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Setembro Amarelo: alerta para saúde pública
Ciência e Saúde

Setembro Amarelo: alerta para saúde pública

Números mostram a complexidade e a urgência do cuidado com a saúde mental na prevenção de suicídios
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Coração de porcelana em Kintsugi, técnica de reparação de cerâmica quebrada misturada com pó de ouro (Foto: CONCEPÇÃO ANA SÁ COM SORA)
Foto: CONCEPÇÃO ANA SÁ COM SORA Coração de porcelana em Kintsugi, técnica de reparação de cerâmica quebrada misturada com pó de ouro

O filósofo Albert Camus, em O Mito de Sísifo, afirmava que "só existe um problema realmente sério: o suicídio". No entanto, para muitos estudiosos, o ponto central seria, na verdade, o sofrimento humano em sua totalidade.

Mais do que um tabu, o suicídio nos faz questionar a própria vida, levando-nos a refletir sobre fatores psicofisiológicos, filosóficos e sociais, bem como sobre os desafios de cuidar e acolher o sofrimento em seus mais diversos aspectos.

 

Neste Setembro Amarelo (campanha de conscientização sobre a prevenção ao suicídio e a promoção da saúde mental), esta reportagem aborda as possibilidades de acolhimento para pessoas em sofrimento.

A situação é grave e exige mais do que palavras: são necessárias ações concretas. O Brasil está entre os dez países com maior número de suicídios. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que aproximadamente 700 mil pessoas morrem por suicídio anualmente.

Trata-se, portanto, de uma questão de saúde pública. De acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), cerca de 14 mil pessoas morrem por suicídio no país a cada ano. No Ceará, as estatísticas dão a dimensão dessa dor, com o registro de mais de 9 mil óbitos no período entre 2009 e 2023.

O professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e psiquiatra do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), Fábio Gomes de Matos e Souza, orientador do Projeto de Apoio à Vida (Pravida) e presidente da Associação de Psiquiatria do Estado do Ceará (Apec), ressalta que Fortaleza perde apenas para São Paulo nesse triste ranking do suicídio, com aproximadamente 300 casos por ano. "Ressalte-se que esses números são subdimensionados por causa do preconceito e do estigma associados ao suicídio", afirma.

Diante deste cenário, a Apec lançou um documento com medidas urgentes para o poder público. Entre as ações, estão a criação de um portal da transparência, um observatório de saúde mental para divulgar dados atualizados sobre o tema no Ceará, e a inclusão de informações detalhadas sobre os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), como endereço, telefone, mídias sociais, horário de funcionamento, formas de agendamento e a equipe interdisciplinar. Entre outras propostas está a inclusão de lítio (medicamento utilizado como estabilizador de humor) na água da Cagece, seguindo o modelo aplicado de outras cidades.

Fábio Gomes de Matos defende a criação de uma "rede da vida" para a prevenção do suicídio, com a colaboração de instituições como a Perícia Forense do Ceará (Pefoce) e o Instituto Dr. José Frota (IJF). "Precisamos mapear onde e como o suicídio acontece para agir de forma estratégica", afirma.

Essa rede incluiria um prontuário único por pessoa, permitindo a identificação e o acompanhamento de quem já tentou suicídio. Ele também defende a necessidade de um portal que centralize informações sobre onde procurar ajuda, como os CAPs. "Precisamos localizar quem está em risco, não só quem já tentou", alerta.

A proposta é de um modelo de atenção em que psiquiatras e psicólogos atuem nos postos de saúde, junto às comunidades, para um atendimento mais próximo e humanizado. "Os hospitais psiquiátricos precisam se modernizar, evitando a discriminação e o estigma", reforça. Ele destaca que mais de 90% dos casos de suicídio estão ligados a transtornos mentais, muitos dos quais não são diagnosticados ou tratados adequadamente.

A questão, portanto, vai além da discussão filosófica sobre o sentido da vida ou dos fatores de adoecimento da contemporaneidade. É preciso avaliar as condições diante da subjetividade de cada pessoa, analisar os fatores sociais e criar condições estruturais para o atendimento.

Aplique os Primeiros Socorros Psicológicos

As campanhas como o Setembro Amarelo não têm como objetivo zerar o número de suicídios. Em vez disso, elas alertam a sociedade e os gestores para a necessidade de políticas públicas, informação e acolhimento, criando uma cultura de prevenção e cuidado.

A psicóloga e professora Ticiana Paiva, em seu livro Em Meio à Tempestade, oferece um guia para a avaliação de crises, baseado em estudos e dados da OMS. A obra apresenta estratégias de cuidado que podem auxiliar no encaminhamento de pessoas em situação de crise, sofrimento e estresse diário, considerando as "janelas de tolerância".

O trabalho de Ticiana é fundamentado em pilares como a escuta reflexiva para o acolhimento, a priorização de necessidades básicas e a intervenção por meio de uma escuta empática.

Dentro desse processo, é importante lembrar que as pessoas reagem de maneira diferente às situações de crise. Por isso, nem todos querem ou precisam de Primeiros Socorros Psicológicos (PSP), e nem todos têm condições de lidar com conteúdos assustadores.

Ainda assim, há um anseio da população por fazer algo. "Precisamos ter ações seguras em nossos lares, comunidades e igrejas para acolher pessoas em momentos de vulnerabilidade emocional e física. Se você perceber algo nesse sentido em um filho, amigo ou vizinho, você pode ser essa ponte de cuidado", acrescenta Ticiana.

A professora é categórica: "Se você se interessa pelo que está acontecendo com a pessoa, diga a ela que está preocupado e que irá com ela buscar ajuda". Ela reforça que muitas pessoas têm medo de se intrometer, enquanto outras se sentem desamparadas. "Falta um debate aberto", conclui.

Sinais de alerta e como ajudar

O perfil de risco para suicídio se concentra dos 15 aos 29 anos. Esse desfecho é a terceira causa de morte nessa faixa etária. Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), destaca que o suicídio é um fenômeno multifatorial e complexo, incluindo determinantes sociais e fatores individuais.

Ele frisa a desigualdade social e questões como pobreza, racismo, baixa escolaridade, falta de acesso à saúde e pressões ocupacionais.

Entre os fatores individuais, se destaca o histórico de doenças mentais. "Praticamente 100% das pessoas que cometem suicídio tem doença mental, muitas vezes não diagnosticada ou não tratada", cita.
Pessoas em risco de suicídio dão sinais. E é importante que todos fiquem alertas a esses sinais, expressos por mudanças no comportamento. Histórico de tentativa de suicídio anterior também são um alerta.
Isolamento; expressão de sentimentos de desesperança e falta de propósito; falas de culpa e vergonha; perda de interesse em atividades antes valorizadas; tristeza intensa, ansiedade, irritabilidade, oscilações de humor repentinas; negligência com a própria aparência e autocuidado; experiências de violência, abuso ou perda recente são alguns aspectos a serem observados.

Nesses casos, é importante acolher e ouvir sem julgamento. "Demonstrar apoio e acolhimento. Evitar minimizar o sofrimento ou usar frases como 'isso é fraqueza' ou 'vai passar'. Não é fraqueza, não vai passar. Você tem que encaminhar a pessoa para ajuda profissional. O ideal é procurar um psiquiatra", explica Antônio Geraldo.

No Brasil, o cenário do suicídio é preocupante e tem apresentado um aumento contínuo. O psiquiatra atribui este crescimento, principalmente, à falta de acesso a tratamento. Ele enfatiza a dificuldade que muitas pessoas enfrentam ao receber um diagnóstico, mas não ter acesso a medicamentos psicotrópicos na Farmácia Popular.

Nesse contexto, o presidente da ABP destaca que o Setembro Amarelo foi tornada oficial.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que institui a campanha. A medida foi publicada na terça-feira, 9, no Diário Oficial da União. Texto estabelece setembro como o mês de mobilização nacional voltado à promoção da saúde mental e à conscientização sobre a prevenção da automutilação e do suicídio.

A campanha Setembro Amarelo deverá ser realizada anualmente no mês de setembro, em todo o País, com ações que englobem a prevenção à automutilação e ao suicídio. Conforme a lei, a campanha busca informar sobre riscos, oferecer orientação sobre recursos disponíveis de apoio e tratamento, e fortalecer a empatia e o acolhimento.

Para Antônio, o impacto real da medida dependerá de mudanças concretas no sistema de atendimento e no acesso a tratamento e medicamentos.

 

Ticiana Paiva, psicóloga e professora
Ticiana Paiva, psicóloga e professora

Aplique os Primeiros Socorros Psicológicos

As campanhas como o Setembro Amarelo não têm como objetivo zerar o número de suicídios. Em vez disso, elas alertam a sociedade e os gestores para a necessidade de políticas públicas, informação e acolhimento, criando uma cultura de
prevenção e cuidado.

A psicóloga e professora Ticiana Paiva, em seu livro Em Meio à Tempestade, oferece um guia para a avaliação de crises, baseado em estudos e dados da OMS e outros autores. A obra apresenta estratégias de cuidado que podem auxiliar no encaminhamento de pessoas em situação de crise, sofrimento e estresse diário, considerando as "janelas de tolerância" de cada um.

O trabalho de Ticiana é fundamentado em pilares como a escuta reflexiva para o acolhimento, a priorização de necessidades básicas e a intervenção por meio de uma escuta empática.

Dentro desse processo, é importante lembrar que as pessoas reagem de maneira diferente às situações de crise. Por isso, nem todos querem ou precisam de Primeiros Socorros Psicológicos (PSP), e nem todos têm condições de lidar com conteúdos assustadores.

Ainda assim, há um anseio da população por fazer algo. "Precisamos ter ações seguras em nossos lares, comunidades e igrejas para acolher pessoas em momentos de vulnerabilidade emocional e física. Se você perceber algo nesse sentido em um filho, amigo ou vizinho, você pode ser essa ponte de cuidado", acrescenta Ticiana.

Além disso, há uma necessidade de adequação da linguagem, para que os adoecimentos não sejam tratados como características definitivas das pessoas. "Ninguém é suicida, mas sim está em uma crise com risco de suicídio". A mudança ajudaria a evitar a redução do indivíduo à sua doença, combatendo o estigma associado aos transtornos mentais".

A professora é categórica: "Se você se interessa pelo que está acontecendo com a pessoa, diga a ela que está preocupado e que irá com ela buscar ajuda". Ela reforça que muitas pessoas têm medo de se intrometer, enquanto outras se sentem desamparadas. "Falta um debate aberto", conclui.

Sinais de alerta e como ajudar

O perfil de risco para suicídio se concentra dos 15 aos 29 anos. Esse desfecho é a terceira causa de morte nessa faixa etária. Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), destaca que o suicídio é um fenômeno multifatorial e complexo, incluindo determinantes sociais e fatores individuais.

Ele frisa a desigualdade social e questões como pobreza, racismo, baixa escolaridade, falta de acesso à saúde e pressões ocupacionais. Entre os fatores individuais, se destaca o histórico de doenças mentais. "Praticamente 100% das pessoas que cometem suicídio tem doença mental, muitas vezes não diagnosticada ou não tratada", cita.

Pessoas em risco de suicídio dão sinais. E é importante que todos fiquem alertas a esses sinais, expressos por mudanças no comportamento. Histórico de tentativa de suicídio anterior também são um alerta.

Isolamento; expressão de sentimentos de desesperança e falta de propósito; falas de culpa e vergonha; perda de interesse em atividades antes valorizadas; tristeza intensa, ansiedade, irritabilidade, oscilações de humor repentinas; negligência com a própria aparência e autocuidado; experiências de violência, abuso ou perda recente são alguns aspectos a serem observados.

Nesses casos, é importante acolher e ouvir sem julgamento. "Demonstrar apoio e acolhimento. Evitar minimizar o sofrimento ou usar frases como 'isso é fraqueza' ou 'vai passar'. Não é fraqueza, não vai passar. Você tem que encaminhar a pessoa para ajuda profissional. O ideal é procurar um psiquiatra", explica Antônio Geraldo.

No Brasil, o cenário do suicídio é preocupante e tem apresentado um aumento contínuo. O psiquiatra atribui este crescimento, principalmente, à falta de acesso a tratamento. Ele enfatiza a dificuldade que muitas pessoas enfrentam ao receber um diagnóstico, mas não ter acesso a medicamentos psicotrópicos na Farmácia Popular.

Nesse contexto, o presidente da ABP destaca que a campanha do Setembro Amarelo foi tornada oficial. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que institui a campanha. A medida foi publicada na terça-feira, 9, no Diário Oficial da União. Texto estabelece setembro como o mês de mobilização nacional voltado à promoção da saúde mental e à conscientização sobre a prevenção da automutilação e do suicídio.

A campanha Setembro Amarelo deverá ser realizada anualmente no mês de setembro, em todo o País, com ações que englobem a prevenção à automutilação e ao suicídio. Conforme a lei, a campanha busca informar sobre riscos, oferecer orientação sobre recursos disponíveis de apoio e tratamento, e fortalecer a empatia e o acolhimento.

Para Antônio, o impacto real da medida dependerá de mudanças concretas no sistema de atendimento e no acesso a tratamento e medicamentos.

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