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Por dentro do cérebro das crianças
Ciência e Saúde

Por dentro do cérebro das crianças

| precisão | Boneco ultrarrealista aperfeiçoa o treinamento de neurocirurgiões. A última geração do bebê simulador foi apresentada em Fortaleza este mês
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Neurocirurgiã Giselle Coelho ministrou curso utilizando bebês simuladores no XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica, em Fortaleza (Foto: Geovanne Jinkings/ Divulgação)
Foto: Geovanne Jinkings/ Divulgação Neurocirurgiã Giselle Coelho ministrou curso utilizando bebês simuladores no XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica, em Fortaleza

O cérebro humano é o lugar das perguntas. Cirurgias simuladas em cadáveres, animais e até em caixas de papelão e de isopor já tentaram chegar a respostas sobre tratamentos e curas de doenças no cérebro, ultrapassam especialistas atuais. O caminho mais comum, percorrido em residências médicas, se fazia com os pacientes reais no momento da cirurgia. "Era assim desde sempre", restaura a neurocirurgiã pediátrica Giselle Coelho Resende Caselato. Mas há sete anos um bebê simulador ultrarrealista, criado por Giselle Coelho, vem aperfeiçoando o treinamento de médicos neurocirurgiões. A mais nova geração do simulador foi apresentada em um curso, durante o XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica, neste junho, em Fortaleza.

A boneca, chamada Gigi, tem peso, textura e resistência semelhantes aos tecidos humanos. A densidade do crânio também se aproxima do real, e um corante simula o sangue intracraniano. A mais recente inovação, além da melhoria dos materiais, destaca a neurocirurgiã, é a ampliação do número de doenças simuladas e o desenvolvimento de bebês ultrarrealistas dos dois gêneros. "Primeiro, ela (Gigi) tinha hidrocefalia e um tipo específico de tumor. Hoje, ela tem vários tipos de tumores e já está sendo desenvolvido outro tipo de simulador que tem lesões específicas de meninos e lesões específicas de meninas, (quer dizer) mais prevalentes no sexo masculino e no sexo feminino", retrata.

Os treinamentos, a partir dos novos materiais e doenças incorporados a Gigi, começaram em Nápoles (Itália), em janeiro deste ano, passaram por São Paulo (abril) e agora, em Fortaleza, foram realizados os primeiros cursos com os dois gêneros, informa Giselle Coelho. O bebê simulador ultrarrealista, acredita a neurocirurgiã, possibilita o treinamento mais próximo à perfeição. "Com a facilidade de o residente em neurocirurgia poder fazer várias vezes. Ele pode corrigir e aprimorar a técnica antes de ir para o paciente real", propõe. "Ele melhora a cada vez que ele faz. Nós publicamos um estudo recente que, a partir do sexto procedimento, o número de erros cai exponencialmente", completa. A neurocirurgiã garante que o simulador dá a precisão de como agir em situações de complicação ou urgência. "Quando você consegue manejar, entender e saber como agir, você tem calma diante delas", soma.

Para Giselle, é ainda um treinamento "sem fronteiras", capaz de "nivelar por cima todas as populações, independente do nível econômico". O neurocirurgião Ricardo Santos de Oliveira, presidente eleito da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica, também valoriza o acesso à inovação, disseminado do Brasil para o mundo. As gerações de bebês simuladores, ele exemplifica, representam o aprimoramento da formação de neurocirurgiões a custos mais baixos se comparado a outros modelos de práticas, como em cadáveres: "Você oferece um tipo de treinamento (de ponta) para um número muito maior de pessoas".

O projeto, reafirma Giselle Coelho, "é todo brasileiro" e teve início quando ela idealizou uma forma mais segura de treinar o procedimento neuroendoscópico (técnica minimamente invasiva). Residente, dialogou com mestres como os neurocirurgiões Samuel Tau Symberg, da Escola Paulista de Medicina/Unifesp, e Benjamim Warf, referência no tratamento de crianças com hidrocefalia nas áreas mais miseráveis de Uganda (África).

Desenvolvido em 2012 e registrado como "o primeiro simulador neurocirúrgico pediátrico do mundo", em artigo publicado por Giselle na revista científica Child´s Nervous System, o modelo inicial da boneca Gigi foi premiado pela World Federation of Neurosurgical Societies (WFNS, na Suíça), na categoria Jovem Cirurgião, em 2015. Ano passado, nasceu a mais recente geração do projeto, em parceria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Instituto EDUCSIM.

"Eu acho que dá para treinar o maior número de patologias possíveis, com todos os riscos de abordagem que cada uma delas tem. O grande intuito é esse. Quanto mais um residente treinar no simulador, mais preparado ele está. Mais confiante, com muito mais capacitação técnica para operar um paciente real", projeta Giselle Coelho um caminho entre as perguntas que o cérebro humano faz e refaz à ciência.

ENCONTRO

O XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica foi realizado entre os dias 5 e 8 de junho deste ano, em Fortaleza. Mais de 150 profissionais da saúde, entre brasileiros e estrangeiros, se reuniram para discussões científicas em torno do tema principal: "Alterações no desenvolvimento do sistema nervoso: da embriologia à integração à sociedade".

Serviço

O Instituto EDUCSIM oferece treinamentos com os bebês simuladores ultrarrealistas. Contatos pelo Instagram da instituição: @educsim.

 

Conteúdo exclusivo: vídeo mostra cirurgia simulada em bebê ultrarrealista

O vídeo mostra uma cirurgia em um bebê simulador ultrarrealista, para realização de uma biópsia em um tumor na região cerebral. A neurocirurgiã pediátrica Giselle Coelho faz a seguinte descrição técnica do procedimento: "(na imagem inicial) O bebê posicionado com o neuroendoscopio. Em seguida a navegação dentro do ventriculo cerebral, forame de Monro com plexo coróide e o assoalho do terceiro ventriculo onde com um balão de fogarty será aberto o assoalho ( procedimento denominado terceiroventriculostomia ). Finalizando com a realização de biópsia de uma lesão tumoral na região da glândula pineal com efeito sangrante."

Os impactos neurológicos da violência para as crianças

Tratamentos da hidrocefalia, dos tumores cerebrais, da espasticidade (rigidez dos músculos), da paralisia cerebral e das malformações na coluna conduziram os diálogos entre os mais de 150 profissionais, brasileiros e estrangeiros, que participaram do XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica, entre os dias 5 e 8 deste mês, em Fortaleza. São questões da saúde infantil que atingem, principalmente, “a população mais socialmente vulnerável”, observa o neurocirurgião pediátrico Eduardo Jucá, presidente desta edição do encontro.

O cuidado com o sistema nervoso das crianças, atentam os especialistas, repercute no desenvolvimento da vida inteira. É fundamental um diagnóstico precoce e este é um dos desafios ainda a serem vencidos pelos médicos. “Muitas crianças sofrem maus tratos e chegam muito tarde pra gente”, lamenta a neurocirurgiã pediátrica Giselle Coelho Resende Caselato, do Hospital Santa Marcelina (São Paulo). “É como se acontecesse um acúmulo de lesões até que ela fica, realmente, grave e vai até o hospital, para ter atendimento médico”, explica.

Naturalmente vulnerável, a criança ainda pode ser exposta à violência, marca cultural de um país como o Brasil. “Historicamente, vem desde nossa colonização. A violência como alicerce da nossa sociedade. Não é só a violência física contra a criança, vai desde exclusão social até o bullying e intolerâncias de gênero, racismo. Toda forma de violência é grave”, expõe o médico José Roberto Tude Melo, responsável pela Divisão de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital São Rafael, em Salvador.

No XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica, Roberto Tude apresentou a conferência “A criança no contexto da epidemia brasileira de violência” e repercute: os danos físicos e na saúde mental são gigantescos e terríveis. Vários distúrbios, do isolamento social a tentativas de suicídio, são consequências psíquicas da violência contra a criança. “Do ponto de vista neurológico, temos que pensar nas três principais formas de agressão: espancamento, bebê sacudido e a terceira forma, gravíssima, o shaken impact”, pontua.

O neurocirurgião informa que os casos de bebês sacudidos são uma das principais causas de morte de crianças menores de dois anos, no Brasil. “O bebê, até os dois anos, proporcionalmente, tem o crânio maior. A cabeça pesa mais do que o corpo, é desproporcional nessa idade; e temos uma imaturidade da musculatura cervical. Com esse movimento (sacudir), (o crânio) bate na estrutura óssea”, alerta. 

Contusões cerebrais, déficits cognitivo e de aprendizado, riscos de tetraplegia e cegueira são algumas consequências dessa violência. O problema ainda tem subnotificação e é pouco denunciado, contrapõe Roberto Tude, porque o diagnóstico, muitas vezes, não é feito com precisão. Diferente de um espancamento, que deixa marcas visíveis, sacudir o bebê não expõe pistas da violência, compara o médico, mascarando as causas dos danos.

E o shaken impact – quando, além de sacudido, o bebê é arremessado contra uma superfície rígida – também é uma das violências mais cruéis contra as crianças, avalia o neurocirurgião, ao deixar sequelas neurológicas irreversíveis ou levar à morte. Famílias com histórico de violência, relaciona o especialista, ou em condições de maior vulnerabilidade social despontam como agentes desses casos. “Penso, como principal caminho (contrário), a educação, a tolerância e o respeito”, traça o neurocirurgião.

Neurocirurgia infantil: o Brasil tem tratamento

Em Fortaleza, o Hospital Infantil Albert Sabin (Hias) é apontando como referência, no Sistema Único de Saúde (SUS), em casos de pediatria em alta complexidade – como demandas da neurologia -, valoriza o neurocirurgião pediátrico Eduardo Jucá, que atua no Hias. “Temos material para realizar a neuroendoscopia (cirurgia para o tratamento da hidrocefalia, por exemplo), que é realizada nos maiores centros do mundo. O material existe, condições existem. E o treinamento é um meio de capacitar mais pessoas, recurso humano”, sublinha.

O neurocirurgião Ricardo Santos de Oliveira, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, também destaca avanços na medicina brasileira. Problemas de espasticidade, ele cita, “que atinge um número de crianças muito grande, como as prematuras, e desenvolvem problemas neurológicos, como a dificuldade de andar”, podem ser resolvidos no Brasil: “Vale lembrar que esses tratamentos existem em nosso País, são cobertos pelo Sistema Único de Saúde e há profissionais competentes que podem realizar tão bem quanto em outros países”.

A neuroendoscopia, ele dialoga, é um procedimento menos invasivo e que reestabelece a circulação do líquido cerebral sem precisar que uma válvula seja colocada na cabeça da criança para sempre. Trata-se de uma cirurgia que repercute na qualidade do tratamento e de vida, une Ricardo Oliveira, e é “procedimento de alta tecnologia, mas que também, hoje, é disponível aqui, realizado no Albert Sabin (Hias)”.

As diferenças regionais, que determinam o acesso a tratamentos adequados e de excelência, precisam ser remediadas, com urgência, no Brasil, reconhecem os profissionais da área. Distâncias que devem ser percorridas passo a passo com os avanços técnicos e de conhecimento. “O cérebro é uma fonte inesgotável de desafios. O primeiro, talvez, seja compreendê-lo. É isso que a gente chama de neurociência, a ciência do cérebro, do sistema nervoso, entender com ele funciona”, segue Eduardo Jucá. Existem muitas doenças cerebrais a serem vencidas, cita o especialista, “os cânceres cerebrais que precisam ser operados com técnicas que possibilitem a retirada total do tumor e o mínimo de sequelas. É um caminho longo, sim”.

Serviço

Hospital Infantil Albert Sabin – rua Tertuliano Sales, 544, Vila União. Telefone: 3101.4200.

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