitoramento ambiental contínuo e o compromisso de reversibilidade total da área, assegurando que o local seja devolvido às condições originais. Com essas medidas, a Prefeitura reafirma seu compromisso em conciliar o fortalecimento da economia local e do turismo com a preservação rigorosa do patrimônio ambiental do município", traz a nota.

O POVO solicitou entrevista com a organização do Cardume Nye 2026 por meio do telefone disponibilizado no site do evento, mas não obteve retorno até o fechamento desta página.

O que você achou desse conteúdo?