Logo O POVO+
Falésias do Ceará: erosão natural é agravada por ação humana e oferece riscos em mais de 10 praias
Reportagem

Falésias do Ceará: erosão natural é agravada por ação humana e oferece riscos em mais de 10 praias

|Meio ambiente| Plano orienta ações de contingência para riscos associados às falésias. Municípios tentam harmonizar turismo e preservação
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Praia do Morro Branco no Município de Beberibe: riscos estão associados ao deslocamento de detritos finos (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Praia do Morro Branco no Município de Beberibe: riscos estão associados ao deslocamento de detritos finos

As falésias do Ceará encantam turistas com cores amareladas contrastantes com o azul do mar. A vista de cartão-postal é um dos pontos que atrai visitantes para as praias do Estado, embelezando a costa de Beberibe, Aracati, Icapuí e outros seis municípios. Naturalmente instáveis devido à erosão causada pela água e pelo vento, as paisagens grandiosas podem oferecer riscos de acidentes em pelo menos 11 praias cearenses.

Com a ação humana, a deterioração dos ambientes de falésias tende a ser mais rápida, implicando na ocorrência de mais deslizamentos, desmoronamentos e até de colapso de estruturas.

Leia também: Mar em avanço: Ceará tem 20 municípios com pontos sob erosão crítica

Para orientar municípios e órgãos governamentais na fiscalização e monitoramento desses locais, a Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) criou o Plano de Ações de Contingência para Riscos Associados a Ambientes de Falésias no Ceará.

O documento traz um levantamento sobre os tipos de falésias existentes no Ceará, os principais movimentos de massa que podem ocorrer em cada uma delas, os pontos de atenção e quais órgãos devem ser envolvidos no planejamento de ações de prevenção, preparação e mitigação de riscos.

“Esse tipo de estudo traz uma luz sobre um risco diário dessas falésias se movimentarem e a partir daí você ter algum tipo de incidente envolvendo tanto moradores quanto visitantes”, explica Davis Pereira de Paula, membro do Programa Cientista Chefe Meio Ambiente e pesquisador participante na elaboração do plano.

Em Icapuí, por exemplo, as praias da Redonda, Ponta Grossa, Peroba e Barreiras têm falésias de material mais litificado, ou seja, mais rochoso. O perigo potencial se dá devido ao risco de desmoronamento e tombamento das rochas.

Com a altura de algumas formações atingindo cerca de 43 metros em Ponta Grossa, a queda de blocos rochosos pode causar acidentes graves, como o ocorrido em Pipa, no Rio Grande do Norte, em 2020, quando um desabamento de parte da falésia matou um casal e um bebê de sete meses que estavam na faixa de praia próximo à base.

Já em Beberibe, nas praias da Fonte e Morro Branco, e em Aracati, em Canoa Quebrada e praia do Retirinho, os riscos estão associados ao deslocamento de detritos finos, que podem causar soterramentos de visitantes na base das falésias ou queda daqueles que transitam em cima das formações.

“Sempre que você tiver pessoas visitando, o risco vai estar associado. O que você precisa é identificar esse risco, sinalizar e informá-los para os operadores turísticos, para que eles tenham atenção redobrada em visitações em áreas com relevo instável”, afirma Davis.

O plano também menciona as praias de Pontal do Maceió, em Fortim; do Pacheco, em Caucaia; e Lagoinha, no município de Paraipaba, como locais com maior risco potencial de acidentes com falésias no Ceará.

Juntamente com os planos de ações de contingência para derramamento de óleo e processos de erosão costeira, os três instrumentos fazem parte da Política Estadual de Gerenciamento Costeiro (PEGC), cuja atualização foi aprovada por meio da Lei nº 19.294, de 6 de junho de 2025.

Com o intuito de garantir a aplicação dos planos, é prevista a criação do Comitê Estadual de
Planejamento de Ações de Contingência na Zona Costeira (Cepac-ZC). Neste mês de julho, a Sema realizará a primeira reunião do Cepac-ZC.

“Após essa etapa inicial, os municípios serão contatados para a apresentação do cronograma de capacitação e implementação dos planos”, diz Matheus Pinheiro, técnico da Coordenadoria do Desenvolvimento Sustentável do órgão estadual.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

Municípios com falésias

Aracati

Beberibe

Camocim

 Caucaia

Fortim

Icapuí

Jijoca de Jericoacoara

Paraipaba

São Gonçalo do Amarante

Praias com maiores riscos envolvendo falésias:


Praia da Redonda (Icapuí)
Praia de Ponta Grossa (Icapuí)
Praia da Peroba (Icapuí)
Praia de Barreiras (Icapuí)
Praia do Retirinho (Aracati)
Canoa Quebrada (Aracati)
Morro Branco (Beberibe)
Praia das Fontes (Beberibe)
Pontal do Maceió (Fortim)
Praia do Pacheco (Caucaia)
Lagoinha (Paraipaba)
Tipos de falésias e riscos associados
Falésias Escarpadas com Material Litificado
Parecem paredões de rocha e podem atingir mais de 15 metros. São encontradas principalmente em Icapuí, nas praias de Redonda, Ponta Grossa e Peroba. Pode registrar queda de blocos e tombamentos.

Falésias Escarpadas com Material Friável


Paredões costeiros inclinados formados por sedimentos frágeis que se desgastam facilmente. Exemplos de praias com esse tipo de falésias são as do Retirinho e Canoa Quebrada, em Aracati, e em Morro Branco, em Beberibe. Riscos são de movimentos de areia e cascalhos, causando soterramentos ou quedas de pessoas e veículos que acessam o topo.

Falésias Escalonadas


Formação com “degraus” desnivelados formados pela erosão de sedimentos com texturas diferentes. Exemplos incluem as falésias de Morro Branco, Praia das Fontes e Sucatinga, em Beberibe, Lagoinha, em Paraipaba, e Majorlândia, em Aracati. Erosão cria voçorocas e ravinas, conhecidas como “labirintos” pelos turistas. Perigo de queda e fluxo de material arenoso.

Falésias em Promontórios Litificados


Falésias com material rochoso, geralmente mais baixas (de até três metros). Encontradas na praia Pontal do Maceió, em Fortim, na Lagoinha, em Paraipaba, e na Taíba, em São Gonçalo do Amarante. Erosão causa formação de cavidades na base que são utilizadas como abrigos. Principal risco é de colapso material sobre pessoas que se abrigam.

Falésias Arrasadas por Ravinas e Voçorocas


Paredões que são erodidos pela água da chuva e do mar, criando canais e grandes buracos. Podem ser observadas nas praias de Lagoa do Mato e Quixaba, ambas em Aracati. Áreas instáveis e suscetíveis a quedas e fluxos de sedimentos.

 

Equilíbrio entre turismo, preservação e monitoramento de riscos é desafio

Os municípios são os principais atores do Plano de Ações de Contingência para Riscos Associados a Ambientes de Falésias. Eles devem criar regras e fiscalizar o cumprimento delas para evitar acidentes e preservar as belezas naturais da costa.

Ao mesmo tempo, o turismo atraído pelas falésias é valioso para as cidades do litoral. Os riscos, assim como as vantagens, precisam ser levados em conta pelas gestões municipais.

O Monumento Natural das Falésias de Morro Branco, em Beberibe, é um exemplo de local que sofre com o impacto da visitação no ambiente instável das areias. Uma das partes mais buscadas e afetadas pelo turismo é o labirinto de falésias.

Thalysson da Silva, 30, é bugueiro licenciado no município há quatro anos, mas vive em Morro Branco desde que se entende por gente. Ele lembra de como o labirinto era estreito, fazendo jus ao nome, já que as pessoas se perdiam. Cientificamente, a formação é chamada de voçoroca - uma cratera aberta pela erosão pluvial.

Com o tempo, a retirada de areia para o artesanato e o passeio constante de visitantes alargou a passagem entre os montes. "Antes só dava pra passar uma pessoa, em alguns lugares só de lado", relembra Thalysson.

A criação da unidade de conservação em 2004 mudou a relação das pessoas com o local, passando a ser proibida a retirada da areia, riscar as paredes, o trânsito de carros e a feirinha de artesanato, que acontecia dentro do labirinto.

Entretanto, quem vem de fora acaba não tendo a mesma noção de preservação, mesmo com placas instaladas pela Prefeitura de Beberibe, em parceria com a Sema, que destacam as regras da unidade.

"Normalmente o turista que passa lá tira um pedaço da falésia, escreve o nome, transita em locais inadequados. Você pensa que é só um pedacinho, mas não sabe o dano que está ocorrendo", afirma o secretário do Meio Ambiente do município, David Aguiar.

Segundo ele, não há um plano municipal específico para o cuidado com as falésias, mas as orientações são repassadas para os operadores de turismo, incluindo bugueiros, guias, trabalhadores de hotéis e restaurantes.

"A gente do buggy passa todas as informações, mas o pessoal que tá caminhando, que está sozinho, acho que não sabe ou ninguém passa as orientações para eles", relata Thalysson. A fiscalização, para ele, é escassa.

Conforme a Sema, dois vigilantes contratados pela secretaria fazem o monitoramento, de segunda a domingo, com apoio da Coordenadoria Municipal Executiva e Rodoviária de Trânsito e Transportes (Comutran de Beberibe) e do Batalhão de Polícia do Meio Ambiente (BPMA).

Outro ponto muito visitado é a Gruta Mãe D'água, na Praia das Fontes. Também em Beberibe, a cavidade foi formada pelo atrito das ondas na falésia, criando um espaço visualmente interessante, mas com risco alto de colapso.

"A única placa que tinha evidenciando o risco de desmoronamento desse relevo caiu ou foi retirada, ou seja, ela [a gruta] está sem nenhum tipo de sinalização", diz o pesquisador Davis de Paula.

O secretário David explica que o município interditou a gruta e colocou faixas e placas chamando atenção para o perigo. "A população, não sabemos identificar quem, fez a retirada da placa. Fizemos uma nova interdição. Foi retirado novamente." Uma estrutura mais fixa não pode ser implantada devido à fragilidade das paredes de areia.

Mesmo assim, a interdição continua vigente, segundo David. "Fizemos toda uma ação de orientação, monitoramento e notificação informando que não está proibida a passagem na frente da gruta, mas todo e qualquer acesso ao interior", explica. A transgressão é passível de penalização ou advertência para os operadores do turismo locais.

"Tem algumas pessoas que querem entrar mesmo assim. O ser humano é desse jeito. A gente diz que tá passando todas as informações [de perigo], se quiserem entrar, fica por conta própria. E muita gente que tá nos hotéis próximos vão caminhando e entram", diz Thalysson.

Trânsito de carros em cima de falésias é arriscado e pouco fiscalizado

Pelas regras de Beberibe, os passeios de buggy devem priorizar a faixa de areia da praia para o trânsito, sendo proibidos de passar por cima das falésias, segundo o secretário do Meio Ambiente do município, David Aguiar.

No entanto, o bugueiro Thalysson da Silva, 30, explica que a regra não é seguida por visitantes que transitam com os próprios carros 4x4.

Em Icapuí, a mesma situação é observada. Helysson Silva, 40, vice-presidente da Associação dos Bugueiros de Icapuí (Asbi), defende que os operadores de turismo que oferecem viagens de buggy para turistas seguem regras de segurança em ambientes de falésias, mas visitantes não cadastrados têm comportamentos de risco.

"Roda 4x4, roda bugueiro pirata, outros tipos de veículo que prejudicam mais e mais o meio ambiente e também prejudicam a classe da gente, porque tira um passeio nosso. Como esse pessoal não conhece bem a região, fazem rotas prejudicando as falésias", relata Helysson.

Para ele, a fiscalização desses veículos é insuficiente. Helysson cobra ainda a definição oficial de uma rota de turismo pelas falésias, que tem sido discutida com a gestão municipal, mas não foi oficialmente lançada.

O secretário do Desenvolvimento, Trabalho, Agricultura e Meio Ambiente, Eurivan de Paula, afirma que a elaboração da rota começou na gestão anterior, com outra equipe, mas que deve ser concluída ainda em 2025.

"A gente tem uma orientação com os bugueiros para que em determinadas áreas não trafeguem, porque há um risco tanto para ele como profissional, como para o turista e para o meio ambiente. Não existe uma política mesmo, no papel, de orientação. É mais de educação", diz.

O que você achou desse conteúdo?