Não há um só caractere das mensagens de Jair Bolsonaro que pipocam nas redes sociais que não faça parte de uma estratégia política cujo objetivo é manter os aliados em estado de campanha permanente.
A avaliação é do pesquisador em comunicação Ícaro Joathan, da Universidade Federal Fluminense (UFF). "Há uma ação articulada de uso das redes a fim de garantir que a imagem do Bolsonaro fique no patamar que ele construiu durante a campanha de 2018", afirma.
E aqui entra o Twitter. Segundo Joathan, a ferramenta se presta à perfeição aos objetivos do presidente, que são estabelecer uma "comunicação mais pessoal e sistemática com os seguidores dele", de modo a agrupá-los em torno de si, além de dessacralizar a institucionalidade de que se reveste o chefe do Executivo.
"A rede se funda na ideia da comunicação frequente, de que o presidente está o tempo inteiro falando comigo. Ele procurou isso dentro da estratégia de campanha permanente. Ali, Bolsonaro consegue responder quando é criticado", reitera.
Como isso se converte em dividendo político? Desde meados deste ano, quando as postagens do capitão reformado se intensificaram, tornando-se mais numerosas e também mais polêmicas, sua popularidade também parou de despencar, operando uma leve curva de melhora.
"Nesse momento, vimos um aumento do uso dessa estratégia (de enfrentamento nas redes). Houve a fala contra os governadores do Nordeste, sobre as queimadas na Amazônia, os dados da fome no Brasil, o pai do presidente da OAB", enumera. "O nível de popularidade foi caindo ao longo do ano, mas, no meio, deu uma estacionada. O índice de compartilhamentos das postagens é altíssimo. Ele conseguiu fidelizar uma parte do eleitorado."
"Daqueles GOVERNADORES... o pior é o do Maranhão". Foi o que falei reservadamente para um ministro. NENHUMA crítica ao povo nordestino, meus irmãos. Mas o melhor de tudo foi ver um único general, Luiz Rocha Paiva, se aliar ao PCdoB de Flávio Dino, p/ me chamar de antipatriótico.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) July 21, 2019
Joathan acrescenta que isso só foi possível graças a uma campanha negativa. "O Bolsonaro está sempre reativando o discurso como antítese ao PT, à velha política, aos governos de esquerda. Isso permeou todo o primeiro ano. Faz parte da sua trajetória", aponta.
Questionado se essa tática tem sido bem-sucedida, o pesquisador responde que, "se se considerar o objetivo do governo, eu diria que sim". E cita mensagens controversas, como as que se referem ao Carnaval e à primeira-dama da França, que tiveram alta performance nos círculos bolsonaristas.
Professor da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, Rodrigo Prando explica as razões pelas quais Bolsonaro dedica tanto tempo ao Twitter. "O presidente foi eleito como candidato anti: antiesquerda, anti-PT, anti-Lula e antipolítica", analisa. "E essa característica fez dele alguém que conseguiu se destacar e ter uma imagem consolidada durante todo o período eleitoral."
Entretanto, prossegue o docente, é preciso continuar a pelejar na arena política, mesmo fora da disputa pelo voto. "Depois de eleito, Bolsonaro permaneceu como se estivesse em campanha, com discurso confrontador", sustenta. "As redes serviram como elemento amplificador dessa estratégia, que é a construção de um discurso no qual os adversários se transformaram em inimigos."
Nesse terreno volátil no qual o presidente tem de conduzir sua tropa digital e animá-la todo dia, oferecendo-lhe inimigos (reais ou imaginários), Prando considera que as redes são elemento fundamental "por manter a militância bolsonarista eletrizada".
O professor, todavia, faz um alerta: "Bolsonaro muitas vezes acaba por confundir o eleitorado com o Twitter. Ele acredita que está falando com um público mais amplo, mas, no limite, está reforçando as ideias de um público que lhe era cativo".
Para ele, o militar "perde um tempo precioso deixando de fazer aquilo que é a função de um presidente, como a articulação política e uma coalizão para que pudesse governar com tranquilidade".