“Lá no cantinho da academia, tem uma galera cheia de energia. Toda semana é tradição, raquete na mão e sorriso no coração”. O verso vibra em ritmo de samba e é tocado, entre sons de batidas e rebatidas das bolinhas nas mesas, todas as manhãs de segunda, quarta e sexta-feira, na academia Grilo, em Fortaleza.
Alexandre Almeida, de 45 anos, diagnosticado precocemente com
doença de parkinson (DP)
"Doença neurológica crônica, progressiva e degenerativa que afeta principalmente o movimento e o equilíbrio do corpo. O diagnóstico é clínico e deve ser feito por um profissional de saúde especializado"
, escreveu a música em forma de agradecimento à sua turma de tênis de mesa, formada em sua maioria por veteranos que vivem a mesma realidade dele e foram conselheiros importantes. Os professores definem tal grupo como o mais animado e com mais sede de competir.
Alexandre vai aos treinos acompanhado de seu filho Pedro, que realiza suas primeiras atividades e ajuda o pai a recuperar as bolinhas no chão
De acordo com o médico neurocirurgião Rafael Maia, que integra os serviços de neurologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e do Instituto Doutor José Frota (IJF), o tênis de mesa tem se destacado como uma atividade física altamente benéfica para parkinsonianos "Pessoas com doença de Parkinson, segunda doença neurodegenerativa de maior incidência no mundo, atrás apenas do alzheimer (Dados da OMS)" , tanto para o físico, quanto para a socialização, inclusive contendo os avanços da depressão.
“Estimula a capacidade do cérebro de compensar parcialmente a perda de dopamina. Ajuda a melhorar a força muscular, o equilíbrio, a flexibilidade e a coordenação motora. Estudos também indicam que podem retardar a progressão dos sintomas. A doença é progressiva, mas o exercício pode alterar o ponto de chegada”, ressalta o médico.
O que é Parkinson?
Um estudo conduzido pela Universidade de Fukuoka, no Japão, observou 12 pacientes — com idade média de 73 anos — diagnosticados com Parkinson participando de sessões semanais de tênis de mesa durante seis meses. Os resultados indicaram melhorias significativas nas atividades diárias e nos sintomas motores, como rigidez e tremores.
"Ele exige movimentos rápidos e coordenados, promovendo a melhoria da coordenação olho-mão e retarda os sintomas. Estimula funções cognitivas, como a atenção e o planejamento, e proporciona interação social, o que pode ajudar a combater sintomas de depressão e isolamento social comuns na doença", explica Rafael Maia, reforçando que todos os estudos realizados colocam o tênis de mesa como um grande aliado do tratamento do Parkinson, ainda que tenha pouca divulgação.
No grupo de Alexandre, o ambiente positivo não demora a se apresentar. A manhã da “Turma do Grilo”, como chama a vinheta composta por ele, tem início quando Maria Elzelita, a Lita, de 75 anos, passa.
"A música ajuda. A gente vai nas alturas e volta", conta. O passo é firme, sem temor algum, ainda que conte como o tremor lhe corta o ritmo. Ela vai de mesa em mesa.
Lita é a primeira a chegar e a última a sair da academia e quase não tem faltas registradas
“Se eu não falar com todo mundo, meu filho, o dia nem começa. A gente precisa acordar para a vida. Ela não está fácil, mas a gente faz de conta”. E ninguém duvida. Quando ela chegou, os sorrisos ficaram mais frouxos, a conversa desencabulou e o som do quicar da bolinha ganhou a companhia das vozes.
Vera Lúcia, 71, é a primeira a pedir música. Alguém dança, outro canta e todos jogam. Francisco de Assis Façanha, 69, é o mais concentrado. Afinal, quer defender o título regional que venceu pela academia.
O professor da turma, Wellerson de Sousa, conta que as aulas voltadas para parkinsonianos passaram a ser institucionalizadas dentro da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), ainda que a classificação "Esportes paralímpicos têm classificações de acordo com o impacto da deficiência para a prática do paradesporto, de forma a equilibrar as disputas" como modalidade olímpica ainda não tenha saído do papel.
"A maior dificuldade é a questão da classificação. Alguns têm limitações maiores que outros, e acho que isso dificulta a formação de uma categoria própria. Precisamos desenvolver melhor essas questões", explica.
Tratamentos para Parkinson
“O tênis de mesa é a coisa mais maravilhosa da minha vida. Eu já sofri, mas hoje nem lembro que tenho doença”, diz Lita enquanto distribui bom humor e valoriza as cores quentes da academia. O laranja lhe traz felicidade.
É ela quem puxa conversa, cobra presença, incentiva os novatos e joga em ritmo fervoroso: “Eles dizem que eu sou muito violenta jogando, mas se for devagarzinho, eu não tenho nem vontade de jogar. Sou competitiva, se eu jogo é para valer. Eu sou assim, aperreada. Isso não é valentia, é vontade de querer mais”, descreve.
O mesmo espírito atravessa a fala de Vera Lúcia, 71, que chegou sem qualquer histórico esportivo. “Eu nunca gostei de esporte, mas quando eu vi o ping-pong "O termo serve para designar a atividade recreativa, enquanto tênis de mesa é a expressão para o esporte. Comumente, são usados como sinônimos" , me lembrei de quando era menina. A gente brincava muito, usava a mesa de cozinha da mamãe. Aí eu me animei. Recentemente, machuquei o ombro e pensei: ‘Se eu tiver que parar de jogar, o que será de mim?’ Fiquei em pânico”.
Nas aulas, Lita e Vera são conhecidas por gostar de um ritmo mais veloz nas batidas. Lita diz que é agressiva, Vera confirma que é só
“Essa turma aqui é maravilhosa. Primeiro de tudo: tem uma aceitação, uma abertura para qualquer tipo de pessoa que queira aprender. Qualquer coisa é motivo pra riso”, segue Vera.
Foi esse ambiente leve que ela fez questão de apresentar também ao sobrinho Samuel, que é autista. “Vi que o ping-pong tinha todos os requisitos que ele precisava trabalhar. Fiquei em cima dos pais até inscreverem ele. Não quer largar por nada”.
Na voz de Lita, o tênis de mesa também tem lugar de recomeço: “Eu já passei mais de um ano sem sair de casa. Ele me deu ânimo de volta. Nosso horário é 9h30min. Eu chego às 8 horas e sempre fico mais tempo”.
Fala com brilho nos olhos e sem filtro: “Me perguntam: ‘você não cansa?’. Não, de jeito nenhum. Eu venho e me sinto uma cocota, bem novinha". A leveza não apaga os desafios. Vera diz que o tremor volta se o remédio atrasa e tem atenção redobrada ao caminhar, por temor de sofrer quedas pelo desequilíbrio.
Por outro lado, Lita diz que às vezes até esquece que tem Parkinson. “Se perguntar na minha casa, todos vão dizer que eu sou saudável. O que mais me pega é o tremor. Quando meu dedo começou a dobrar e a mão a tremer, eu fui ao médico e eu mesma disse o que eu tinha. Ele só confirmou com uma tomografia”.
Vera evita até nomear o que já sentiu. A própria palavra lhe causa más lembranças: “O Parkinson causa aquela doença que você fica triste, nunca sai de casa. Não gosto nem de falar o nome dela", diz, subentendendo episódios de depressão.
E ainda que o jogo seja individual em boa parte do tempo, também se joga em duplas. Ninguém se esquece do outro. Vera ressalta: “Enquanto eu tiver condições, eu estou aqui. Foi amor à primeira vista”.
“O Alexandre, quando ele chegou aqui, estava derrubado”, lembra Lita. “Eu disse: ‘meu filho, a melhor coisa do mundo que você arrumou foi o Parkinson. Ele não tem cura. Então, se não tem, eu deixo o Parkinson na dele e vivo minha vida’. Minha cabeça não é boa por culpa da doença, eu não sei mais nem quantos anos eu tenho, mas tem muito mais de 10 anos que tenho Parkinson”.
Sob o olhar atento do filho Pedro, de 7 anos, Alexandre traja a determinação que tem sido o combustível de sua rotina nos últimos quatro meses. O mesatenista destaca o apoio da família, composta também pela esposa Merijane e a filha caçula Maria Catarina, como o principal pilar para superar o baque de um diagnóstico precoce.
“Fui ao fundo do poço, com muita depressão, ansiedade e angústia. Minha família me deu muito apoio, foi algo que me tirou do buraco”.
Foi a partir desse impulso que Alexandre conseguiu reencontrar, em uma antiga paixão, sua principal aliada para tratar a doença: a raquete. Segundo ele, mesmo chegando cabisbaixo ao primeiro treinamento, recebeu conselhos de todos os lados. Descreve como um aconchego "quase familiar, maternal".
O primeiro contato do mesatenista com o esporte aconteceu aos 12 anos. Aos 28, ainda chegou a frequentar uma academia profissional, mas a relação foi se afastando. Quase duas décadas depois, Alexandre se vê novamente embalado pelos sons de “ping-pong”. Por recomendação médica, o tênis de mesa ganhou novamente protagonismo em seu dia a dia, auxiliando a fortalecer sua aptidão física e mental.
“Eu me senti muito apto. Pensei que o Parkinson iria me bloquear, tanto mental como fisicamente. E não aconteceu, pelo contrário, eu estou jogando melhor com o Parkinson do que sem”, detalha.
Sintomas motores de Parkinson
Inspirado pelos colegas da “Turma do Grilo”, como o experiente Francisco Façanha, Alexandre passou a ver o obstáculo com naturalidade e otimismo e já almeja alcançar o nível competitivo profissional da modalidade.
“A gente não tem que se preocupar muito com o futuro, não. Tem que viver o presente, tentar fazer as atividades que dão prazer, que nos mantêm com a cabeça no lugar”, comenta Façanha sobre os conselhos dados ao novato.
Personagem fundamental para a adaptação de Alexandre na nova fase de sua vida, o engenheiro mecânico aposentado foi diagnosticado em meio a pandemia de Covid-19 e passou por um momento de reclusão e isolamento social ainda mais intenso.
Dois anos depois do diagnóstico, Façanha encontrou na academia Grilo um refúgio para lidar com boa parte dos sintomas trazidos pela enfermidade. O estímulo motor e cognitivo exigido pelo tênis de mesa amenizou a rigidez de suas mãos e aprimorou os reflexos dele. Enquanto a interação social com os colegas de academia resgatou seu senso de pertencimento, a ponto de, hoje, se considerar "curado da depressão".
Sintomas não motores
Campeão na categoria para parkinsonianos da Liga Regional Grilo Tênis de Mesa, o mesatenista cita as competições como grande motivação para ficar cada vez mais envolvido com o esporte.
“Essa parte de estar jogando, estar participando de torneios melhora bastante a autoestima, porque você não fica pensando que não é capaz de fazer tudo. Desde que você se dedique e tenha força de vontade, eu acho que você consegue melhorar bem sua qualidade de vida”.
Reabilitação na Rede Sarah e aulas na Grilo Tênis de Mesa
Além da confirmação teórica, é importante que o método, por se tratar também de um interesse da saúde pública, alcance o ','nm_citno':'maior número possível de pessoas','width':'180','height':'120','cd_tetag':'103073','align':'Left','js-changed':'1','id_tetag_tipo':7}">
maior número possível de pessoas
"A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que existem cerca de 8,5 milhões de parkinsonianos em todo o mundo. No Brasil, existem aproximadamente 200 mil casos.
"
, sem restrição de classe, raça ou gênero. Para isso, se busca um maior contato da modalidade, parcialmente elitizada, com instituições públicas e projetos sociais.
"Eu vim de um projeto social. Estudei em escolas públicas. Entrei aqui no tênis de mesa por meio de um projeto social, quando eu tinha oito anos", ressalta o grato Francisco Welisson de Souza, professor da turma de parkinsonianos da academia Grilo, sobre a importância de ampliar o alcance do esporte.
O esporte ainda é algo restrito e pouco acessível à população menos abastada. Na Capital, o Centro de Neurorreabilitação Sarah Fortaleza "A unidade da rede Sarah de hospitais de reabilitação em Fortaleza, no bairro Passaré, possui um centro de neurorreabilitação que auxilia crianças e adultos com lesão medular e cerebral, investiga diagnóstico de doenças neurológicas com repercussão motora e sensitiva e presta atendimento clínico a adultos com dor na coluna vertebral" , localizado no Bairro Passaré, é um dos raros equipamentos públicos que oferecem o serviço gratuitamente.
Ainda assim, a ação carece de uma maior difusão entre o público geral, visto que até mesmo instituições como a Associação Cearense de Parkinson (ACP) informam desconhecer a presença da atividade gratuita em qualquer instituição pública do Estado.
A assistente social e jornalista Gláucia Gondim Tavares, presidente e fundadora da ACP, reitera a importância de tratamentos como o tênis de mesa, mas lamenta o descaso dos agentes públicos com essa parcela da sociedade: “Os pacientes de Parkinson no estado do Ceará vivem à deriva”.
A Associação, fundada em 2022, conta atualmente com 79 parkinsonianos inscritos, porém, segundo a presidente, nenhum dos associados aderem a essa forma de tratamento por não receberem nenhuma atenção neste sentido.
“É uma situação humilhante que os pacientes de Parkinson vivem aqui. Nós não temos benefício de nada. Simplesmente somos uma população que inexiste para o governo do Estado e para as autoridades de um modo geral. Nós não temos nenhuma política pública no Brasil voltada para os pacientes de Parkinson”, denuncia Glaucia.
Em resposta, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) apontou que as unidades da Rede Sesa atendem pacientes com suspeita ou diagnóstico de doenças neurológicas, incluindo Parkison, a partir de encaminhamento da Central Regulação do Estado ou de Unidades Básicas de Saúde.
Além disso, a Sesa detalhou que a saúde do Ceará também disponibiliza o atendimento por meio da rede conveniada, estabelecida pela Política Estadual de Incentivo Hospitalar, que visa ampliar o acesso da população aos serviços de saúde.
Acesse O POVO+ e veja o documentário Os dias de Sofia, que conta a rotina do designer e gamer Bruno Sofia, diagnosticado com a doença de Parkinson antes dos 30 anos.
Sofia e sua família vivem “um dia de cada vez” enfrentando os obstáculos de uma condição que afeta não só a saúde física, mas também a saúde mental. Abaixo, você pode assistir ao trailer:
Hospitais da Rede Sesa que fazem atendimento a casos de doenças neurodegenerativas