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Antirracismo: um grito a plenos pulmões
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Antirracismo: um grito a plenos pulmões

| IGUALDADE |O assassinato de George Floyd, 46, nos Estados Unidos, no último dia 25, foi o estopim para uma série de protestos antirracistas pelo mundo e contra a violência policial
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Protestos antirracistas se espalharam pelo mundo (Foto: Ricardo ARDUENGO / AFP)
Foto: Ricardo ARDUENGO / AFP Protestos antirracistas se espalharam pelo mundo

Ficou difícil respirar nas últimas semanas.No dia 25 de maio, George Floyd  implorou por cerca de nove minutos para que o deixassem respirar. O ex-segurança teve o pescoço prensado pelo joelho do então policial Derek Chauvin, em Minneapolis, nos Estados Unidos. Dias antes, no Brasil, João Pedro, de 14 anos, foi assassinado após operação policial no Rio de Janeiro. João Pedro estava em casa, seguindo as recomendações de isolamento, e foi baleado nas costas. Houve ainda a omissão, que não precisou de joelho ou gatilho para resultar na morte de Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, ao cair do 9º andar de um prédio de luxo no Centro do Recife. Ele estava sob os cuidados da primeira-dama de Tamandaré, Sari Corte Real, enquanto a mãe dele, empregada de Sari, passeava com os cachorros. As três situações trazem uma infeliz semelhança, todos eles são negros.

Nos Estados Unidos, os protestos após a morte de George Floyd fizeram insurgir no mundo outras manifestações antirracistas e a pauta da desigualdade racial e violência policial tomaram as ruas e as redes sociais, mesmo diante do contexto de uma pandemia. Especialistas argumentam que a adesão dos protestos explicitam o quanto o racismo é um movimento global.

"O que alguns analistas diziam era que os Estados Unidos na era Obama estavam vivendo a era pós-racial e a evidência de que isso era um engano está aí, os EUA não estão vivendo a era pós-racial e nenhum país do mundo, pelo contrário", argumenta Nelson Fernando, professor do núcleo de estudos afrobrasileiros da Universidade de Brasília (UNB). Segundo ele, além de mais acometidas à violência, as pessoas negras são as maiores vítimas de omissões. "Aqui, a gente sabe como as coisas são, o mapa da violência mostra qual a situação da população negra no Brasil, o mapa do desemprego também, o mapa da saúde também, o mapa da educação também", argumenta.

Segundo dados do Monitor da Violência, mantido pelo portal G1 em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil teve pelo menos 5.804 pessoas mortas por policiais em 2019; 159 policiais morreram. O número é cinco vezes maior que as mortes causadas pelas polícias norte-americanas, que no ano passado, segundo levantamento feito pelo jornal britânico The Guardian, foram 1.093.

Para Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança, é na violência policial onde o racismo mais se manifesta e é letal. " É a segurança pública o âmbito da sociedade brasileira em que o racismo assola mais, mais que na saúde , na educação, na habitação, no saneamento e assistências sociais. Não há exatamente uma seleção de quem a polícia mata durante as operações, o problema é que as operações só ocorrem desse jeito, totalmente despreparada, desplanejada, violenta e brutal, chegando na frente de uma bairro nas favelas e periferias, ali onde moram predominante pessoas negras e pobres", ressalta. A coordenadora ressalta que a brutalidade filmada da morte de George Floyd gerou animosidade diante de violências em abordagens cotidianas de jovens brasileiros.

Segundo Marcos Silva, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV-UFC), apesar de manifestações de racismo igualmente opressoras, é preciso levar em consideração os contextos diferenciados de escravização da população negra e os caminhos de manifestações de racismo nas sociedades ao longo dos séculos. "As práticas racistas foram diluídas na nossa sociabilidades, esse tipo de diluição afetou a institucionalidade da nossa sociedade, isso construiu uma sociedade na qual o racismo é incorporado na vida cotidiana, ele é velado de maneira tão constante que passam a ser normalizadas as práticas", explica.

Um dos fatores que têm chamado atenção em todo o mundo e nas redes sociais é o engajamento de pessoas não-negras em protestos e manifestações. André Costa, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), relembra que há muito tempo não se via um engajamento tão grande de pessoas brancas na luta antirracistas, mas ele reforça que é preciso continuidade. "A luta pela igualdade racial deve ser uma pauta de toda a sociedade, não é a luta dos negros contra brancos, é a luta de todas as pessoas contra o racismo, então, é importante ter esse apoio essa junção de forças", explica. Para ele, somente a continuidade da indignação de todos poderá resultar em mudanças efetivas.

O caminho é longo em busca de uma sociedade mais democrática. Nelson Fernando, professor da UNB, aponta a necessidade de engajamento. "Aqui no Brasil a gente ainda precisa de uma trabalho muito longo para a que a população branca, de forma mais expressiva, se comprometa com a luta contra o racismo, o comprometimento é tímido. Não é só entender, é preciso firmar um compromisso. Só assim teremos mudanças a médio e longo prazo", conclui. Só assim, poderemos respirar.

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Linha do tempo do caso George Floyd


25/5 - George Floyd, 46, morreu depois que Derek Chauvin, então policial de Minneapolis, Estados Unidos, ajoelhou-se no pescoço dele por nove minutos, enquanto estava deitado de bruços na estrada.


26/5 - As palavras "Eu não consigo respirar", que Floyd repetia ao policial que o mantinha imobilizado no chão, se multiplicaram em cartazes e camisetas de manifestantes em protestos em Minneapolis. Os quatro policiais envolvidos no assassinato foram presos.


28/5 - Departamento de Justiça dos Estados Unidos decretou que a investigação da morte de George Floyd seja tratada como prioridade máxima


29/5 - O policial Derek Chauvin foi detido e responderia por homicídio culposo (sem intenção de matar) e assassinato em terceiro grau (quando é considerado que o responsável pela morte atuou de forma irresponsável ou imprudente)


30/5 - manifestações começaram a se espalhar pelos EUA. Um dos protestos cercou a casa branca pedindo justiça


31/5 -Protestos começam a se espalhar pelo mundo e Londres e Berlim fazem manifestações contra o racismo


1/6 - Autópsia independente pedida pela família de George Floyd mostrou que o ex-segurança morreu por asfixia após ter o pescoço prensado pelo joelho de um policial em Minneapolis, nos Estados Unidos, informou a agência Associated Press.


2/6 - Protestos contra a morte de Floyd e por direitos continuaram se espalhando pelo mundo. Paris, Holanda e Brasil registraram manifestações


3/6 - O ex-policial Derek Chauvin, filmado com o joelho sobre o pescoço de George Floyd na ação que causou a morte do ex-segurança, teve sua acusação aumentada para homicídio em segundo grau (assassinato intencional não premeditado, quando o autor tem intenção de causar danos corporais à vítima) pelo promotor-geral de Minnesota, Keith Ellison. Os outros três policiais que também participaram da ação foram detidos e receberam acusações de ajudar e favorecer homicídio em segundo grau

 

4/6 - O promotor-geral de Minnesota, Keith Ellison, endureceu a acusação contra o ex-policial Derek Chauvin teve sua acusação ampliada para homicídio em segundo grau - assassinato não premeditado, com negligência e risco de matar e causar danos corporais à vítima. Inicialmente, a acusação era homicídio em terceiro grau, quando o responsável agiu sem intenção. Neste dia ocorreu o primeiro funeral de George Floyd em Minneapolis e marchas pacíficas

 

 

 

 

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