No imaginário popular brasileiro não é raro encontrarmos pessoas cujas infâncias foram marcadas por longas partidas de jogos de mesa regadas a risadas e um ótimo tempo de qualidade com amigos ou familiares. Os protagonistas dessa lembrança nostálgica vão desde os mais tradicionais como dama ou mesmo dominó, até franquias clássicas como War (Grow), Monopoly (Hasbro), Uno (Mattel) ou Cara a Cara (Estrela).
Enquanto tais jogos asseguraram seus lugares canônicos na infância brasileira de modo geral, eles também fazem parte do movimento crescente de adeptos aos jogos de mesa no Brasil.
Contudo, o mercado de boardgames atual projeta experiências radicalmente diferentes para seus consumidores em relação à abordagem assumida há 10 anos com relação a temáticas, dinâmicas e propostas de jogabilidade.
Enquanto o mercado busca se reinventar para abarcar novos públicos e reconquistar antigos fãs, os consumidores enfrentam preços que dificultam o acesso a este universo, que também chama atenção de terapeutas, professores e pesquisadores diante dos benefícios para saúde a partir do distanciamento das telas.
Se entre 2018 e 2019 uma editora nacional como a Buró lançou sete jogos licenciados, em 2023 a mesma editora publicou 25 títulos, sendo 19 nacionais. O caso de expansão se reflete entre outras editoras consultadas pela reportagem e corroboram o cenário de apostas em lançamentos originais, tanto de títulos internacionais recém-licenciados no Brasil quanto de games totalmente brasileiros.
A tendência de mais lançamentos nos últimos anos reforça: os jogos analógicos saíram mais fortes da pandemia de Covid-19. O setor está sendo impulsionado não só por jogos infantis, mas também por produtos focados em jovens, adultos e famílias, com editoras buscando acomodar todos os nichos de consumo.
Com um público que cresce a cada ano, os jogos são cada vez mais uma parte importante do mercado de brinquedos no País. Nos dados da Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) referentes ao ano de 2024, o segmento de jogos — que abarca jogos de tabuleiro, cartas, figuras e memória — representa 13,1% das vendas totais no mercado nacional de brinquedos.
Em um recorte mais específico de jogos de tabuleiro, a Circana, empresa global de data tech para análise do comportamento de consumo, indica o faturamento de R$ 306 milhões apenas em 2023. O segmento cresceu 19% na comparação com 2021 e as estimativas indicam um alta constante em 2024.
O que esse número sozinho não mostra, entretanto, é a mudança de comportamento no consumo de brinquedos ao longo dos anos.
Em levantamento realizado pelo O POVO+ a partir dos anuários publicados pela Abrinq é possível constatar que, desde 2007, ano de início da série histórica, o setor de jogos teve o segundo maior crescimento no mercado brasileiro, aumentando sua relevância no nicho em 6% e ficando atrás apenas da venda de itens esportivos, que cresceu 8,4% em igual período.
Foi durante o isolamento social, resultado da pandemia de Covid-19, que os de jogos tiveram seu crescimento mais expressivo. Mas, mesmo depois disso, a demanda segue aquecida. No ano de 2023, a categoria representou 13% do total das vendas de brinquedos no Brasil.
Em Fortaleza, a tendência é que as vendas de jogos modernos continuem sendo dominadas por lojistas especializados. O professor Bruno Leitão, analista da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza) e professor da Faculdade CDL, afirma que a competição nesse mercado ocorre de forma desigual entre grandes empresas e lojistas de médio e pequeno porte.
Para ele, pequenos empreendimentos têm mais facilidade em acompanhar mudanças e lançamentos em nichos. Enquanto as maiores redes de varejo demoram para oferecer tendências em pequenos segmentos, já que cobrem um número maior de interesses.
"Uma Amazon da vida, ela vende tudo, a Aliexpress vende tudo, porém se eu tenho uma marca exclusiva em Fortaleza que é específica, por exemplo, no segmento de jogos educativos para crianças autistas, eu tenho ali a possibilidade de criar um posicionamento estratégico na mente daqueles clientes que me diferencia dos demais", explica o consultor de empresas.
Mercado em ascensão ou tendência de consumo passageira?
Apesar dos números chamativos, o presidente da Abrinq, Synesio Costa, é moderado ao avaliar as mudanças no varejo. Para ele, mesmo com a tendência de crescimento, os percentuais de vendas devem se estabilizar, com a mudança percebida na pandemia sendo temporária.
"Falou-se muito do crescimento de jogos, 'mil por cento', mas é porque eram volumes muito pequenininhos. E quando se vendia um e hoje vende três, já cresceu uma quantidade doida. Hoje a presença dos jogos é mais firme no ambiente da criança, no imaginário, no mundo dela, mas isso está estabilizado e não tem grandes alterações que a gente veja de agora para frente", avalia.
A visão mais cautelosa do presidente da Abrinq não se reflete, contudo, nas projeções de mercado das editoras de jogos brasileiras. Para Diego Bianchini, sócio da editora Meeple BR, os números da Abrinq não refletem o real crescimento do hobby.
"Os números da Abrinq são muito menores do que o experimentado pelas editoras especializadas. 2023 apresentou um crescimento de 70% em comparação a 2020, e esperamos para 2024 outros 20% de aumento em relação a 2023", completa o empresário.
O administrador afirma que o Brasil não vinha acompanhando o interesse por jogos visto no resto do mundo, o que teria gerado, segundo ele, uma demanda reprimida que impulsiona e deve alancar ainda mais o interesse dos consumidores em jogos.
"No Brasil, de acordo com a Ludopedia, em 2023, tivemos mais de 540 jogos e aproximadamente 420 expansões novas no mercado, um crescimento expressivo em comparação a 2016, onde tivemos 120 jogos e pouco mais de 20 expansões", contextualiza.
A Circana corrobora a visão de um aumento contínuo do mercado de jogos, impulsionado por um público acima dos 30 anos. "A categoria que mais cresceu no ano foi Blocos de Montar pra Adultos. Um incremento de quase R$ 13 milhões, se comparado com o acumulado até maio do ano passado", afirma Ana Claudia Weber, diretora de contas de varejo da Circana.
A experiência é doce, mas o preço é salgado
Em uma casinha baixa, espremida entre grandes prédios residenciais no bairro do Meireles, a pesquisadora Cecília Luzia, que completou 26 anos no dia 13 de junho, decidiu comemorar seu aniversário. Fã de jogos de tabuleiro, ela disse aos amigos que queria ir em algum lugar "para brincar".
A escolha recaiu para a luderia Balboa's Hobby Games, "santuário" devoto aos jogos analógicos. Ela e a amiga, Ana Beatriz, 25, chegaram mais cedo e aguardavam animadas pelo resto do grupo.
Desde que jogou Dixit pela primeira vez, em 2019, Cecília conta que criou um carinho pelos jogos de mesa de modo geral. Ela revela, contudo, que os altos preços comumente encontrados nas lojas são um problema para os fãs de boardgames.
"Nunca comprei, é sempre de amigos ou amigos de amigos e a gente se reúne pra jogar, por conta do preço. Um amigo meu chegou até a comprar Exploding Kittens em promoção, mas esses mais caros, como Catan, não chegamos a comprar."
Pedro Parente, sócio-fundador do Balboa's, relata que a dificuldade é comum entre os frequentadores. Segundo ele, boa parte de quem chega a comprar, opta por levar jogos menores e mais baratos. Quando alguém quer comprar um dos mais caros é preciso fazer uma encomenda, pela falta de estoque desses títulos.
Os preços podem atingir cifras altas, de R$ 400, mas parte disso vêm dos impostos. Eldair Melo, membro do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE), explica que a tributação chegar a superar 50% do valor final do produto.
Ele explica que, por isso, compradores de entrada tendem a procurar os melhores negócios, recorrendo a varejistas online. Contudo, comerciantes locais como o Balboa's ou lojas menores podem investir no relacionamento como um diferencial. "Pode se destacar ao oferecer um atendimento mais personalizado, produtos exclusivos e um conhecimento aprofundado sobre brinquedos e jogos específicos."
Em meio à dificuldade, alguns designers se especializaram nas alternativas dos jogos Print-and-Play (imprima e jogue, em tradução livre) ou PnP. Assim, são removidos os custos de confecção e envio, e os títulos são disponibilizados de forma gratuita ou com preços reduzidos.