"Meu deus! Eu sou cantora profissional. O que é que eu inventei pra minha vida, minha Nossa Senhora do Céu?". Foi assim que a cantora Teti expressou sua surpresa ao ver, pela primeira vez, um disco com sua voz - aguda, límpida e despretensiosa. O álbum era o hoje clássico Meu Corpo Minha embalagem Todo gasto na Viagem (1973), também conhecido como Pessoal do Ceará. O trabalho foi dividido com Rodger Rogério, seu marido à época, e Ednardo, todos em busca de espaço. Dois anos depois, sem Ednardo, Rodger e Teti lançam Chão Sagrado, igualmente agreste, forte e pulsante.
Hoje, Teti admite que seu papel nesses discos foi exclusivamente de cantar. "Eu só abria a boca e cantava. Não tinha uma interpretação", avalia, muito bem sentada no sofá de sua sala. Levada para onde iam os amigos músicos e compositores, Maria Elisete Morais de Oliveira também se viu artista em meio a uma luminosa geração. E foi incentivada por esses amigos que ela fez sua estreia solo, em 1979, com Equatorial. O trabalho luxuoso teve produção de Fausto Nilo; direção musical de Toninho Horta e Tulio Mourão; sopros de Mauro Senise; violões de Geraldo Azevedo, Robertinho de Recife e Manassés; bateria de Robertinho Silva; e direção artística de Raimundo Fagner.
Foi de Fagner que partiu o convite para a gravação de Equatorial. "Eu estava no Rio de Janeiro, com a galera maravilhosa da Massafeira. O Fagner morava em Santa Teresa, no (condomínio) Equitativa, que era lá em cima. Um belo dia, ele passou pelo hotel (em que estava a turma) procurando a Marta, irmã dele, e me fez um convite pra gravar. E eu disse 'na hora'", lembra Teti, que se orgulha do que conseguiu naqueles poucos dias no estúdio. "Esse disco é muito rico, realmente muito lindo. Tem histórias e histórias pra contar", comenta buscando novos detalhes no LP.
Uma dessas histórias é da faixa de abertura, Daniela, nome da filha primogênita da cantora. Na época, o compositor piauiense Clodo morava com os cearenses e dividia com eles as apresentações na boate Igrejinha, no Bixiga. "Foi um sucesso enorme nossa participação na noite paulista. E a gente voltava pra casa, geralmente às duas horas, duas e meia. A gente morava num sobradinho. Quando chegamos em casa uma vez, a Danielinha tinha descido e estava deitada no sofá, dormindo. Quando abri a porta que eu vi essa criança no sofá, cuidei logo de levar pro quarto. E daí nasceu a música. O Rodger e o Clodo ficaram até não sei que horas cantando e tocando violão".
Outra faixa que rendeu uma história curiosa foi Passarás, Passarás. Na gravação da faixa, foi convidado um baixista que também tocava com Luiz Melodia. Ele estava no "aquário" gravando sua participação, quando Fagner entrou no estúdio. Imediatamente, o baixista, que Teti não lembra o nome, saiu da sala de gravação, guardou seu instrumento e foi embora. "E aí, moçada. Vou aí no passarás, passarás", foi só o que disse. "O Toninho ficou enlouquecido. Na hora, ninguém comentou nada, mas acredito que ele tinha algum problema com o Fagner, por que foi só ele entrar. Foi nessa hora que o Fagner disse: 'não, não, vamos continuar. Tetinha, eu posso gravar essa música contigo?'. 'Ave, Maria, criatura. Lógico'. Não sei se ele já vinha pensando nisso, mas não tinha nada combinado. A gente entrou no aquário, gravamos o Passarás Passarás do jeito que estava, sem o contrabaixo, e essa gravação foi a primeira e única. Eu não refiz depois. Foi ali na hora, quentinha, na ira, os dois juntos", lembra Teti, 40 anos depois.
Sucesso desde os tempos da Igrejinha, Barca de Cristal foi deixada de lado por Teti durante um tempo. "Eu deixei de cantar nos meus shows por que ela foi gravada num tom muito alto. Mas é bobagem minha porque ela fez um sucesso enorme", conta Teti que, certa vez, na Igrejinha, foi se apresentar bastante rouca. Eis que Angela Maria chegou e ofereceu sua ajuda. "Ela pediu: 'ó, me arruma um ovo, um ovo cru'. Aí ela bateu o ovo e disse 'tome que sua voz vai ficar limpa'. Realmente, eu tomei aquele ovo horrível e a voz ficou uma coisa maravilhosa", lembra orgulhosa, acrescentando que, quando criança, ainda em Quixadá, tinha um caderno com várias letras da Sapoti e de Dalva de Oliveira, e gostava de se balançar numa rede cantando aquelas canções.
Quem também se encantou com Barco de Cristal foi Elis Regina. "Eu, Rodger e Clodo morávamos no Brooklin e ela também, perto da gente. O Walter Silva, que era produtor musical, disse que a gente precisava mostrar músicas pra ela. A Elis já viajou (na música). Era ouvindo e dizendo: 'meu deus, eu já estou vendo um musical. O musical Barco de Cristal'. Ela ficou enlouquecida. Entusiasmadíssima. 'Nossa, mas como é que pode um compositor desses com um Opala?'", ri Teti lembrando que o carro de Rodger até ganhou o apelido de 'Opala seco'".
E tem a faixa que dá nome a Equatorial, composta por Belchior. O registro feito apenas com Teti e Toninho Horta na sala de gravação, e depois acrescentado o arranjo de cordas. "O Toninho disse: 'olhe, eu não pensei que era assim. Você é demais. Eu sabia que o Fagner e o Fausto estavam chamando pra um bom trabalho, mas eu não sabia que seria assim'. E me abraçou", comenta a cearense sem conter o sorriso. Passadas as gravações, ela voltou a Fortaleza, mas já com planos de fazer um lançamento do disco no Rio. Ao chegar aqui, Teti se descobriu grávida. Na mesma época, Fagner deixou a direção da CBS - gravadora então conhecida como "Cearense bem Sucedido".
Com isso, Equatorial não teve um lançamento à altura do que mereceu e Teti seguiu sua vida entre a família - cada vez mais numerosa e musical - e gravações em discos de amigos, uns poucos lançamentos solo e apresentações esporádicas, sempre muito bem recebidas. "Como eu já falei várias vezes, eu nunca desejei ser cantora. Eu era de uma família musical, tive uma iniciação musical de piano, meu pai tocava gaita, meus irmãos tocavam violão, todos cantavam. Mas eu não tinha essa coisa de ser cantora", admite ela, assumindo que também foi vencendo os desafios de subir num palco. "O que antecede um show sempre foi sofrimento pra mim. Mas aí, quando a gente pisa no palco, que começa a primeira música e esquenta as orelhas, que o calor chega, aí é só show. Eu me sinto plena quando termino um show".
Teti acredita que, se tivesse insistido na carreira, teria conseguido uma projeção maior. "Na verdade, se eu tivesse ficado em São Paulo, sem modéstia, eu acho que teria acontecido. Por que estava engatilhado, estava tudo ali. Mas o coração falou mais alto. Os filhos, a família...", comenta com o mesmo sorriso. E se arrepende? A resposta é imediata. "Não, não. Nunca fiquei, 'meu deus, eu podia ser uma artista de sucesso'. Não, não, de jeito nenhum". E sem modéstia, mais uma vez, que ela avalia Equatorial. "Pra mim, é um disco que não tem idade. Foi um disco muito bem cuidado, com um carinho todo especial do Toninho e do Túlio, que foram maravilhosos. Contei com um time de primeira. Considero este disco uma pérola da MPB".
Repetório
01 Daniela
(Clodô/Rodger Rogério)
02 Jumento Passarinho
(Rodger Rogério/Zila Mamede)
03 Barco de Cristal
(Fausto Nilo/Clodô/Rodger Rogério)
04 Último Raio de Sol
(Fausto Nilo/Clodô/Rodger Rogério)
05 Gírias do Norte
(Onildo Almeida/Jacinto Silva)
06 Pé na Terra
(Fausto Nilo/Stélio Valle)
07 Vento Rei
(Zé Maia/Calé Alencar)
08 Passarás, Passarás, Passarás - participação de Fagner 19:24
(Capinan/Petrúcio Maia)
09 Espacial
(Belchior)
10 Falando da Vida
(Rodger Rogério/Dedé Evangelista)
11 Maracá
(Clodô/Rodger Rogério)
12 Equatorial
(Fausto Nilo/Calé)