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As possibilidades e os desafios que de abrem com a Margem Equatorial
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As possibilidades e os desafios que de abrem com a Margem Equatorial

|Debate público| Enquanto alguns destacam a importância para a economia nacional, outros expressam preocupações sobre os possíveis impactos ambientais na região amazônica
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A Petrobras conseguiu a licença do Ibama para a perfuração de um poço exploratório para prospecção de petróleo no bloco FZA-M-059 da Margem Equatorial, na Foz do Amazonas. Na foto, a Margem Equatorial via satélite (Foto: Adobe Stock)
Foto: Adobe Stock A Petrobras conseguiu a licença do Ibama para a perfuração de um poço exploratório para prospecção de petróleo no bloco FZA-M-059 da Margem Equatorial, na Foz do Amazonas. Na foto, a Margem Equatorial via satélite

A liberação da exploração de petróleo, para fins de pesquisa de viabiidade, na Margem Equatorial Brasileira na véspera da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que acontece em novembro no Pará, reacendeu debates entre energia, economia e meio ambiente.

A Petrobras recebeu na segunda-feira, 20, a licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para iniciar a perfuração na Bacia da Foz do Amazonas. A área é considerada a nova fronteira promissora para a exploração de petróleo e gás natural.

De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o bloco FZA-M-59, onde está sendo feita a primeira perfuração exploratória, em águas profundas no litoral do Amapá, tem potencial para abrir uma nova fronteira para o país, com estimativas de investimentos da ordem de R$ 300 bilhões e arrecadação estatal de mais de R$ 1 trilhão nas próximas décadas.

A previsão é que a atividade gere mais de 300 mil empregos diretos e indiretos, fortalecendo a economia local e ampliando as receitas de royalties.

”A exploração pode garantir a autossuficiência energética do Brasil por décadas, atendendo à crescente demanda”, afirma o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

O petroleiro cearense Wagner Fernandes, lotado da refinaria Lubnor, integrou a equipe que trabalhou no Oiapoque, cumprindo as determinações do Ibama, que culminaram com a autorização concedida à Petrobras.

“Foi o maior simulado da história da Petrobras, envolvendo mais de 600 pessoas, diversas embarcações e aeronaves. Fizemos um grande evento para atender às solicitações do Ibama. Fomos aprovados nesses simulados. Toda a estrutura, tudo que o Ibama solicitou a gente conseguiu”, conta Wagner. De acordo com ele, foram três anos fazendo e refazendo um plano de defesa, plano de incidente. “Inclusive, construímos o hospital de fauna na cidade do Oiapoque e cumprimos todas as exigências”, destaca.

Entidades ambientais afirmam que concessão da licença é dupla sabotagem

A decisão, embora estratégica do ponto de vista econômico, gerou debates entre diferentes setores da sociedade. Enquanto alguns destacam a importância da exploração para a economia nacional, outros expressam preocupações sobre os possíveis impactos ambientais na região.

De acordo com o Observatório do Clima, a exploração de petróleo na margem equatorial brasileira pode ter impactos ambientais significativos, incluindo a poluição do ar e da água, e a destruição de habitats naturais. Além disso, pontua a entidade, as comunidades locais, incluindo povos indígenas e tradicionais, podem ser afetadas pela perda de seus meios de subsistência e a destruição de seus territórios.

“A emissão da licença é uma dupla sabotagem. Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil contrariando à ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis”, afirma Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.

Potencialidade Econômica

Por outro lado, a exploração de petróleo na margem equatorial brasileira pode gerar empregos e renda para as comunidades locais, além de aumentar a receita do governo. A Petrobras estima que a Margem Equatorial possa abrigar até 30 bilhões de barris de óleo equivalente (boe).

"Esta é uma decisão importante que permitirá ao país conhecer melhor o potencial de suas reservas, apoiando a segurança energética e o desenvolvimento socioeconômico da Região Norte”, sustenta Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), principal entidade de representação do setor de óleo, gás e biocombustíveis do Brasil.

Os que criticam a decisão do Ibama, no entanto, argumentam que a região é uma fronteira exploratória, o que significa que não há garantia de que o petróleo encontrado seja comercialmente viável para produção em larga escala. Wagner, entretanto, rebate:

“A Guiana, assim como Suriname, eles já estão explorando. Já encontraram bilhões de barris, quase a produção brasileira atual. E nós já fizemos a primeira perfuração em 2023, e foi, inclusive, aqui próximo ao Ceará, na bacia potiguar. Ou seja, já no finalzinho da margem equatorial, que é o Rio Grande do Norte, e já encontramos nível de petróleo razoável”, informa.

O presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne), Jean Paul Prates, ex-presidente da Petrobras, também cita os exemplos de Suriname e Guiana como garantia de petróleo no lado brasileiro. “Nossos vizinhos estão chupando essas reservas de canudinho”, afirma.

“A decisão de licenciar é claramente política — não técnica. O valor de uma sonda jamais pode se sobrepor ao valor da vida das comunidades amazônidas, à biodiversidade ou ao equilíbrio climático do planeta. A Petrobras, responsável por 29% de todos os novos projetos fósseis da América Latina, é a principal protagonista da expansão fóssil no continente. Ao insistir na perfuração, ela se consagra como a Líder Continental da Não Transição Energética”, diz Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Arayara, uma das entidades que integram o Observatório do Clima.

Nicole se refere ao contrato de aluguel da sonda de perfuração, firmado pela Petrobras, que venceria na terça-feira, 21. O equipamento estava parado no litoral do Amapá, aguardando autorização do Ibama para realização do simulado em poço pioneiro. O custo adicional para a Petrobras, a cada dia de sonda parada, seria de cerca de R$ 4 milhões, segundo informa a Federação Única dos Petroleiros (FUP). 

Desafios Regulatórios

É preciso destacar, contudo, que a liberação da exploração da margem equatorial brasileira é um passo importante, mas é apenas o início do processo. A Petrobras precisará seguir um rigoroso processo de licenciamento ambiental e garantir que as atividades sejam realizadas de forma segura e responsável.

O advogado e professor de Direito Ambiental da PUC-Rio, Oscar Graça Couto, pontua que o Ibama fez uma detida análise do processo de licenciamento, formulou mais de uma vez várias exigências, entendeu que foram atendidas e, por fim, concedeu a licença requerida.

“Concorde-se ou não com esse desfecho, nada sugere haver uma ilegalidade patente nesse procedimento. Por outro lado, nenhum empreendimento desse vulto e complexo sob tantas perspectivas está imune às críticas e mesmo a judicialização”, diz.

Entenda o que está em jogo na Margem Equatorial

O que é a Margem Equatorial Brasileira? 

A Margem Equatorial tem cinco bacias de petróleo: Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar. A denominação "Margem Equatorial" deve-se à proximidade com a linha do Equador.

Quando ela se formou?

A formação dessas jazidas (entre 100 e 165 milhões de anos atrás), no período Cretáceo, América do Sul e África estavam se separando, como parte do desmembramento do super-continente Pangeia, iniciado há 250 milhões de anos. Vale lembrar que o petróleo e outros hidrocarbonetos são o resultado de reações físico-químicas ocorridas ao longo de milhões de anos com a decomposição de organismos marinhos.

Por que a região é considerada o novo pré-sal?

A Margem Equatorial é considerada uma área altamente favorável à prospecção de petróleo e gás devido às suas semelhanças geológicas com as bacias da Guiana e do Suriname e com a costa oeste da África, onde esses compostos minerais de origem orgânica vêm sendo encontrados e explorados desde 2007.

Estudos da ANP indicam que o potencial de óleo e gás na Margem Equatorial pode chegar a 30 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), comparável aos 40 milhões de barris das jazidas das baciais (Campos e Santos) que compõem a região do pré-sal e pelo potencial econômico.

As características geológicas e mesmo de desafios exploratórios, contudo, são distintos. Como o nome sugere, o petróleo do pré-sal fica abaixo de uma camada profunda de rocha salina em águas extremamente profundas, o que não ocorre no caso da Margem Equatorial.

Para a Petrobras, esse avanço é estratégico para repor reservas e se manter competitiva.Isso porque é esperado que a produção atual do pré-sal caía a partir de 2029

O que significa esta liberação pelo Ibama?

O Ibama concedeu uma licença ambiental que permite à Petrobras fazer a perfuração na bacia da Foz do Amazonas para obter informações geológicas para avaliar viabilidade da extração em grande escala.

De acordo com o órgão ambiental, a licença ocorreu após “rigoroso processo de análise” que inclui:

  • aprovação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA);
  • três audiências públicas;
  • 65 reuniões técnicas setoriais em 20 municípios;
  • vistorias em todas as estruturas de resposta à emergência e unidade marítima de perfuração
  • realização de uma Avaliação Pré-Operacional.

O que será feito nesta etapa?

O processo autoriza perfuração de um único poço exploratório, na bacia do Amapá. Análise deve durar de 3 a 5 meses.

Outros três poços precisarão ser perfurados, posteriormente, na mesma região.

Se for constatada viabilidade comercial, começa a fase de desenvolvimento, que inclui a concepção de uma plataforma específica para o tipo de óleo e condições ambientais locais.

Um novo processo de licenciamento ambiental, mais complexo, será necessário.

Onde será feita a perfuração? 

O ponto de exploração está localizado em águas profundas do Amapá, a 500 km da foz do rio Amazonas - o equivalente à distância de Fortaleza a Crato - e a 175 km da costa - mais ou menos a distância entre Fortaleza e Quixadá.

Para efeito de comparação, a distância do pré-sal para a costa do Rio de Janeiro é de aproximadamente 180 km (Campo de Búzios) até 404 km (Bacia de Santos).

Segundo a Petrobras, a operação contará com embarcações de apoio, monitoramento em tempo real e sistemas de contenção e dispersão em caso de vazamento.

Se for confirmada a viabilidade, para quando está prevista a operação?

A Petrobras estima que a produção de petróleo na bacia da Foz do Amazonas pode ter início até 2033

Quais outras experiências similares já existem no mundo?

A Guiana foi o primeiro país a descobrir petróleo na região da margem Equatorial, ainda em 2015, pela norte-americana ExxonMobil. Atualmente, dispõe de uma reserva de 11 bilhões de barris, representando alta de 62% no PIB em 2022.

O número equivale a 75% da reserva total de petróleo do Brasil

No Suriname, a 1ª descoberta foi em 2020. Em 3 anos, foi provado o potencial de extração de 4 bilhões de barris, cerca de 27% da reserva brasileira.

A Petrobras também explora regiões africanas com geologia semelhante à Margem Equatorial, buscando recompor suas reservas de petróleo.

Quanto será investido no projeto?

A estatal planeja investir US$ 3,1 bilhões na Margem Equatorial até 2028, com a perfuração de 16 poços

Não seria melhor investir em energias limpas?

Especialistas lembram que apesar de fontes renováveis tais como a eólica, produzirem menor impacto ambiental, não há nenhuma forma de produção de energia 100% limpa e que as grandes companhias petrolíferas projetam zerar suas emissões de carbono até 2050.

Além disso, lembram que durante o processo de transição para matrizes energéticas mais limpas, o petróleo seguirá sendo necessário do ponto de vista socioeconômico, ainda mais em regiões como o Norte e o Nordeste do Brasil.


O que muda para o Ceará?

A bacia do Ceará é uma das regiões a serem prospectadas para exploração de petróleo, mas ainda não houve leilão do bloco.

Mesmo assim, o Estado já tem sido usado, desde 2023, como um hub de apoio para operação logística e fornecimento de mão de obra qualificada para trabalhar na bacia potiguar e também na bacia da Foz do Amazonas.

Caso a exploração se confirme, há expectativa de que, além de desenvolvimento econômico, o Estado receba royalties de petróleo. No entanto, é preciso que uma lei regulamente o tema.

Entenda os prós e contras do projeto:

Pontos positivos:

De acordo com a Petrobras, a operação tem potencial de trazer desenvolvimento econômico para os estados que compõem a região da Margem Equatorial, com impactos nas seguintes áreas:

  • Aumento da segurança energética do País
  • É estimado um potencial de geração de 350 mil empregos no Norte e Nordeste
  • Aumento na arrecadação de impostos
  • Ampliação da qualificação de mão de obra
  • Ampliação dos investimentos da Petrobras nos estados onde atuará
  • Catalisar novos negócios
  • Desenvolvimento de novas tecnologias
  • Petrobras alega ter expertise para fazer a operação com segurança, cumprindo todos os requisitos exigidos pelo Ibama

Pontos contrários:

Segundo o Observatório do Clima, rede da sociedade civil que reúne 133 integrantes, a viabilidade econômica da operação não justifica os riscos ambientais, e sociais na Região.

Alegam ainda que a exploração de petróleo na Amazônia vai agravar a crise climática no planeta, afastando o Brasil das recomendações técnicas para uma transição energética que cumpra o Acordo de Paris.

Além de apontar incoerência em relação ao discurso climático internacional que o país vem liderando. O grupo alerta para prejuízos à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em novembro, em Belém

Linha do tempo até a liberação

Década de 1970: Começaram as prospecções da Petrobras para exploração de petróleo na Margem Equatorial

Maio de 2023: Ibama nega à Petrobras a licença para perfurar o bloco exploratório FZA-M-59, na Bacia da Foz do Amazonas, citando inconsistências graves nos estudos ambientais apresentados.

Outubro de 2023: Ibama renova a licença da Petrobras para atividades exploratórias na região, mas a licença era para estudos e coleta de dados na área, não para perfuração.

No mesmo mês, recebeu aval do órgão ambiental para perfurar poços na Bacia Potiguar, no litoral do Rio Grande do Norte e do Ceará, área que integra a Margem Equatorial.

novembro de 2024: Petrobras aprova seu Plano Estratégico 2050 (PE 2050) e o Plano de Negócios 2025-2029 (PN 2025-29), dando prioridade para Margem Equatorial

junho de 2025 - A ANP realizou leilão de 172 blocos em cinco bacias. Dos 34 blocos arrematados, 19 estão na Foz do Amazonas, na costa do Amapá, e foram adquiridos pelos consórcios formados pela Petrobras em parceria à ExxonMobil e pela Chevron junto à chinesa CNPC. A bacia vizinha de Potiguar não recebeu ofertas

Outubro de 2025: Ibama concede a licença para a Petrobras perfurar seu primeiro poço exploratório na Margem Equatorial, o FZA-M-59, na Bacia da Foz do Amazonas.

 

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