A Praça da Gentilândia, no bairro Benfica, em Fortaleza, recebeu na tarde deste sábado, 17, a 4ª Edição da Feira Canábica do Ceará. O evento integra a programação do Maio Verde, mês dedicado à luta antiproibicionista no Brasil. A feira reuniu serviços, produtos e informação qualificada sobre os usos terapêutico, industrial e cultural da cannabis.
Com a participação de associações, empreendedores, profissionais da saúde e representantes jurídicos, a feira ofereceu atendimentos gratuitos, como orientação jurídica, escuta psicológica, avaliação com especialistas, além de rodas de conversa focadas em autocuidado e redução de danos.
LEIA MAIS: Uso medicinal da maconha no Ceará
Lígia Duarte, comunicadora e militante pela Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), e organizadora da Marcha da Maconha Fortaleza, destacou a importância da feira para desconstruir o histórico proibicionista no Brasil, especialmente contra a juventude negra e periférica.
"A criminalização de seu uso foi, e ainda é, uma ferramenta de encarceramento. Enquanto isso, as elites sempre tiveram acesso ao uso sem repressão. Esses eventos são fundamentais para mostrar que a maconha não é apenas uma pauta criminal, mas também econômica, empreendedora, medicinal e cultural", defende.
Também esteve presente o médico e prescritor de cannabis Alan de Castro Andrade (Cremec 24413). Ele destaca os principais quadros clínicos beneficiados pela cannabis.
"As principais demandas envolvem doenças psicológicas, dores crônicas, enxaquecas, dores oncológicas e algumas síndromes raras. O diferencial da cannabis medicinal é que ela atua em todas as fases da dor, desde a percepção sensorial até a interpretação no sistema nervoso central, o que representa um grande avanço terapêutico", pontua.
Ele reforça a importância da orientação médica para o uso terapêutico seguro e individualizado. "Mesmo quando dois pacientes possuem o mesmo diagnóstico, a dosagem necessária pode variar significativamente. É imprescindível realizar uma consulta inicial e elaborar um plano terapêutico personalizado", orienta.
As principais formas de acesso à maconha medicinal são:
A fisioterapeuta Ana Carla Bastos utiliza maconha medicinal para tratar ansiedade e depressão, agravadas após a maternidade. Para facilitar o acesso, optou pelo cultivo próprio e hoje atua na democratização do uso da planta.
“Até entender que o uso que eu fazia da maconha, inicialmente recreativo, na fase adulta já era uma forma de buscar tratamento para as minhas necessidades. Ela me trazia tranquilidade e ajudava a dormir", relata.
Participar de eventos sobre o uso terapêutico da maconha a inspirou a buscar uma avaliação para seu próprio uso. Contudo, em 2019 enfrentou dificuldades no acesso ao óleo medicinal, devido ao alto custo. "Eu precisava importar um com concentração de 20%, cerca de 200 mg por ml, mas isso custava em torno de R$ 6 mil, o que era inviável", relembra.
Diante das barreiras, Ana Carla optou pelo autocultivo, obtendo habeas corpus para cultivar em casa, mas logo percebeu que a produção doméstica era limitada e custosa. Por isso, se mudou para um sítio onde famílias também cultivavam a planta para uso próprio. Foi daí que nasceu a Associação Medicinal do Ceará (Amece).
"Unimos esforços para produzir inicialmente para nosso uso e, posteriormente, para beneficiar a sociedade. Hoje, acolhemos cerca de 300 pessoas em um espaço terapêutico, onde oferecemos conhecimento técnico, apoio jurídico e orientação para cultivo legal", explica.
"Esperamos que, um dia, essa planta seja livre para quem quiser produzir, utilizar como remédio ou fumar", projeta Ana Carla Bastos.
Pacientes que usam cannabis mediante receita médica não precisam de autorização judicial. Porém, o cultivo doméstico requer um habeas corpus para garantir a legalidade do cultivo.
LEIA MAIS: Bancada da Maconha: candidato a vereador em Fortaleza defende legalização e regulamentação de uso
"Para isso, o paciente deve reunir a documentação médica e procurar a Defensoria Pública ou advogados particulares especializados para entrar com o habeas corpus”, explica o advogado Ítalo Coelho, integrante da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Políticas Públicas sobre Drogas da OAB/CE.
O advogado relembra que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve implementar, a partir do dia 19 de maio de 2025, regras para a produção nacional de cannabis medicinal, que tende a baratear custos e facilitar o acesso.
"Até então, a indústria farmacêutica dependia da importação de insumos para fabricação local, o que encarecia o processo e dificultava o acesso, além de gerar ações judiciais contra o Estado para garantir o fornecimento”, esclarece.
A Feira antecede a Marcha da Maconha Fortaleza 2025, que ocorrerá no dia 25 de maio, na avenida Beira Mar, em Fortaleza. A concentração será às 15h na Estátua de Iracema. O evento busca reforçar a mobilização em prol dos direitos e da despenalização da cannabis.