Será que os brasileiros estão perdendo a capacidade de dormir? De acordo com a Associação Brasileira do Sono (ABS), 73 milhões de pessoas no País (um a cada três) sofrem de insônia, que é o distúrbio do sono mais frequente no mundo.
Caracterizada pela dificuldade em iniciar ou manter o sono, ou pelo despertar precoce com prejuízos durante o dia, a insônia atinge cerca de 15% da população adulta brasileira de forma crônica - ou seja, com queixas persistentes por pelo menos três meses, em uma frequência mínima de três dias por semana.
Os problemas decorrentes dessa realidade são graves e são associados ao ritmo acelerado de uma sociedade produtivista. Para o neurologista e especialista em Medicina do Sono, Dr. Alan Eckeli, esse número é alarmante, superando a prevalência de diabetes tipo 2 e demonstrando a real dimensão do problema no país. As implicações da insônia vão além do cansaço. A condição está associada a um maior risco de doenças cardiovasculares como arritmias, hipertensão arterial e doença arterial coronariana.
O neurologista, que participou do Brain Congress 2025, realizado em Fortaleza, afirma que os distúrbios do sono mais prevalentes são a apneia obstrutiva do sono, a insônia crônica e a síndrome das pernas inquietas — doença de Willis-Ekbom. "Essa alta prevalência dos distúrbios do sono ameaça a saúde pública e causa impactos significativos em questões socioeconômicas, atividades cotidianas e em acidentes de trabalho e trânsito", destaca.
"O tratamento da insônia pode ser farmacológico ou não farmacológico. As maiores evidências para o tratamento não farmacológico são para a Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (TCCI), realizada presencialmente, digitalmente, e por meio de plataformas digitais e aplicativos", revela.
Conforme a visão do especialista, um sono saudável, em tese, não requer intervenção farmacológica. Se houver necessidade de utilizar medicamentos, a prescrição deve ser bem avaliada, com um início e um fim definido. Ou seja, ainda não perdemos a capacidade de descansar dormindo.
"Não se deve usar medicações para dormir ou para manter a vigília indefinidamente. Se isso estiver ocorrendo, o paciente deve procurar um profissional. O uso pontual e por tempo limitado de hipnóticos ou de medicamentos para manter a pessoa acordada deve ser supervisionado", alerta.
Infelizmente, o dr. Alan Eckeli revela que houve um aumento expressivo na utilização de medicações, chamadas drogas Z ou hipnóticos Z (zolpidem, zaleplon, zopiclona, eszopiclona). Segundo ele, em 2022, o Brasil quase alcançou os Estados Unidos em número de prescrições, mesmo com uma população menor, indicando um uso muito elevado dessa classe de medicamentos.
As drogas Z são eficazes e têm alguma segurança, mas o uso indiscriminado e sem avaliação adequada pode estar associado a eventos adversos e efeitos colaterais. Um deles são os movimentos noturnos complexos, onde a pessoa toma o remédio e realiza atividades sem consciência total, como fazer compras, mandar mensagens ou até dirigir.
Já uma parcela da população pode desenvolver dependência química, usando doses maiores do que o prescrito, em horários diversos, e até mesmo durante o dia. Em casos mais graves, a dependência pode levar a quadros de abstinência e crises convulsivas.
Hoje, a Academia Brasileira de Neurologia vem organizando uma força-tarefa com neurologistas e psiquiatras experientes em dependência química para propor uma diretriz de prescrição e desprescrição para essa classe de medicamentos.
O documento, que ainda será publicado, já destaca estratégias para a retirada dessas medicações. Para essa prática em pacientes dependentes, o neurologista detalha que não existe uma receita única para todos, ou seja, a avaliação é individualizada e depende das características de cada paciente.
Há uma relação entre a saúde do sono e a saúde mental. Segundo a Organização Mundial da Saúde(OMS), somente em 2020, época da pandemia, o número de casos de depressão e ansiedade aumentou 25%, com muitas questões ligadas ao sono. O número reforça a necessidade de conscientização sobre o problema e de ações para minimizar essa aceleração.
Excesso de trabalho, ansiedade, depressão, estresse, uso de substâncias diversas, uso excessivo do celular, má alimentação e sedentarismo: esses são alguns dos diversos exemplos de comorbidades que estão afetando diretamente o sono da sociedade moderna atual.
Com o final da pandemia, vivemos uma dinamicidade de pressa e sobrecarga das responsabilidades, que nos faz não querer parar, dormir, descansar e desligar por um momento. Esquecemos que o nosso sono desempenha um papel fundamental na saúde e no bem-estar, como um restaurador do físico e do mental.
É com ele que o corpo realiza uma série de processos de reparação e regeneração, incluindo a síntese de proteínas, a liberação de hormônios de crescimento, a consolidação da memória, o funcionamento adequado do sistema imunológico, o equilíbrio emocional e o desempenho cognitivo.
Foi durante as noites mal dormidas e as inúmeras madrugadas acordado que o publicitário Fernando* Matias logo começou a sentir as consequências da falta do sono. O jovem de 29 anos, na época com 20, trabalhava como operador de telemarketing e ainda era estudante universitário. *Nome Fictício.
O excesso e a pressão do trabalho, que desencadearam fortes crises de ansiedade, logo começaram a ser responsáveis por deixar Fernando “desperto” durante a hora de dormir. “Ao me deitar vinham mil pensamentos, problemas e angústias para o dia seguinte que me impediam de relaxar, mesmo me sentindo cansado”, relata.
Ganho de peso e a dissociação do cérebro em momentos que exigiam raciocínio rápido durante o dia foram as primeiras consequências.
“A ansiedade, que era o motivo da insônia, ficou mais aguda e intensa. Tinha acessos de raiva, irritava-me facilmente e passei por momentos depressivos. Foi uma época bem complicada e intensa para minha saúde mental”, lembra.
O tratamento via medicação logo veio, como uma “mágica” na vida de Fernando. Era instantâneo o efeito: dormia e acordava com energia no dia seguinte. “Eventualmente, tive que deixar essa medicação. Sentia que estava criando uma dependência, e esse era um grande medo meu: não conseguir voltar a dormir naturalmente sem a medicação”, diz.
Segundo ele, não sentia que tinha um sono de qualidade como deveria enquanto tomava o remédio, mesmo dormindo o necessário. O sentimento de uma boa noite de sono só veio com o desmame abrupto da medicação, o tratamento psicológico, a diminuição do ritmo na faculdade e a saída do emprego.
“Hoje em dia, minha relação com o sono ainda não é das melhores. Não sei se é uma sequela ou se meu corpo se acostumou a ficar acordado até mais tarde. Na verdade, adaptei minha rotina a isso. Tento compensar no fim de semana as horas que não consigo dormir nos dias úteis”, finaliza.
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Como fazer uma boa higiene do sono?
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O Dia Mundial do Sono é um evento anual organizado pelo Comitê do Dia Mundial do Sono da Sociedade Mundial do Sono, antiga Associação Mundial de Medicina do Sono, desde 2008. Esse ano foi comemorado dia 14 de março.
O sistema público de saúde oferece o exame do sono ou a polissonografia, exame que monitora e identifica distúrbios do sono. Porém, por ser uma análise que tem uma grande demanda e que necessita de uma infraestrutura robusta, a fila no SUS é alta. O preço da polissonografia na rede privada de saúde varia entre R$ 700 e R$ 800.
Consequências da Privação do Sono
Os distúrbios do sono mais prevalentes são:
É importante lembrar que:
Fatores determinantes da insônia