Logo O POVO+
A saúde mental negra:o preço do passado
Comentar
Ciência e Saúde

A saúde mental negra:o preço do passado

| Nordeste | Pesquisa revela que 82,7% dos suicídios no Nordeste são de pessoas negras. O Ceará ocupa o segundo lugar com maior número
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Comentar
Arte Ciência e Saúde 07/12/2025 - Saúde Mental de Pessoas Negras (Foto: Gemini AI)
Foto: Gemini AI Arte Ciência e Saúde 07/12/2025 - Saúde Mental de Pessoas Negras

O Brasil foi o país que mais recebeu africanos escravizados no mundo, com mais de 4 milhões. No continente, foi o com maior tempo de escravidão, com quase quatro séculos, e o último do continente a aboli-la, em 1888. Esse passado devastador, até hoje, resulta em diversas consequências sociais, econômicas e políticas para a população negra.

A pobreza, a violência, a marginalização e a discriminação são um reflexo direto disso. Diariamente, os negros enfrentam precariedade no mercado de trabalho, dificuldade de acesso à educação, moradia e serviços básicos, a sub-representação em espaços de poder e a violência histórica e contemporânea.

E isso tem um preço: a saúde mental. Segundo o IBGE, o Nordeste é a região onde a população negra é majoritariamente e proporcionalmente mais presente. É nela também que um cenário devastador se apresenta: 82,7% das pessoas que cometeram suicídio nessa região, entre 2019 e 2022, eram negras.

O estudo foi realizado pelo Observatório de Suicídio e Raça (Obsur), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que analisou dados de mortalidade desse período, e em alguns estados, esse número ultrapassa 90%.

Lucas Gomes Maciel é psicólogo clínico e pesquisador do Observatório de Suicídio e Raça da UFRN (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Lucas Gomes Maciel é psicólogo clínico e pesquisador do Observatório de Suicídio e Raça da UFRN

Lucas Maciel, estudante de psicologia, pesquisador do Obsur e um dos autores do estudo, explicou que o estudo foi realizado com base em dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do DataSUS. Nesse processo, outros resultados se destacam.

Um dos perfis mais afetados é o de homens negros adultos, mas em todas as faixas etárias e nos dois sexos, os negros representam a maioria dos casos. Quatro estados apresentaram criticidade em relação à taxa de suicídio: Alagoas, Sergipe, Bahia e Ceará. 

“O suicídio aparece como um fenômeno hegemônico, como algo que ninguém diz quem é a pessoa que comete ou quais são os riscos; não existe uma caracterização epidemiológica bem feita disso. É uma crítica severa porque ele traz isso como algo geral, como um fenômeno humano universal, mas ele possui recortes específicos”, explica Lucas.

Por ser o terceiro estado mais populoso do Nordeste, o Ceará ficou em segundo lugar de maior taxa de suicídio dessa população. A hipótese, segundo Lucas, é a verificação das estatísticas através da Secretaria Estadual de Combate ao Racismo Institucional, que qualifica os dados e denuncia a violência cotidiana vivida pela população negra.

A população negra é grande maioria na falta de acesso a saúde básica (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal A população negra é grande maioria na falta de acesso a saúde básica

“O processo racista, colonial e de embranquecimento da população reflete nos censos e na autoidentificação. Não há uniformidade mundial sobre o que define uma pessoa negra (se por descendência ou fenótipo), e isso afeta porque as declarações de óbito não são autodeclaradas — alguém determinou a cor da pessoa falecida. Essa falta de uniformidade gera uma grande lacuna”, diz.

A pesquisa propõe um olhar para além dos números e estatísticas, com o referencial teórico do conceito de “condições de mundo” — antes de falar em “escolha” de quem tira a própria vida, é necessário analisar que mundo está sendo oferecido para essas pessoas.

“Se olhamos para as mulheres, são as negras; se olhamos para os adolescentes, são os negros. Não estamos falando de diagnóstico psicopatológico individual, mas do adoecimento da sociedade e da colocação de certos corpos em vulnerabilidade. A população negra se destaca como vulnerável, seja pelo racismo institucional, violências ou contextos socioeconômicos graves”, afirma o pesquisador.

O Ministério da Saúde também é citado, já que em 2016 já apontava questões como ausência de pertencimento, sentimento de inferioridade, rejeição, solidão e isolamento social como gatilhos para o comportamento suicida entre pessoas negras. Atualmente, o Obsur se prepara para focar em suicídio da população negra e idosa no Norte, expandindo para outras regiões do país.

Para Lucas Maciel, esses dados não recebem a atenção midiática necessária para criar políticas públicas e pensar o porquê disso. Segundo ele, é fundamental uma ação multifatorial: promoção de condições de existência e saída da vulnerabilidade social.

“Precisamos de políticas públicas de saúde, assistência social e ascensão social. O suicídio não deve ser usado para patologizar essa população, mas apontar a necessidade de enfrentamento ao racismo. O letramento racial é vital para a saúde mental, além de espaços de troca e coletividade, onde se possa conversa sobre sofrimentos em comum e encontra referências”, finaliza.

A importância do autoconhecimento e do autocuidado

Em entrevista com a psicóloga Sayonara de Freitas, ela destaca que para falarmos sobre saúde mental da população negra é necessário todo um contexto interseccional e um recorte sobre as diversas camadas de violência que atravessam essa população.

Sayonara Freitas é psicóloga clínica (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Sayonara Freitas é psicóloga clínica

Para ela, um dos olhares centrais é para o racismo estrutural, porque é justamente ele que, além de produzir muitas violências, mantém um projeto de negligência e distanciamento dessa população não só da saúde, mas do lazer, da cultura e de possibilidades.

“Precisamos ter brechas também para nos cuidar, para nos olhar. O racismo está nessa centralidade que muitas vezes nos impede de compreender saúde e de nos entendermos como pessoas que precisam fazer essa manutenção diariamente. Ele muda nossa subjetividade enquanto pessoa negra e é importante tomarmos consciência disso, porque são muitas marcas ao longo de muitos anos”, explica.

A especialista abre espaço para falar sobre as diversas formas autodestrutivas às quais a população negra foi direcionada a reproduzir, como a violência e o vício em drogas, muitas vezes presentes no território.

“Tudo isso vem de não termos possibilidade de nos olhar. É um projeto feito para que a gente não se olhe com cuidado, carinho e afeto, além de nos distanciar enquanto comunidade. É importantíssimo nos fortalecermos enquanto comunidade”, destaca.

Sayonara lembra que muitas vezes não existe nem tempo para a tomada de consciência do que está sendo reproduzido, fazendo parte de um repertório emocional, cognitivo e comportamental dessa população.

“Hoje, quando se fala sobre autocuidado, o foco às vezes é só estética, mas é preciso compreender o que é isso para você, sem ficar só atento às grandes comparações com lugares de privilégio inacessíveis, nos quais o belo é só o branco. A autoestima negra muitas vezes é fragilizada ainda na infância”, afirma.

Sobre a reconstrução da autoestima, a psicóloga aconselha o reconhecimento como uma pessoa negra e o entendimento individual das particularidades e singularidades, em que o encontro da beleza surge no autoconhecimento. As relações com o outro estão totalmente ligadas ao cuidado em saúde mental.

“Quando estamos em grupo e começamos a ver a pluralidade das pessoas negras e a forma como elas se portam, isso também é importante para criarmos essas referências sobre beleza e autoestima. E dentro da realidade, olhar as possibilidades de minimamente ter um momento de lazer, de diversão e relaxar”, conclui.

A urgência de mais pesquisas

A quilombola Marleide Nascimento, além de pedagoga e psicopedagoga, é pesquisadora do grupo Conflitos Socioambientais, Suicídio e Quilombos (COSQUI). O espaço pensa, contribui e atua diversificadamente em alguns territórios quilombolas do Brasil.

Marleide Nascimento é quilombola, pedagoga, psicopedagoga e pesquisadora(Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Marleide Nascimento é quilombola, pedagoga, psicopedagoga e pesquisadora

Ele foi pensado por estudantes e pesquisadores quilombolas em um momento em que os estudantes da Unilab Ceará estavam vivendo conflitos internos e externos no espaço acadêmico.

Hoje, segundo a pesquisadora, o estudo vem trazendo dados relevantes sobre o alto índice de adoecimento mental, sobretudo nas mulheres quilombolas, as mais afetadas. Para Marleide, isso é fundamental para a discussão nacional da saúde mental da população quilombola.

“Atualmente, temos um curso de saúde contracolonial que rodou em alguns territórios do Brasil e com isso temos material pedagógico que fortalece e contribui positivamente com as escolas nas discussões sobre a temática citada”, revela.

Ela destaca a falta de efetivação da política nacional de saúde quilombola e a necessidade de sua aprovação, que vai garantir o olhar múltiplo para a especificidade dessa população, que precisa compreender sua etnia e os problemas que a atravessam.

“A falta de pesquisas evidencia que, se não formos nós por nós, não terá quem faça. Por isso estamos com outros pesquisadores, para construir. Cansamos de ser só objeto de pesquisa, hoje somos nós que pesquisamos. O nosso adoecimento é pela falta de acesso à política pública e território, e de não nos enxergarem como sujeitos com direitos”, afirma.

Ana Eugenia, também pesquisadora do Cosqui, que, ao lado de Marleide, coordena o coletivo de educação quilombola do Ceará, lembra que o investimento na educação é primordial e tem que ser contextualizado e pautado nas populações vulneráveis, com letramento racial e quilombola.

Ana Eugenia é pesquisadora do COSQUI e faz parte do coletivo de saúde da CONAQ (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Ana Eugenia é pesquisadora do COSQUI e faz parte do coletivo de saúde da CONAQ

“Quem atua na saúde precisa compreender que nossas mazelas são muitas vezes sociais. O que nos cura é poder viver livre em nossos territórios. Tenho a coletividade como um dos princípios fundantes para a manutenção da vida, que carrega em si o saber da terra, das plantas, dos animais e da vida”, finaliza.

Desafios que ainda persistem

Math Costa Mota, estudante de Serviço Social, e que atua na pesquisa de política de Saúde Mental Antirracista, fala sobre os avanços de políticas neoliberais de individualização da experiência humana, como a exploração do meio ambiente, a agudização da pobreza, da fome e da violência nas periferias — seja armada, faccional ou institucional.

Math Costa Mota é pesquisadora de Politica de Saúde Mental Antirracista e estudante de Serviço Social da UECE.(Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Math Costa Mota é pesquisadora de Politica de Saúde Mental Antirracista e estudante de Serviço Social da UECE.

“O que temos visto é que a política de saúde mental não deve se restringir somente ao diagnóstico, no qual, independentemente do adoecimento, o quadro é agravado a partir da experiência e do lugar social desses indivíduos. O assistente social precisa desse olhar diferenciado, com o qual fazemos um acompanhamento ampliado de sua dimensão social”, comenta.

Math, que já atuou em um hospital mental de Fortaleza, revela sobre o funcionamento, que ainda traz traços manicomiais, em que a estrutura insiste em permanecer conservadora, além de não contar com orçamento que garanta a qualidade dos serviços.

“A grande maioria das pessoas internadas é negra e advinda das periferias de Fortaleza ou do interior do estado. Há também reclamações sobre os CAPS, seja pela não contratação ou pela falta de psiquiatras, gerando filas de espera de meses ou até um ano”, explica.

A pesquisadora também abre espaço para um âmbito ainda pouco falado: as instituições prisionais, com pessoas com algum tipo de deficiência cognitiva ou questão de saúde mental. No Ceará, o Instituto Stênio Gomes, único hospital psiquiátrico do sistema prisional, foi fechado.

“É um espaço crucial para os “esquecidos” pelas famílias e pelo Estado. O grande debate nacional é que essas pessoas deveriam estar vinculadas a um departamento da assistência social e da saúde. E sim, a grande maioria são pessoas negras ocupando esses lugares de negação do direito de ir e vir, do cuidado em liberdade”, finaliza.

Atualmente, Math vem pesquisando o processo de negação da política de saúde mental para as mães que tiveram seus filhos vitimados pela violência letal do Estado. Ou seja, analisando essa negação no Ceará, com um recorte de raça e gênero.

“Em dados iniciais, levantei que o Estado não prevê antes de acontecer; precisa ter algum mecanismo de reparação. O que temos hoje não é uma política institucionalizada de garantia da saúde mental dessas mulheres, mas sim arranjo. É preciso uma legislação específica, assumindo a responsabilidade dessas mortes, em que não assumem o crime e que as vítimas são negras”, conclui.

Realidades atravessadas por desafios

Para essa reportagem, O POVO visitou a Associação João Pedro, no Grande Pirambu, onde entrevistou produtores culturais negros de diversas idades. Eles, que vivem na maior favela de Fortaleza e relatam sobre a saúde mental e como a cultura e a coletividade vêm os mantendo resistentes à realidade que vivem.

Produzir cultura segue sendo uma das portas de mudança de realidade em territórios marginalizados (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Produzir cultura segue sendo uma das portas de mudança de realidade em territórios marginalizados

Eles comentam que o bairro é retratado na mídia apenas como um lugar marcado pela violência e pela marginalidade, mas é do Grande Pirambu que diversos artistas saem, seja da moda, da música, do teatro, do audiovisual ou da dança.

O multiartista da cultura popular Roberto Vieira, de 35 anos, conhecido como Myster Sheyd, desde criança vivenciou questões de racismo e território.

“Aonde chego, apesar de já ser preto e periférico, o fato de ser do Pirambu faz com que a galera tenha um certo receio, e isso nos afeta. Abala a gente enquanto criança e adolescente. Crescemos tentando fazer o impossível para pertencer à arte, mas até nesse meio existe preconceito”, revela.

Ele comenta sobre um amigo que teve acesso a um curso gerido pelo Estado, mas teria que se deslocar para outro território, rival do seu.

O fortalecimento do quilombo é um dos principais caminhos na busca do autocuidado (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal O fortalecimento do quilombo é um dos principais caminhos na busca do autocuidado

“O próprio equipamento, que deveria facilitar nossa educação, permanência e noção de pertencimento, acaba dificultando o acesso. É justamente por conta disso que os problemas começam. Isso resvala na questão do desemprego, na falta de grana e, claro, na saúde mental”, pontua.

Uma das questões pontuadas nas entrevistas foi o acesso fácil e muito cedo às drogas, como o álcool, usado muitas vezes como refúgio da realidade e trazendo consequências severas na vida dessas pessoas. Sobre o acesso a acompanhamento psiquiátrico, Xexéu, de 22 anos, fala que teve oportunidade de ter isso na infância devido a uma fundação, na qual tinha acompanhamento e fazia terapia através da pintura.

“A criança cresce em um ambiente com mazelas sociais e falta de saneamento, associadas à pobreza e à violência, o que a torna agitada. O contato com a arteterapia foi fundamental. Como eu não sabia  expressar muito bem o que sentia, era mais fácil expressar numa tela”, diz.

A cultura é uma das principais ferramentas na recuperação do autoestima e no processo de autocuidado (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal A cultura é uma das principais ferramentas na recuperação do autoestima e no processo de autocuidado

Sobre suicídio, eles afirmam que nunca foi nada concreto na vida deles, mas que, sim, pensamentos intrusivos de não pertencimento e não existência já foram algo constante.

“As drogas são “pequenas mortes”, pequenos suicídios e gatilhos para fugirmos dessa loucura da vida. Mas acabamos tão viciados em fugir que entramos num labirinto do qual não conseguimos sair. A cultura e minha família me salvaram e me salvam até hoje”, diz Davi Lobo, conhecido como Lobin, de 26 anos.
Rute Jaguar, de 21 anos e fotógrafa, comenta sobre a dor da mulher negra, que desde cedo é colocada num lugar subjugado e sexualizado.

“Precisei fazer terapia por quatro anos para recuperar a infância que havia perdido. Entendo que homens negros têm suas dores, mas a estrutura sistêmica e patriarcal sempre coloca uma mina preta em um lugar mais baixo, com a voz reduzida”, afirma.

Nayma Lima, multiartista de 22 anos, comenta sobre a importância da cultura e do lazer no território, e que para trabalhar nesse incentivo sempre precisou conciliar várias atividades e uma rotina exaustiva.

“Hoje em dia corro menos porque minha saúde ficou debilitada. Eu amo e sempre vou trabalhar na cultura, mas a falta de incentivo ao nosso trabalho é marcante. Os lugares que ocupei tinham sempre uma tensão no ar de um espaço que não acolhe bem”, revela.

O ator Iago Xavier, conhecido como Mazé, lembra que o processo de saúde mental exige uma rede de apoio, e sem esse espaço de coletividade é mais fácil se perder no processo.

“Com essa rede, você mantém os pés no chão e vê que não é uma experiência individual. O caminho é o que estamos fazendo aqui: estar juntos. É ter o seu local de fala, mas também ter acolhimento e exercer o poder da escuta”, diz.

Artigo 

Brasil: um país negro e indígena com uma saúde pública branca

Bruno de Castro
Pesquisador de questões raciais, antropólogo e aluno do doutorado em Comunicação da UFC
bruno.castro.jornalismo@gmail.com

Bruno de Castro Pesquisador de questões raciais, antropólogo e aluno do doutorado em Comunicação da UFC bruno.castro.jornalismo@gmail.com (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Bruno de Castro Pesquisador de questões raciais, antropólogo e aluno do doutorado em Comunicação da UFC bruno.castro.jornalismo@gmail.com

Um dos maiores intelectuais da história, o norte-americano James Baldwin certa vez disse: “ser negro e minimamente consciente é viver o tempo todo com raiva”. Trocando em miúdos: não ser branco é ter a saúde mental compulsoriamente posta à prova porque o racismo nos ataca o tempo todo. De uma simples ida ao supermercado, quando o segurança nos segue por achar que oferecemos perigo, a relacionamentos afetivos, quando quase sempre somos o(a) outro(a), o preconceito racial sempre nos alcança.

Mas ele não coloca apenas o psicológico da pessoa preta e parda em sofrimento. Também deixa a gente mais suscetível a sofrer um Acidente Vascular Cerebral, que é uma das principais causas de internação do Brasil. Estudos comprovam que a constância do stress do preconceito racial - que só pode ser sentido por pessoas não brancas - nos expõe ao risco de uma invalidez permanente ou mesmo ao óbito.

Além disso, no Brasil que mata um jovem negro a cada 23 minutos, o racismo tem impacto objetivo sobre a saúde pública. Sim, morrer mobiliza recursos (financeiros e humanos) dos governos neste setor. E este genocídio, muitas vezes causado pelo próprio Estado e evitável, custa caro quando sequestra recursos que poderiam ser destinados à Política Nacional de Saúde Integram da População Negra, instituída em 2009. Política essa, inclusive, que precisa ser observada pelos profissionais do SUS.

Muitos a desconhecem ou ignoram ao desconsiderarem que a mortalidade materna ocorre mais entre pessoas negras que gestam. São elas também que têm mais casos de eclampsia, doença falciforme e câncer de colo do útero. E é a população negra em geral que mais registra pacientes diabéticos e hipertensos. Entre as pessoas com próstata, são as negras as que mais recebem diagnóstico de câncer.

Se é a raça o fator determinante para a ocorrência dessas (e de tantas outras) enfermidades, a abordagem na saúde tem o dever de considerar isso. Não se pode tratar a questão racial como penduricalho. Ela precisa estar na base de qualquer política pública e chegar na ponta, onde o profissional está, para que se transforme em procedimento quando pessoas negras forem atendidas, bem em fluxo na gestão dos casos.

A raça precisa subir mais do que a rampa do Palácio do Planalto ao lado de um presidente. Deve estar na rotina de qualquer equipamento de saúde. Se o Brasil é um país de maioria negra e indígena, como pode ser aceitável tratarmos todos(as) os(as) pacientes tendo como referência o que se passa no organismo de uma pessoa branca? Essa conta não apenas não fecha. Ela mata.

 

 

O que você achou desse conteúdo?