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O desafio de manter a qualidade do serviço de transportes por aplicativos
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O desafio de manter a qualidade do serviço de transportes por aplicativos

Passageiros notam a diferença o atendimento em meio a um mercado cada vez mais competitivo
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Motorista de transporte por aplicativo que trabalha com carro alugado deve ser o mais impactado (Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Motorista de transporte por aplicativo que trabalha com carro alugado deve ser o mais impactado

Os aplicativos de transportes privados chegaram com um trunfo nas mãos: atendimento personalizado e preços baixos. As balinhas e águas oferecidas pelos motoristas davam ao cliente a percepção de cuidado e estabeleciam a troca humana de gentilezas. Algo difícil de equilibrar com a tecnologia nesse novo contexto mercadológico. A música e temperatura ambientes, no interior do veículo, também faziam a diferença para muitos passageiros. Passaram-se apenas três anos da chegada do serviço, em Fortaleza, e o cenário é outro.

Os altos índices de desemprego foram levando cada vez mais as pessoas para trabalharem nesse mercado. Se por um lado, o modelo de negócio era atrativo para os consumidores pelo conforto e baixo custo, para muitos era a chance para o autoempreendedorismo. O número de motoristas foi aumentando. De empresas também. A concorrência ficou aguerrida. A água e balinha de cortesia foram, aos poucos, sumindo de cena.

O publicitário Jonas Araújo, mestre em Administração, empreendedor e servidor do Instituto Federal do Ceará (IFCE), explica que "a onda Uber" surge como alternativa disruptiva com diferenciais para o consumidor. Pondera, no entanto, que esses aspectos tendem a desaparecer com o crescimento da demanda e concorrência. Outro ponto, enumera, foi a pressão da redução de gastos para os motoristas.

"O que eu percebo é que muito deles não tinham noção dos custos necessários para ficar rodando e se arriscaram. Empolgados com os primeiros dias e resultados de outros que douram a pílula, acabaram alugando ou comprando carro e achando que dava para pagar a parcela. No entanto, com o aumento de motoristas e da demanda, a concorrência acabou fazendo com que eles trabalhassem mais", ilustra a realidade, destacando que assim ficou mais difícil para eles investirem em agrados aos clientes. Nesse contexto, deve-se levar em conta o preço do combustível, manutenção e o desgaste do automóvel com o uso contínuo.

Nesse contexto, os taxistas, categoria que entrou em conflito a modalidade, também se adequou. "Eles perceberam que as pessoas começaram a usar e também conseguiram se posicionar pela questão da segurança", diz, lembrando casos polêmico envolvendo os aplicativos. Jonas acredita que, para o consumidor, a concorrência significa mais opções e melhoria nos serviços. "O poder fica nas mãos do usuário e ele tem a grande missão de ficar reportando que isso à empresa. O que acaba fazendo uma seleção natural, você consegue ver a qualificação dos motorista e escolher", destaca.

O presidente da Comissão da Comissão de Defesa à Concorrência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Leonardo Leal, reitera. "Para o consumidor, melhorou porque tem a disputa de empresas e acabam surgindo descontos, campanhas, classificações e segmentos dos serviços", diz.

Ocorre que as horas exaustivas desses trabalhadores podem implicar nos níveis de estresses e, consequentemente, contribuir para um atendimento menos cuidadoso. No País de 13 milhões de desempregados, são 5,5 milhões de profissionais cadastrados em plataformas de mobilidade e entrega de produtos, como Uber, 99, Cabify e iFood, de acordo com o Instituto Locomotiva. Os dados levam em conta profissionais autônomos e os que têm emprego fixo, mas usam a ferramenta para complementar a renda.

Uma nova indústria que incluiu também os serviços de entrega de alimentos e divide opiniões. O coordenador de Estudos e Análises de Mercado do Instituto do Desenvolvimento do Trabalho (IDT), Erle Mesquita, alerta para a precarização desse modelo laboral. "O celular virou a máquina do tempo do século 21 para o 19, sem qualquer proteção, o avanço tecnológico levou esse trabalhador para o século 19", pontua. "É a chamada economia dos bicos, em que as as pessoas vão construídos suas jornadas, com vários aplicativos", complementa. Ele ressalta que esse trabalhador não tem vínculo empregatício e não está resguardado em casos de acidentes. A saída para alguns é o cadastro como Microempreendedor Individual (MEI).

"O discurso é flexível de que você é empreendedor, mas, na verdade o trabalho é duro e precarizado se não tiver por conta própria um para seguridade social, na maioria dos caso na questão dos motoboys risco de exposição solar, a rua o sol a chuva se não tiver esse trabalhador e doença ocupacionais", lista.

Maria Viviane, 53, motorista da Uber
Maria Viviane, 53, motorista da Uber

10 horas por dia

Motorista da Uber há três anos, Maria Viviane Serafin Rocha, 54, percorre cerca de 130 km por dia, em Fortaleza. São mais de 10 horas diárias de trabalho para obter a renda mensal de R$ 4 mil. Ela trocou a rotina de escritório, na qual trabalhava na área financeira, pela flexibilidade dos horários. "Começou como uma renda extra. Na época, estava endividada e sem trabalho. Tive que vender as coisas dentro de casa, como móveis, para pagar os cartões", lembra. De lá para cá, foram mais de 15 mil viagens. Quando iniciou na atividade, abria o aplicativo para pegar as corridas às 7 horas e seguia até as 17 horas, com alguns intervalos para levar e buscar o afilhado na escola. Hoje, é preciso mais tempo para obter a mesma renda. Começou então a trabalhar à noite e vai até as 22 horas ou madrugada adentro. Durante dois dias da semana, Maria tira folga para cuidar de si, ir ao salão, e manter ativa no trabalho voluntário com crianças mulheres gestantes em situação de vulnerabilidade social.

 

Aldrin Rodrigues é motorista de aplicativo e consegue manter sua família com a renda adquirida
Aldrin Rodrigues é motorista de aplicativo e consegue manter sua família com a renda adquirida

Saiu das dívidas

Aldrin Rodrigues, 45, está na Uber há dois anos. Ele tem um mercadinho no condomínio onde mora, administrado pela esposa enquanto ele faz as corridas. De segunda a sexta-feira, inicia o expediente às 6 horas e encerra às 20 horas. No domingo, vai até 12 horas. Trabalha para garantir os R$ 4 mil por mês. "Quando quero, tiro um dia na semana (de folga) e tenho a chance de aproveitar a família", afirma. Ele conta que, antes, quando havia menos motoristas, a carga horária era menor. O motorista optou por não trabalhar à noite, pois acha inseguro. "Agora, tem que rodar um pouco mais para manter os ganhos", calcula. "Uma coisa que eu digo é que, pelo fato de eu não ter um faculdade, nunca ter trabalhado de emprego fixo, seria impossível eu ganhar isso", avalia. Há dois anos, estava todo endividado, não tinha perspectiva e me lancei de cabeça, rodei bastante e consegui quitar as dívidas e hoje estou muito bem", comemora. A renda extra o ajudou também a dar entrada em um carro para o filho Adones Rodrigues de Sousa, de 21 anos.

Mariana Pongitori, estudante, não teve uma boa experiência com o aplicativo Uber
Mariana Pongitori, estudante, não teve uma boa experiência com o aplicativo Uber

Má experiência

A estudante Mariana Pongitori, 25, começou a trabalhar em aplicativo de transportes em 2016. Para isso, precisou financiar um veículo. A ideia era conciliar a atividade com o estágio e continuar a faculdade com uma boa renda renda mensal. Mas os planos não deram certo. Aos poucos, ela foi percebendo que tinha que dedicar mais horas para conseguir ter um bom retorno financeiro. Ficou mais difícil estudar, reduziu o número de disciplinas. Também não deu mais para ficar no estágio e acabou trancando a faculdade. "Trabalhei feriados, no Natal, Réveillon. Teve uma época que dei uma cansada e passei uns dois meses sem conseguir trabalhar direito, aí, ficou pior ainda". Além do tempo escasso, horas exaustivas no volante, as despesas com o automóvel começaram a comprometer o orçamento. "Eu não tinha carro, fiz financiamento para, justamente, começar a trabalhar de Uber. Daí, começaram a aparecer muitos gastos. Em dois anos e meio, rodei mais de 130 mil quilômetros, troquei três vezes os pneus", relata. A gasolina também começava a subir, puxando uma despesa de R$ 1,5 mil mensais. Foi então que ela decidiu que era hora de parar. "Vendi o carro e o que sobrou foi para pagar contas que tinha feito".

Silvio Vidal, 40, taxista
Silvio Vidal, 40, taxista

Taxista com app

Silvio Vidal, 40, é taxista há 11 anos. Ele conta que teve que se adaptar às mudanças do mercado para concorrer com preços competitivos frente aos transportes de aplicativos. Diferentemente de quando começou, não há mais tantos pontos de táxis e o comportamento dos passageiros também mudou. Para ele, a concorrência foi difícil no começo, mas logo houve uma adaptação. A criação de um aplicativo do Sinditáxi possibilitou uma modernização no diálogo com o cliente. "A gente trabalha com preços competitivos, quando a gente perde é por um ou dois reais. Em alguns momentos sai bem melhor pagar um real mais caro para chegar mais rápido por conta da faixa exclusiva. Também não temos a tarifa dinâmica e o preço não sofre alterações", afirma. "Isso trouxe de volta os clientes que estavam apenas preocupados com os preços", complementa. Sobre o atendimento, acredita que sempre houve cortesia e um bom relacionamento entre cliente e passageiros. Mas pondera que a atenção ficou ainda mais cuidadosa com a concorrência. 

RAFAEL Correia Sales, 32, recorria aos táxis para se locomover
RAFAEL Correia Sales, 32, recorria aos táxis para se locomover

Usuário VIP

Antes da chegada dos transportes de aplicativos, o servidor público Rafael Correia Sales, 32, recorria aos táxis para se locomover na cidade e fazer integração com outros modais, como metrô. Ele conta que a aquisição de um carro não está nos seus planos e que o serviço tem sido uma boa alternativa. O atendimento mais cortês e o preço competitivo foram decisivos para a migração. "O serviço tem sido de excelência, alguns motoristas oferecem uma boa música, perguntam o que você quer escutar, se a temperatura do ar está boa", observa. Ele se tornou um passageiro "VIP", categoria utilizada pela Uber para avaliar os melhores passageiros. São também aqueles que realizam 20 ou mais viagens no período de um mês. A classificação também traz benefícios, como ser atendido pelos motoristas mais bem avaliados da plataforma. Agora, o táxi, conta, ficou somente para os momentos de pressa, em que ter acesso à via de faixa exclusiva para ônibus e táxis é vantajoso.

LETÍCIA Mota, 25, pesquisadora
LETÍCIA Mota, 25, pesquisadora

Atendimento mudou

A pesquisadora Letícia Mota, 25, gasta cerca de R$ 450 por mês com transportes de aplicativo. Ela conta que já contratava o serviço quando viajava para outros estados e, quando chegou aqui em Fortaleza, passou a usar com mais frequência. Notou, no entanto, que algumas coisas mudaram. "No início, tinha água, bala. Agora, não é a mesma coisa", diz. "Mudou o atendimento, tanto em relação ao 'bom dia e boa tarde', como, às vezes, já chegam com o ar desligado", relata. Ela também passou a migrar entre os aplicativos para comparar os preços. Nesse contexto, o aplicativo do Sinditáxi também é consultado. Mas opta por usá-lo somente quando está com o tempo limitado e quer chegar mais rápido no destino. A possibilidade de carona compartilhada com outros passageiros também foi vantajosa.

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