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Impactos locais de uma agência em xeque
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Impactos locais de uma agência em xeque

| POLÍTICAS AUDIOVISUAIS | Momento de indefinição da Agência Nacional do Cinema pode afetar cadeia produtiva do audiovisual no Ceará, onde parte do investimento estadual da área é ligada à Ancine
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Após seis meses marcados por sucessivos imbróglios - como o financeiro com o Tribunal de Contas da União, que paralisou os fundos da agência por algumas semanas; a falta do decreto da cota de tela, que estipula um mínimo de filmes nacionais a serem exibidos em salas de cinema; e a não composição do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), o que atrasou processos com a definição do Plano Anual de Investimentos, por exemplo -, a Agência Nacional do Cinema virou nas últimas semanas de julho alvo direto do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que destinou falas e ações controversas à agência e sua atuação. O pesselista, entre outros pontos, mencionou em mais de uma ocasião a intenção de extinguir o órgão, pediu a transferência da diretoria da Ancine do Rio de Janeiro para Brasília, ventilou um possível "filtro cultural" para a seleção de projetos, afirmou ter a intenção de retirar da gerência da agência o importante Fundo Setorial do Audiovisual e alterou a subordinação do Conselho Superior de Cinema (CSC) e sua composição, colocando-o ligado diretamente à Casa Civil e aumentando o número de representantes governistas. O abismo de indefinições no qual se viu o setor do audiovisual no País, que tem na Ancine a principal ferramenta, traz reflexos diretos para a crescente indústria do Ceará, inclusive porque diversas ações promovidas pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult) para a área se dão em parceria direta com a Ancine.

Em maio de 2017, foi oficialmente lançado pela Secult o Ceará Filmes - Programa Estadual de Desenvolvimento do Audiovisual e da Arte e Cultura Digital. "É um programa que está em construção e parte de uma percepção de que existiam ações de fomento para produção, outras para formação, exibição, só que de maneira desarticulada. Com a Câmara Setorial do Audiovisual e o Fórum Cearense do Audiovisual, foi pensado um programa que integrasse isso, e obviamente a Ancine é fundamental. Ele foi lançado na presença do governador (Camilo Santana, do PT) e do (então) presidente da Ancine (na época, Manoel Rangel, que deixou o cargo mais tarde naquele mesmo ano)", contextualiza em entrevista ao O POVO o secretário da Cultura do Ceará Fabiano Piúba.

Baseado em sete eixos de atuação, o programa estadual prevê, por exemplo, a construção de 20 salas de cinema em 10 cidades do interior - previstas, segundo o secretário, para inauguração até 2022 - e engloba em seu escopo o já existente Edital Ceará de Cinema e Vídeo. Ambos são promovidos a partir de aporte financeiro da Ancine, sendo o primeiro a partir do projeto Cinema da Cidade - que faz parte do programa Cinema Perto de Você - e o segundo pelos chamados Arranjos Regionais - linha de financiamento que fomenta em parceria com estados e municípios. "Os arranjos produtivos regionais são uma linha muito importante, descentralizando os recursos. Isso fez, por exemplo, com que o edital da Secult na última edição (XIII Edital Ceará de Cinema e Vídeo, lançado em dezembro de 2016) tivesse um valor de R$ 17 milhões. Seria impossível para um estado como o Ceará, com recursos próprios, lançar um edital assim. Foi viável porque era um recurso de R$ 7 milhões do Estado e de R$ 10 milhões da Ancine", explica o secretário.

O próximo Edital Ceará de Cinema e Vídeo, adianta Fabiano, está em análise na Ancine. A proposta do governo estadual, explica o secretário, foi de R$ 20 a 21 milhões para a chamada pública, sendo R$ 15 milhões da agência e R$ 5 a 6 milhões da Secult. "A Ancine teve um período de hiato grande a respeito da composição do Conselho Superior de Cinema, do Comitê Gestor - que aprova o plano de investimento, onde é estabelecido o valor para os arranjos regionais. O presidente da Ancine Christian de Castro pediu para a gente aguardar até agosto, que seria um tempo viável para a aprovação, só que quando ele disse isso, não havia esse contexto em torno de questionamentos à Ancine. Isso ser colocado em xeque pelo Governo Federal nos deixa muito temerosos do futuro das políticas culturais do audiovisual no Brasil", aponta o secretário. "Nós temos dois modelos, dois editais prontos: um no valor de R$ 7 milhões, que seria com recursos próprios da Secult, portanto com abrangência menor, e outro, de R$ 20 milhões, com a Ancine", afirma.

Em relação especificamente à concretização da Ceará Filmes, Fabiano define o processo como "em construção". "Depois da discussão de qual seria o modelo mais adequado, a gente pegou a referência da Spcine (empresa de audiovisual da Prefeitura de São Paulo). Agora, entre o final de agosto e o início de setembro, a gente vai apresentar ao governo a proposta da Ceará Filmes com seus objetivos, linhas de atuação, organograma e com a necessidade de um fundo básico para dar condições ao fomento do audiovisual, para que o governador possa estar autorizando o envio do projeto de lei para a Assembleia Legislativa caso esteja de acordo", explica o passo-a-passo.

Apesar da explícita importância de aportes financeiros da Ancine, Fabiano defende que a relação entre a agência e a Ceará Filmes não é de dependência completa. "O programa independe da Ancine para existir. Agora, uma coisa é com a parceria. Ou seja, ao invés da gente ter R$ 7 milhões para um edital, a gente pode ter R$ 15 ou 20 milhões. Uma coisa é com a Ancine e outra coisa é sem a Ancine em termos de abrangência, mas não em termos de política e de execução. A política se mantém. A proposta da Ceará Filmes se mantém", finaliza o secretário.

Continua nas páginas 18 e 19


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