Integrantes da Biblioteca Comunitária da Sabiaguaba (Sabiá), criaram campanha a fim de arrecadar dinheiro para compra e reforma da nova sede do espaço. O movimento visa reunir R$ 80 mil até maio de 2026 para a aquisição completa do imóvel. É possível fazer doações via PIX e a partir do site Vakinha, no qual a campanha está hospedada.
Inaugurada em 2019, a Sabiá busca fomentar a leitura, a cultura, cidadania, educação ambiental, o enraizamento comunitário e a inclusão social e digital das crianças, jovens e adultos da comunidade da Sabiaguaba.
Hoje, a biblioteca ocupa prédio que anteriormente era unidade de uma igreja do bairro. A oportunidade surgiu devido ao interesse da igreja em migrar para um espaço maior, o que deixou o imóvel “livre”. Entretanto, a negociação só será concretizada oficialmente com o pagamento de R$ 60 mil.
Fundada por Gleiciany Queiroz, graduanda em serviço social pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), a Sabiá atende mais de 60 crianças, além de realizar cursos com jovens e adultos.
Ao longo de seis anos, eventos, oficinas, cursos, rodas de leituras e campanhas de vacinação foram realizados pelo projeto.
A Biblioteca Comunitária recebia financiamento da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) e do Itaú Social para conseguir manter o local, algo que mudou no final de 2023. Atualmente funciona com o auxílio de voluntários, da comunidade e a partir de doações.
Na nova sede, há um salão, salas com despensas e dois banheiros. A área é capaz de acomodar com mais conforto as atividades do projeto. Como afirmam os organizadores da ‘vaquinha’, porém, só poderão chamar o prédio de “seu” após quitação do valor.
Em entrevista ao Vida&Arte, Gleiciany Queiroz resgata o histórico da Sabiá, destaca a importância das ações do projeto e as expectativas para a vaquinha: “Nossas crianças merecem”.
O POVO - Quais foram as etapas passadas pela Biblioteca até chegar a este ponto de nova sede e reforma?
Gleiciany Queiroz - Em 2019, eu trabalhava em uma biblioteca comunitária que existia na Sabiaguaba. Eu também trabalhava com a Rede Jangada Literária, um coletivo de bibliotecas comunitárias que mantém unidades em Fortaleza e em São Gonçalo do Amarante. Em 2019 essa biblioteca fechou as portas, e a Jangada me convidou para montar uma biblioteca onde eu moro, junto com o coletivo de juventude em que já atuávamos, que dava nome à biblioteca, para continuar o trabalho. Então, cheguei para minha comunidade, perguntei o que eles achavam, e a comunidade ficou em festa. Meus pais cederam um quartinho da casa deles para instalarmos a biblioteca. Cabiam apenas os livros e algumas estantes. Recebemos o convite em 19 de setembro e inauguramos no dia 12 de outubro, com a participação da comunidade, exibição de filmes e apresentações. Na época, conseguimos que a Mumutante e o Mateus Fazeno Rock fizessem um show para celebrar esse momento de nascimento da biblioteca na comunidade. Fizemos arrecadações, amigos doaram materiais, estantes e livros. Assim, comemoramos com a comunidade em 12 de outubro de 2019.
O POVO - Quais atividades eram desenvolvidas?
Gleiciany - Como não tínhamos muito espaço interno, todas as atividades eram realizadas na calçada. Eu colocava um tapete — aqueles carpetes de palco — e todo o trabalho acontecia ali mesmo, na calçada. Em 2023, consegui formar um grupo de voluntários que chegou para nos ajudar. Através do programa Bolsa Jovem, fizemos um chamado na comunidade para atrair pessoas interessadas em desenvolver atividades na biblioteca. Conseguimos aprovar alguns jovens do território, que passaram a atuar conosco com nossa carta de recomendação. Alguns jovens que não foram aprovados também continuaram participando como voluntários. Assim, ganhamos esse time no fim de 2023 para iniciar os trabalhos de 2024. Em 2024, realizamos um arraiá, uma festa na rua. A Sabiaguaba não é um local com muito espaço, não temos uma praça — o mais próximo disso é uma areninha construída mais perto da praia e distante da comunidade. Então, não há muitos espaços para eventos culturais. Por isso, tudo o que nos propomos a fazer, fazemos na rua. Não foi diferente com o nosso arraiá. Preparamos comidas, fizemos compras com cartões e arrecadamos fundos. Preparamos vários pratos, fizemos bingo e todo o dinheiro arrecadado foi investido na nossa nova sede. Em julho de 2024, fizemos a mudança para a nova sede: uma casa que alugamos na mesma rua onde a biblioteca já funcionava. Com o dinheiro do arraiá, conseguimos pagar três meses de aluguel. Quando o dinheiro acabou, olhamos uns para os outros e percebemos que não podíamos simplesmente encerrar as atividades.
O POVO - O que vocês fizeram?
Gleiciany - Passamos a vender espetinhos e pratinhos na porta da biblioteca para poder pagar o aluguel. Usávamos o dinheiro arrecadado para comprar mais insumos e seguir vendendo, garantindo o pagamento das contas básicas. Tem sido assim desde então. Neste ano surgiu uma oportunidade: a igreja que fica em frente ao projeto possuía quatro igrejas no bairro e decidiu fechar essas unidades menores para abrir uma igreja maior. Colocaram o prédio à venda, e começamos uma negociação com os proprietários, que são a própria igreja e os pastores responsáveis, para tentar comprar o imóvel. Eles avaliaram o prédio em R$ 60 mil, e decidimos fazer uma vaquinha para alcançar mais pessoas. Hoje, a biblioteca desenvolve como atividade principal as mediações de leitura, as rodas de leitura compartilhada. Temos também aulas de flauta, informática, sessões de cinema e um projeto de alfabetização de jovens e adultos. Estamos realizando um curso de direitos humanos para formação de agentes em direitos humanos e oferecemos aulas de informática, ensinando crianças a partir de 9 anos a usar o computador, posicionar as mãos no teclado e aprender de forma lúdica, com jogos.
O POVO - E quanto ao novo espaço?
Gleiciany - No espaço novo que estamos planejando, já temos disponíveis um professor de jiu-jitsu e outro de muay thai para oferecer essas atividades às crianças da biblioteca. Por isso esse espaço é tão importante. A casa que alugamos atualmente não comporta todas as crianças: já atendemos mais de 60. Como também há aulas para adultos, não conseguimos realizar mais de uma atividade ao mesmo tempo. Primeiro ocorrem as atividades das crianças. Todos os dias há alguma atividade, dividida por faixa etária e por tipo. Normalmente ficamos com elas de 18h às 20h. Como não há ninguém remunerado para manter o espaço aberto por mais tempo, sempre contamos com algum voluntário para abrir a biblioteca. Então, de 18h às 20h, sempre há alguém no local. As crianças ficam das 18h até as 19h. Quando chegam os alunos da Educação de Jovens e Adultos, vamos com as crianças para a rua para realizar dinâmicas e atividades, liberando o espaço para os adultos.
O POVO - Como foi calculado o valor estabelecido na vaquinha?
Gleiciany - A ideia da vaquinha é conseguirmos quitar os R$ 60 mil. Abrimos a vaquinha com o valor de R$ 80 mil. A intenção é pagar os R$ 60 mil do prédio. Fizemos alguns cálculos e acreditamos que, em média, cerca de R$ 10 mil ficam para o site que hospeda a vaquinha. Assim, estamos contando em receber aproximadamente R$ 70 mil. Com esses recursos, esperamos quitar o valor do prédio e ainda realizar algumas pequenas reformas necessárias, como trocar portas que estão com problemas e ajustar outros detalhes do espaço. Por isso definimos esse valor total.
O POVO - Ao longo de seis anos de funcionamento da Biblioteca, quais foram, na sua avaliação, as principais conquistas e os principais feitos do projeto?
Gleiciany - Ao longo desses seis anos, temos alcançado cada vez mais crianças. Elas começam a trazer umas às outras; deixa de ser apenas as que moram em casas na rua ou nas ruas próximas, porque elas passam a entender a importância daquele espaço. Além das atividades citadas anteriormente, realizamos muitas visitas pela cidade com elas. Fazemos passeios, conhecemos pontos culturais, celebramos festas regionais, trabalhamos o Carnaval, o São João, o Dia das Crianças e o Natal. Sempre buscamos formas de celebrar com elas. Neste ano, iniciamos um projeto de “aniversariante do mês”. Assim, todo mês comemoramos o aniversário das crianças, porque é importante que elas entendam o valor de celebrar a vida. Há crianças que chegaram à biblioteca com 4 ou 5 meses de idade. Hoje já têm 6 anos, quase 7, continuam conosco e ainda trazem amigos. A comunidade se aproximou mais do projeto, e temos mais pessoas engajadas. Não é à toa que hoje contamos com um time de voluntários que são meus braços e minhas pernas. Eu não seria nada sem essa equipe, que topa as ideias, aceita o trabalho árduo e muitas vezes sem receber nenhum real por isso — apenas por acreditar no projeto e por amor ao que faz.
O POVO - Quais são suas expectativas com essa vaquinha?
Gleiciany - Temos a expectativa de que essa vaquinha consiga atingir a meta. Desde o início sabíamos que seria difícil, mas também entendíamos que não era impossível. Quando fui conversar com o pastor eu disse a ele: “Nós não temos o valor todo para pagar de uma vez. Mas temos muita força de vontade e acreditamos profundamente na coletividade. Se o senhor confiar e acreditar na gente, pode ter certeza de que vamos trabalhar muito para alcançar essa meta.” As negociações começaram em agosto. Ainda em agosto, dialogamos sobre planos e estratégias de como começar. Em setembro, iniciamos uma campanha de sensibilização nas redes sociais. Começamos a gravar reels no Instagram contando nossa história: quem somos, como o projeto começou — sentados numa calçada enquanto a vida acontecia na favela —, a chegada dos voluntários e o porquê de serem tão importantes. Mostramos também a mudança para a casa nova e as dificuldades que enfrentamos nesse espaço: problemas de infiltração, canos entupidos que fizeram a água voltar para dentro, perdas de livros e brinquedos por causa da umidade. A casa nos permitiu acolher as crianças, mas ficou pequena à medida que o número delas cresceu. Gravamos um vídeo com crianças e mães falando sobre o projeto. No vídeo final, mostramos o prédio que desejamos comprar, explicando que estávamos em negociação e que, quando encerrássemos essa etapa, abriríamos uma vaquinha para adquirir o imóvel e ampliar o projeto e as atividades que já desenvolvemos. Nesse vídeo também apareciam o professor de muay thai e a professora que conduz as oficinas e as turmas de jovens e adultos.
O POVO - O que a Sabiá significa para você?
Gleiciany - É um pouco difícil falar sobre a Sabiá sem se emocionar. São seis anos de uma luta muito bonita — uma luta coletiva — em uma comunidade que não tem outros projetos desse tipo. A Sabiá é o único projeto voltado para cultura no território. Existem também as meninas do surf, da Aldeia Surf Escola, e até já pensamos em integrar as crianças da biblioteca às atividades do surf. Mas, como o que estamos propondo, a Sabiá é o primeiro e o único na comunidade. Para muitas crianças, o único lugar de convivência, de segurança, de acolhimento e de descobertas é a biblioteca. É o espaço delas. Por isso, esperamos muito que essa campanha dê certo, que consigamos alcançar o valor necessário, quitar o prédio e iniciar as atividades em um espaço maior, do jeito que nossas crianças merecem.
Vaquinha para a Sabiá
Quando: campanha aberta até maio de 2026
Onde doar: site Vakinha e via PIX (5804098@vakinha.com.br); ao fazer uma doação via PIX, a plataforma pede para entrar em contato com o criador da vaquinha para informar sobre a doação, de forma a manter o controle das contribuições.
Mais informações: @bibliotecacomunitaria.sabia