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Petrobras tenta reclassificar Lubnor como "incômoda" para ficar em Fortaleza
Reportagem

Petrobras tenta reclassificar Lubnor como "incômoda" para ficar em Fortaleza

|Impasse| A Petrobras enfrenta um impasse legal sobre a permanência da Lubnor na capital cearense devido a uma lei municipal de 2017 que exige a remoção de empresas "nocivas ao meio ambiente" da área portuária até agosto de 2027
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A Lubnor ocupa uma área de 218 mil metros quadrados, cercada por uma comunidade de 112 mil pessoas em bairros como Cais do Porto, Serviluz, Mucuripe, Vicente Pinzón e Praia do Futuro.
 (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE A Lubnor ocupa uma área de 218 mil metros quadrados, cercada por uma comunidade de 112 mil pessoas em bairros como Cais do Porto, Serviluz, Mucuripe, Vicente Pinzón e Praia do Futuro.

Conciliar o desenvolvimento urbano com a sustentabilidade econômica e social, e as preocupações diretas da população afetada por decisões de grande impacto. Esse é o grande dilema do Plano Diretor Participativo (PDP) de Fortaleza. E a Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor) é a pedra no meio do caminho.

A Petrobras enfrenta um impasse legal sobre a permanência da Lubnor na capital cearense devido a uma lei municipal de 2017, que exige a remoção de empresas "nocivas ao meio ambiente" da área portuária até agosto de 2027.

A refinaria, classificada como tal por produzir derivados de petróleo, está buscando reverter essa decisão através de discussões sobre o plano diretor, na Câmara Municipal de Fortaleza.

A Lubnor espera que esses esforços e as negociações resultem em sua reclassificação para "incômoda ao meio urbano", um nível menos severo do que "nociva", argumentando que seus principais produtos são asfalto e lubrificantes, e não combustíveis leves como gasolina.

O PDP de Fortaleza é a principal lei municipal que orienta o desenvolvimento e o crescimento urbano da cidade, definindo como os espaços urbanos devem ser organizados para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Atualmente, a capital cearense está em processo de revisão do Plano Diretor de 2009 para adequá-lo aos novos desafios sociais, ambientais e econômicos.

Por meio de nota, a Petrobras confirmou que a Lubnor, inaugurada em 1966 no Mucuripe, enfrenta desafios relacionados à legislação de uso e ocupação do solo que poderiam impedir sua continuidade no Cais do Porto.

A empresa participou de reuniões com a Comissão Especial de Matérias do Plano Diretor da Câmara Municipal de Fortaleza e de uma audiência pública para discutir a história, localização, produção e a importância de sua permanência na região.

O objetivo foi apresentar a contribuição da refinaria para o estado e o município e buscar alternativas que garantam sua operação contínua, em meio às discussões sobre a atualização do Plano Diretor de Fortaleza.

Obstáculo urbanístico

Para alguns, a refinaria precisa ser removida do Porto do Mucuripe, onde ocupa uma área de 218 mil metros quadrados, cercada por uma população de 112 mil pessoas em bairros como Cais do Porto, Serviluz, Mucuripe, Vicente Pinzón e Praia do Futuro.

A ideia é que ela seja transferida para o Porto do Pecém, em São Gonçalo do Amarante, a 55 quilômetros de Fortaleza. Argumentam que a capital cearense não comporta mais uma refinaria em sua orla. Consideram a empresa um obstáculo urbanístico, que dificulta a ocupação da Praia do Futuro.

O objetivo dessa realocação, segundo seus defensores, é reduzir os riscos ambientais e de segurança associados às atividades na região, que afetam diretamente os moradores de Fortaleza.

Na audiência pública que encerrou o primeiro ciclo de debates sobre o Plano Diretor, na Câmara Municipal, Lia Parente, vice presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan) afirmou que a Lubnor interrompe “conectores, do transporte, das vias, do caminhar das pessoas, exatamente obstaculizado por essa área que ainda é de uso industrial”. Também citou a preocupação com a segurança dos moradores e a estranheza de uma refinaria dessas proporções no meio da cidade.

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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-08-2023: Artur Bruno no podcast O Povo News. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-08-2023: Artur Bruno no podcast O Povo News. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Decisão sobre permanência sai até hoje

O presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), Artur Bruno, informa que hoje, dia 13, a equipe responsável pelo Plano Diretor baterá o martelo e decidirá se a refinaria continua ou não no Mucuripe. De acordo com ele, técnicos estão avaliando a documentação entregue pela empresa, no dia 30 de agosto, durante a audiência que encerrou o primeiro ciclo de audiências.

O prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT), prefere não se manifestar sobre a questão envolvendo a Lubnor. Ele disse que a decisão cabe aos vereadores. "Quem vai votar são os vereadores e as vereadoras. Eu prefiro não, nesse momento, dizer se sou contra nem a favor (a permanência da refinaria em Fortaleza)", afirmou o prefeito.

Artur Bruno, esclarece que é preciso fazer uma distinção entre a refinaria propriamente dita e a área de tancagem. Com relação a esta última, não há dúvida. A tancagem vai ter de sair do Mucuripe ―, diz. Mas, com relação à refinaria, ele explica que ainda não há uma posição definida.

Sobre o documento entregue, ele detalha o plano Refinaria Carbono Zero, proposto pela Petrobrás, como uma solução para permanecer no Mucuripe. A Lubnor anunciou um plano para investir R$ 1,5 bilhão em quatro anos com o objetivo de transformar a unidade na primeira refinaria zero carbono do Brasil.

O plano visa reduzir em 100% a emissão direta e indireta de carbono, além de aumentar o consumo de energia renovável e o conteúdo renovável em seus produtos.

Tancagem é a área onde são armazenados combustíveis líquidos. Boa parte das empresas que utilizam a área da Lubnor para armazenamento de GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), conhecido como gás de cozinha, está de mudança para o Pecém.

Mês passado, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou, sem restrições, a criação de uma joint venture greenfield entre a Companhia Ultragaz S.A. e a Supergasbras Energia Ltda., destinada à construção, desenvolvimento e operação de um terminal portuário de GLP no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará.

O empreendimento terá capacidade de movimentar até 470 mil toneladas de GLP por ano, com investimento estimado de R$ 1,1 bilhão, e poderá redesenhar a logística de abastecimento no Nordeste. (Colaborou Fabiana Melo)

 

Cronograma do Plano Diretor de Fortaleza

As discussões sobre o Plano Diretor Participativo de Fortaleza acontecem na Câmara Municipal. O processo está progredindo para uma fase crucial com debates envolvendo a comunidade e especialistas. O primeiro ciclo de audiências públicas já foi concluído, discutindo as centralidades urbanas.

O segundo ciclo de audiências, com início em 13 de setembro, será mais detalhado, concentrando-se em parâmetros construtivos como índices, altura de edifícios e distâncias entre áreas. Serão abordados instrumentos urbanos como IPTU progressivo, IPTU verde e transferência do direito de construir para dinamizar a cidade e preservar o meio ambiente.

13 de setembro:
Início do segundo ciclo de audiências públicas, com foco na Macrozona do ambiente natural. Este ciclo será mais detalhado, abordando parâmetros construtivos, como índices, altura de edifícios e distâncias entre áreas, além de instrumentos urbanos como IPTU progressivo, IPTU verde e transferência do direito de construir.

20 de setembro:
Audiência pública específica para a Macrozona do ambiente construído.

27 de setembro:
Audiência pública específica para a Macrozona das centralidades urbanas.

4 de outubro:
Audiência pública focada em Governança, sistemas
e indicadores.

Após o término
das audiências públicas:

A documentação, incluindo as contribuições das audiências e oficinas, será compilada.

As sugestões serão analisadas e, se houver concordância, incorporadas ao documento final

do plano.

O Núcleo Gestor do Plano Diretor, composto por

30 entidades, aprovará

a sistemática

do processo.

Outubro:
Ocorrerá a Conferência da Cidade, onde aproximadamente 600 delegados votarão sobre a minuta de lei do plano.

6 de novembro:
A versão final do Plano Diretor será entregue à Câmara Municipal
de Fortaleza.

Processo de gentrificação no Cais do Porto

Entre os que se posicionam pela permanência da Lubnor no mesmo local, estão os empregados da empresa. Eles expressam a angústia com os impactos sociais e econômicos, como o desemprego e as consequências para comunidades vizinhas.

Alexandre Menezes, diretor do Sindicato dos Petroleiros do Ceará (Sindipetro-CE), diz que a Lubnor é uma fonte crucial de trabalho para a comunidade, gerando aproximadamente 550 empregos diretos e cerca de 2.000 indiretos, sendo que grande parte é ocupada por moradores do entorno.

De acordo com ele, há entre os moradores uma forte crítica à especulação imobiliária na região, que estaria impulsionando a tentativa de remoção da Lubnor e outras distribuidoras, em vez de uma preocupação genuína com os riscos ambientais.

Menezes acredita que o Cais do Porto está passando por um processo de gentrificação. O termo é usado por urbanistas e sociólogos para definir um fenômeno de dinâmica migratória, por meio do qual a população de determinado bairro ou localidade é substituída por outra mais rica.

"Na história de Fortaleza, este é um processo que se repete. A gente tira até a própria Aldeota, que era uma pequena aldeia de pescadores, e, com o tempo, virou uma região nobre da cidade. E também a região das Dunas, que é o atual Bairro de Lourdes", cita o sindicalista.

Isso ocorre quando referida localidade ganha um status, seja por obra do Estado, que realiza melhorias, seja por um processo "natural", com a chegada de novos contingentes populacionais mais ricos em busca de preço baixo de aluguéis ou de imóveis.

Gradativamente, os recém-chegados começam a exigir serviços, comércios e até obras do poder público para valorizar a área, o que encarece o custo de vida e obriga a população original daquela localidade a ir em busca de outras áreas, normalmente mais periféricas, em que o custo de imóveis, aluguéis e serviços seja mais barato.

"Existe uma pressão para a retirada de hotéis da Beira Mar para a construção de mega prédios, levando à busca por novas áreas, como a região do Cais do Porto (onde a Lubnor está localizada) para a instalação dos hotéis, já que a Praia do Futuro não é vista como atrativa para turistas e a rede hoteleira", complementa o sindicalista Alexandre Menezes.

Segundo o engenheiro André Montenegro de Holanda, vice-presidente do Núcleo Gestor do Plano Diretor, a demolição dos hotéis na Avenida Beira-Mar, principal cartão postal da cidade, para dar lugar a prédios residenciais cada vez mais altos é um caminho sem volta. "A tendência é o pessoal ir derrubando esses prédios menores. A gente tem que dar uma estudada onde é que vão fazer os hotéis", afirma André Montenegro.

Segundo ele, a construção de edifícios altos é uma tendência, pois impulsiona o setor turístico e imobiliário da cidade. Com relação à permanência ou não da refinaria no Mucuripe, Montenegro preferiu não tomar partido.

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